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Com o surgimento de novas tecnologias difundidas durante o século XX, a comunicação jornalística passa a exercer uma importante posição diante do sentido das mediações. De acordo com Eco (2001, p. 11), “se devemos operar em e para um mundo construído na medida humana, essa medida deverá ser individuada não adaptando o homem a essas condições de fato, mas a partir dessas condições de fato”. Segundo ele, o universo das comunicações de massa é – reconheçamo-lo ou não – o nosso universo.

[...] e se quisermos falar de valores, as condições objetivas das comunicações são aquelas fornecidas pela existência dos jornais, do rádio, da televisão, da música reproduzida e reproduzível, das novas formas de comunicação visual e auditiva. Ninguém foge a essas condições, nem mesmo o virtuoso, que, indignado com a natureza inumana desse universo da informação, transmite o seu protesto através dos canais de comunicação de massa, pelas colunas do grande diário, ou nas páginas do volume em paperback, impresso em linotipo e difundido nos quiosques das estações (ECO, 2001, p. 11).

Essas mediações seguem seu fluxo. De acordo com Martín-Barbeiro (2013, p. 28), “a comunicação se tornou para nós questão de mediações mais que de meios, questão de cultura e, portanto, não só de conhecimentos, mas de reconhecimento”. Segundo Martín-Barbeiro (2013), chama-se “massa” o modo como as classes populares vivem as novas condições de existência, isso tanto no sentido do que elas têm de opressão quanto no que as novas relações contêm de ações ou aspirações de democratização social. Por outro lado, ele acrescenta que “de massa” será a chamada cultura popular, pois, quando a cultura popular tende a se converter em cultura de classe, será ela mesma minada por dentro, transformando-se em cultura de massa.

Os dispositivos da mediação de massa acham-se assim ligados estruturalmente aos movimentos no âmbito da legitimidade que articula a cultura: uma sociabilidade que realiza a abstração da forma mercantil na materialidade tecnológica da fábrica e do jornal, e uma mediação que encobre o conflito entre as classes produzindo sua resolução no imaginário, assegurando assim o consentimento ativo dos dominados. Essa mediação e esse consentimento, no entanto, só foram historicamente possíveis na medida em que a cultura de massa foi constituída acionando e deformando ao

mesmo tempo sinais de identidade da antiga cultura popular e integrando ao mercado as novas demandas das massas (MARTÍN-BARBEIRO, 2013, p. 175).

A demanda popular e essa corrida pelo desenvolvimento tecnológico, principalmente na área da impressão dos periódicos, faziam das narrativas nos jornais o melhor espaço para o crescimento da produção massiva. Assim, vê-se, a partir de 1830, uma imprensa que já se destaca com um forte apelo ao jornalismo político que leva à empresa comercial. Os folhetins são os primeiros textos em importância que alcançam o formato popular de massa. Martín- Barbeiro (2013) acrescenta que os meios de comunicação de massa, sendo um deles o jornal, serão responsáveis por uma verdadeira transformação cultural.

Estamos afirmando que as modalidades de comunicação que neles e com eles aparecem só foram possíveis na medida em que a tecnologia materializou mudanças que, a partir da vida social, davam sentido a novas relações e novos usos. Estamos situando os meios no âmbito das mediações, isto é, num processo de transformação cultural que não se inicia nem surge através deles, mas no qual eles passarão a desempenhar um papel importante a partir de um certo momento – os anos 1920 (MARTÍN-BARBEIRO, 2013, p. 197).

Nesse sentido, os anos 20 serão de progresso técnico e forte produção também para a área da comunicação, visto que os Estados Unidos passam pela retomada econômica depois de finalizada a Primeira Guerra Mundial. São de fabricação americana equipamentos de impressão que chegam ao Brasil anos depois. Os meios de comunicação do país passam por uma transformação tecnológica seguida de novos investimentos pelos proprietários das empresas de comunicação. Segundo Barbosa (2007), de acordo com a Associação Brasileira de Imprensa, em um levantamento das publicações existentes no Rio de Janeiro ao longo da década de 1920, foi constatada a existência de, pelo menos, oitocentos periódicos. Entretanto, a maioria deles publica poucos números, sendo que os que duram mais tempo não atingem cinco dezenas.

No final da década de 1920, conta-se, na Capital Federal, 19 jornais diários, 13 estações de rádio e várias revistas semanais, com tiragens que chegam a 30 mil exemplares, como é o caso de O Cruzeiro, lançado em 1928, após uma campanha publicitária em moldes modernos. Marca também a década, o aparecimento do primeiro conglomerado de mídia brasileiro, inicialmente com a criação de O Jornal (1925-1974), que viria a ser o primeiro veículo de uma série pertencente a Assis Chateaubriand. A revolução na forma de fazer jornal, que ocorrera no início do século, tem continuidade na década de 1920 e é marcada agora pela difusão de rotogravuras a cores, pelo reaparelhamento das oficinas gráficas e pelas modificações na organização empresarial, incluindo novas formas de assinaturas e vendas avulsa. Em 1928, o jornal A Noite (fundado por Irineu Marinho, em 1911) adquire modernas rotativas de fabricação americana Man, que substituem as velhas Marinonis, permitindo, já no ano seguinte, o lançamento do Suplemento Ilustrado de A Noite (BARBOSA, 2007, p. 58).

Na linha do progresso, quando se pensa em tecnologia e no aumento das vendas em número de jornais à população, os proprietários das empresas de comunicação também traçam uma batalha pela dominação dos diferentes públicos através de uma postura editorial agressiva e que traga polêmica. Aprimora-se e se estabelece o predomínio da opinião sobre os mais diversos assuntos com foco na política e nas decisões em debate na sociedade. Nesse sentido, Kunczik (1997, p. 89) afirma que “os meios de comunicação de massa são considerados a base de um poder de persuasão capaz de difundir uma interpretação da realidade com uma qualidade diferenciada própria”. Existe, ainda, conforme o autor, um grande empoderamento da imprensa, pois, para as pessoas, os processos evolutivos da moderna e complexa sociedade tornam-se cada vez mais complexos e difíceis de compreender.

Os meios de comunicação de massa são a instituição decisiva para a difusão dessas experiências e por isso têm a oportunidade de transmitir interpretações que dão sentido às complexidades e tornam compreensível o ininteligível. Podem tornar compreensíveis os contextos políticos ou podem ofuscá-los, criando obstáculos para o seu conhecimento. A informação transmitida pelos meios de comunicação de massa torna-se sua própria realidade (KUNCZIK, 1997, p. 89-90).

Nessa relação, Kunczik (1997) afirma ainda que os meios de comunicação de massa nas sociedades industrializadas do ocidente também possuem um poder decisivo sobre as próprias instituições, possibilitando e difundindo noções de realidade específicas desses veículos. Para ele, é notável supor-se que a legitimação pelo público “tem sido desviada em favor dos meios de comunicação de massa e em detrimento do Estado” (KUNCZIK, 1997, p. 92). O empoderamento da imprensa sobre a sociedade, presente nos estudos de Kunczik (1997), vai corresponder à relação existente entre os jornais como um instrumento básico de comunicação e poder que influencia o meio social. Esse conceito também parte de Steinberg (1972), o qual afirma que a comunicação de grupo envolve a comunicação individual. “Como a comunicação possibilita o intercurso social entre os indivíduos, assim a comunicação de massa possibilita uma espécie de coesão entre grupos” (STEINBERG, 1972, p. 18). Os grupos representativos na sociedade, que recebem a informação da imprensa, serão levados a conquistar os indivíduos, um a um, determinando ideais, pensamentos e formas de se posicionar diante dos fatos publicados.

A ideia de poder ou a caracterização de domínio por meio da linguagem e informações repassadas à sociedade pelos meios de comunicação no século XX, incluindo os jornais, expressa a competição e o duelo particular entre os diferentes grupos que aplicam seus recursos financeiros e de capital na imprensa nacional. Pretende-se, também, o lucro, pensando numa ação de abrangência dos negócios. Bourdieu (2001), assim como Steinberg (1972), que trata

experiências humanas simbolizadas, acredita que o exercício da busca pelo poder está essencialmente ligado à comunicação. Para Bourdieu (2001), é necessário acrescentar o significado dos sistemas simbólicos, ou seja, o poder da construção da realidade na imprensa.

Os sistemas simbólicos, como instrumentos de conhecimento e de comunicação só podem exercer um poder estruturante porque são estruturados. O poder simbólico é um poder de construção da realidade que tende a estabelecer uma ordem gnoseológica: o sentido imediato do mundo (e, em particular, do mundo social) (BOURDIEU, 2001, p. 09).

No contexto da infiltração dos jornais junto às classes sociais da população, especialmente nas duas primeiras décadas do século XX, percebe-se que o jornalismo impresso deseja ocupar um espaço ainda vago por outros meios de comunicação. Ele necessariamente quer ser a fonte de informação de leitores com diferentes profissões e idades. A chegada do jornal, muitas vezes, não será só casual, mas obrigatoriamente a única opinião e direcionamento da notícia vista por milhares de pessoas. Conforme Erbolato (1982, p. 46), “os jornais visam, em caráter permanente, atingir ao maior número de leitores, empregando, para esse fim, todos os recursos das sofisticadas e modernas técnicas”. O autor destaca ser necessário penetrar nas diversas camadas sociais, sendo que a imprensa precisa divulgar notícias variadas, que atinjam tanto o homem como a mulher, o jovem, o cientista, o intelectual e o cidadão comum.

Não é fácil uma classificação rígida dos assuntos, mas analisando-se os grandes e médios órgãos de imprensa brasileira, concluiremos que eles exploram temas relacionados com política, economia, fatos internacionais, esportes, artes, historietas, religião, problemas sociais, trabalho, crianças, família, moda, crimes, catástrofes, delinquência juvenil, animais, paisagens, literatura, rádio, cinema, televisão, jogos, humor, horóscopos, publicidade, administração pública, ciências, técnica, plantas, folhetins, memórias, depoimentos, cartas de leitores, sociedade, culinária, variedades, palavras cruzadas e falecimentos (ERBOLATO, 1982, p. 47).

Diversos autores defendem que os jornais possuem uma peculiaridade quanto ao trabalho local e embasado do noticiário e das esferas do cotidiano baseado em dois setores que estarão diretamente ligados ao debate em sociedade: o político e o econômico. Esses setores são dimensões que cativam os leitores. Segundo Melo (1985a, p. 49), “é claro que tal perfil corresponde à significação que tem o jornal para o cidadão plenamente integrado na sua sociedade: aquele que participa ativamente da produção e do consumo”. Ele acrescenta que, quanto mais o cidadão sente-se parte integrante da vida em comunidade e do seu país, com mais necessidade vai precisar recorrer ao jornal para aprofundar a sua identidade social. Nessa direção, Rodrigo Alsina (2009, p. 19) manifesta que a própria construção das notícias do jornal ou mesmo do discurso jornalístico presente no periódico “se compõe um pouco de três fases

que, por sua vez, estão correlacionadas: a produção, a circulação e o consumo ou reconhecimento”. Assim, ele demonstra, que dentro da lógica jornalística, o importante está no caráter ético e na descrição verdadeira dos fatos. Essa postura pode intensificar a “leitura da notícia”, o que é mais provável ou, então, acentuar uma postura persuasiva com a notícia, no sentido de o leitor acreditar no conteúdo.

Quando a informação que é transmitida passa do fazer saber para o fazer acreditar (a persuasão), e para o fazer sentir (o sensacionalismo emocional), se pode esconder o que acontece mostrando uma parte do que ocorre, embora seja a parte mais importante. Saber não é simplesmente ver, como às vezes pretende o discurso. Saber é compreender, é compreender o acontecimento, compreender suas causas e consequências, assumir a existência das diversas interpretações, etc. Pelo contrário, a saturação de informação indiscriminada, anedótica e espalhafatosa, gera mais confusão do que conhecimento (ALSINA, 2009, p. 246).

Além disso, a forma de ação dos meios de comunicação de massa sempre esteve ligada também às formas artísticas. Carpenter e Mcluhan (1971, p. 220) destacam que “onde todos os meios de comunicação, incluindo a imprensa, são formas artísticas que têm o poder de impor, como a poesia, seus próprios pressupostos”. Os autores vão mais longe e afirmam “que as novas comunicações são métodos para nos relacionarem como o antigo mundo real; são o mundo real e remodelam à vontade o que resta do mundo antigo”. Para tanto, o processo tecnológico que está presente nas primeiras décadas do século XX e, especialmente, dentro das funções dos meios de comunicação de massa, segundo Carpenter e Mcluhan (1971, p. 220), deixam evidente que “a arte tecnológica abrange o mundo inteiro e toma a sua população como material próprio”.