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2.4 Câmara dos Deputados: a proposta de criação da Junta

3.1.1 Composição

A Junta de Higiene Pública, segundo o Decreto que a instituiu, era composta por um presidente, nomeado pelo Ministério do Império, pelo provedor de saúde do porto, pelo inspetor do Instituto Vacínico, pelos cirurgiões-mor da Armada e do Exército, e por um secretário, todos com formação em medicina (Brasil, 1850b).

Para a presidência da Junta, o governo nomeou por meio de decreto expedido em 16 de dezembro de 1850, o médico, deputado, lente da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e membro da Academia Imperial de Medicina, Francisco de Paula Cândido53. Os demais

53 Francisco de Paula Cândido nasceu na província de Minas Gerais em 1806, doutorou-se em medicina pela Faculdade de Paris em 1832, com a tese "Algumas considerações sobre a atmosfera". Foi professor da cátedra de física médica da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro por 30 anos (1833-1863); membro efetivo da Academia Imperial de Medicina, ocupando por três vezes o cargo de presidente dessa corporação; deputado por sua província natal por quatro legislaturas consecutivas; presidente da Junta Central de Higiene Pública por 13

cargos da Junta foram preenchidos pelos médicos Joaquim Cândido Soares de Meirelles (Cirurgião mor da Armada); Antônio José Ramos (Cirurgião mor do Exército); Antônio Felix Martins (Provedor de Saúde do Porto); Jacintho Rodrigues Pereira Reis (Inspetor geral do Instituto Vacínico); e Herculano Augusto Lassance Cunha, que desempenhava a função de secretário (Junta de Higiene Pública, 1850-1859; Almanak Laemmert, 1851).

Sobre a composição da Junta, é importante assinalar que, dos seis integrantes, quatro pertenciam ao quadro de membros da Academia Imperial de Medicina, sendo que dois eram membros fundadores e exerceram cargo de presidente dessa instituição, Joaquim Cândido Soares de Meirelles54 e Jacintho Rodrigues Pereira Reis55. Francisco de Paula Cândido também exerceu o cargo de presidente da Academia, durante o período de 1840-182, e, anos mais tarde, já como presidente da Junta, cumpriu mais um mandato, que compreendeu os anos de 1852 a 1855. Posteriormente, Antônio Felix Martins, quando não mais compunha a Junta, assumiu a presidência da Academia, pelo período de 1861-1864 (Nascimento, 1929). O fato de membros da Academia de Medicina pertencerem à diretoria da Junta não determinou uma relação ausente de conflitos entre essas duas instituições, conforme será analisado posteriormente.

De acordo com a historiadora Monique Gonçalves (2005), a escolha de Francisco de Paula Cândido, e não de José Martins da Cruz Jobim para a presidência da Junta, talvez estivesse relacionada ao modo com que este direcionava as discussões no ambiente legislativo. Para essa autora, outra explicação pode ser atribuída para a ausência de Cruz Jobim na direção da Junta: o seu posicionamento pouco flexível e consolidado frente algumas questões de saúde pública de Cruz Jobim, que talvez “pudesse entravar de alguma forma o projeto estatal de centralização” do governo imperial (Gonçalves, 2005: 32). Contudo, talvez Cruz Jobim não tenha sido convocado à presidência da Junta, principalmente pelo fato das duras críticas por ele elaboradas ao projeto de criação da Junta, na ocasião dos debates travados no ambiente legislativo, e por Paula Cândido apresentar um posicionamento concordante com boa parte do projeto, conforme analisado no capítulo anterior.

anos (1850-1863); e conselheiro do Imperador. A ele, foram concedidos títulos de comendador da Ordem da Rosa e Cavaleiro de Cristo, pelo Imperador D. Pedro II, além de condecorado com a comenda da real ordem de Isabel, a Católica, pela Rainha de Espanha. Faleceu em Paris, no dia 05 de abril de 1864 (AIM, 1864b; Velloso, 2007).

54 Joaquim Cândido Soares de Meirelles foi o primeiro presidente eleito da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, posteriormente Academia Imperial. Exerceu o cargo de presidente dessa instituição por quatro vezes, em 1829-30, 1833, 1835-38, 1845-48 (Nascimento, 1929).

55 Jacintho Rodrigues Pereira Reis presidiu a Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro no quarto trimestre do ano de 1831. De acordo com o primeiro estatuto desta Sociedade, o mandato presidencial era de noventa dias (Nascimento, 1929).

Monique Gonçalves (2005) também considera que a Junta foi criada provavelmente com base no projeto de Cruz Jobim submetido à Câmara no ano de 1850. Todavia, não se pode desconsiderar que, em 1845, a Comissão de Saúde Pública, da Câmara dos Deputados, também submetera um projeto de criação de um conselho de salubridade à apreciação, assim como o médico Roberto Jorge Haddock Lobo à Academia Imperial de Medicina em 1846, e que talvez essas propostas também tenham inspirado a criação da Junta, e possam representar as primeiras iniciativas de “centralização” dos serviços sanitários do Império.

Com o passar do tempo e com o surgimento de novas demandas científicas, operacionais e administrativas, outros profissionais foram incorporados à Junta. Ainda em 1851, aventou-se a necessidade de contratação de um amanuense56, com o fim de auxiliar o secretário no expediente, o que foi atendido em 1853.

Na década de 1860, incorporou-se ao quadro da Junta um profissional, com formação em medicina, encarregado da formulação da estatística patológica e mortuária da cidade do Rio de Janeiro57. A inserção dessa especialidade pode estar relacionada à importância conferida à estatística, especialmente a partir da década de 1850, que constituía “o centro das argumentações de médicos e estadistas” (Gonçalves, 2005: 41). Nos relatórios apresentados pelo presidente da Junta ao Ministério do Império, conforme analisou Monique Gonçalves (2005), ressaltava-se, constantemente, a necessidade de sistematização, com o propósito de torná-las mais precisas. Essa autora aponta, ainda, para dificuldades na coleta dos dados.

A Junta Central de Higiene Pública, com a promulgação do Regulamento de 1882, ampliou o seu quadro de membros efetivos58, passando para nove. Estes eram nomeados livremente pelo governo, e dentre eles era decidido quem ocuparia os cargos de presidente e vice-presidente. Além dos membros efetivos, compunham a Junta os membros honorários e adjuntos. Os honorários compreendiam, caso não fizessem parte do quadro de membros efetivos, o diretor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, os professores das cadeiras de

56 Amanuense, de acordo com a definição do Dicionário Aurélio, seria um escriturário. Para o exercício dessa função, contratou-se, em 1853, José da Rocha Leão Junior, que foi substituído em 1854 por Antonio José Lazaro Ferreira, que permaneceu no cargo até o fim da Junta Central de Higiene Pública. Posteriormente, foram contratados mais amanuenses para o auxílio dos trabalhos do secretário da Junta, provavelmente em decorrência do aumento de expediente. De 1877 a 1885, a Junta contava com o auxílio de dois amanuenses, e em 1886 com de três.

57 Para esse cargo foi nomeado, em 1863, o doutor em medicina Francisco Augusto Monteiro de Barros, que ficou no cargo por apenas um ano, sendo substituído pelo médico Luiz Silva Brandão, que exerceu essa função até o ano de 1883. Em 1884, Pedro Francisco de Oliveira Santos, médico, foi nomeado para o cargo, onde ficou menos de um ano. Durante um período o cargo ficou vago, e posteriormente foi indicado o médico Manoel Velloso Paranhos Pederneiras para exercê-lo.

58 Incluíam ao quadro de membros efetivos, o presidente, o vice-presidente, o inspetor de saúde do porto e dois químicos, encarregados dos trabalhos de análises.

higiene, medicina legal e farmacologia dessa mesma instituição, e os cirurgiões-mores da Armada e do Exército (Brasil, 1883a). É importante ressaltar que a Junta, apesar de ser presidida por um membro da Academia Imperial de Medicina, Antonio Corrêa de Souza Costa, não inseriu o presidente desta instituição no quadro de membros permanentes. Contudo, não há informações disponíveis que justifiquem o porquê dessa exclusão.

O presidente da Câmara Municipal, o capitão do Porto do Rio de Janeiro, o chefe da polícia e os inspetores das obras públicas e da Alfândega integravam o quadro de membros adjuntos, além de um engenheiro arquiteto e um veterinário que poderiam ser nomeados pela Junta para auxiliá-la59 (Brasil, 1883a). A inserção do presidente da Câmara Municipal e do chefe de polícia talvez objetivasse uma relação mais estreita destes com a Junta, e também minimizar os constantes conflitos de autoridade, decorrentes da dificuldade de distinguir as competências da municipalidade e do governo central.

Os membros adjuntos e honorários tanto da Junta Central de Higiene Pública quanto das Juntas das províncias só participavam das sessões quando estas ou o governo julgassem necessária a presença de tais membros, e a eles seria concedido o direito de discussão e voto das questões propostas e submetidas à sua apreciação (Brasil, 1883a).

Ainda na década de 1860, na gestão de Francisco de Paula Cândido, a Sociedade Farmacêutica Brasileira60 sugeriu que fosse incorporado ao quadro de membros da Junta um farmacêutico, que deveria tratar de questões relativas ao exercício da farmácia, aos pareceres sobre medicamentos, visitas às boticas (Velloso, 2007). Todavia, somente em 1882, com a reforma da Junta, que foram criados dois cargos de farmacêuticos auxiliares61, mas, de acordo com Verônica Velloso (2007), tais profissionais não participavam das discussões sobre o exercício da farmácia e demais questões sob responsabilidade da Junta.

Ao iniciar sua função como presidente da Junta, em 1883, Domingos Freire mostrou- se impressionado com a deficiência do corpo administrativo, e destacava a impossibilidade dos trabalhos administrativos estarem em dia, principalmente pelo fato de o escriturário e o

59 Os únicos a receberem gratificações eram o engenheiro arquiteto e o veterinário, mas somente quando fossem recrutados para executarem um serviço próprio de sua formação. Esta gratificação era determinada de acordo com a relevância dos serviços por eles desempenhados.

60 Com objetivo de melhorar, regularizar e garantir o exercício da farmácia no Brasil, a Sociedade Farmacêutica Brasileira foi fundada em 1851. As suas preocupações também estavam voltadas à sorte dos seus associados, já que criou um monte pio para assegurá-los em caso de indigência. Todavia, não há informações sobre o ano que a instituição foi extinta, especula-se que tenha sido em 1878. Acesse o site do Dicionário Histórico-Biográfico das

Ciências da Saúde no Brasil (http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/iah/P/verbetes/socfarbr.htm) para obter mais informações sobre a Sociedade Farmacêutica Brasileira.

61 Para os cargos de farmacêuticos auxiliares foram nomeados Francisco Maria de Mello e Oliveira e José Pereira Lopes (Velloso, 2007).

amanuense pertencerem tanto a Junta quanto ao Instituto Vacínico. Ressaltava que, para o bom funcionamento do expediente, fazia-se necessária a criação de mais dois cargos, no mínimo, de amanuense, visto que um único não conseguia dar conta de todos os serviços a ele solicitados.

Entre 1850 e 1886, foram presidentes da Junta Francisco de Paula Cândido (1850- 1864), José Pereira Rego (1864-1881), João Baptista dos Santos (1881), Antonio Corrêa de Souza Costa (1881-1883) e Domingos José Freire (1883-1885). Este número de presidentes num espaço de tempo de 36 anos aponta para certa estabilidade no cargo se comparado com o número de ministros do Império no mesmo período, que foi de vinte e três, conforme se pode observar quadros disponíveis no Apêndice 2 e 3.

A instabilidade da administração imperial, conforme ressaltou o historiador André Paulo Castanha (2007), determinou mobilidade nas administrações provinciais, visto que “os presidentes e vices estavam submetidos diretamente ao Ministério dos Negócios do Império, cabendo, geralmente ao ministro a indicação da nomeação ao Imperador” (Castanha, 2007:83). E essa instabilidade da pasta dos Negócios do Império refletiu no processo de trabalho da Junta, pois, conforme ressaltou Gabriela Sampaio (2001), quando ocorria uma troca de ministro, e necessitava-se do parecer deste, o trabalho da Junta, normalmente, reiniciava-se.