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Heloísa Rodrigues de Lima 1 Tiago Mainieri 2

2. Comunicação pública e democracia

Os debates sobre comunicação pública tiveram início no meio acadê-mico brasileiro em 1998, quando Elizabeth Pazito Brandão e Heloísa Ma-tos apresentaram artigos sobre o tema no Intercom daquele ano (PAZITO BRANDÃO, 2016). A origem do conceito retoma ao final da década de 1980, quando o francês Pierre Zémor fundou a Association Communication Pu-blique. Os trabalhos de Zémor, porém têm características mais técnicas e pragmáticas, voltados para a “gestão de estruturas do Estado e para méto-dos de implementação de práticas de comunicação pública, e não para o aprofundamento teórico. (PAZITO BRANDÃO, 2016, p. 114).

Para Zémor (1995[2005], p. 5), as finalidades da comunicação pública não podem ser dissociadas daquelas inerentes às instituições públicas, cujas funções são: a) informar; b) escutar; c) contribuir para assegurar a relação social e; d) acompanhar as mudanças de comportamento e das organizações sociais. O interesse geral, segundo o autor, é o re-sultado de compromissos entre indivíduos e gru-pos da sociedade unidos por um “contrato social”, num quadro em que se inscrevem leis, regulamen-tos, jurisprudências. (KOÇOUSKI,2013, p. 43).

Entre os autores brasileiros, a compreensão de Comunicação Pública é bastante distinta. Diversos conceitos têm como objetivo comum a pro-moção do interesse público e a afinidade com a democracia. Kunsch (2013), por exemplo, afirma que a Comunicação Pública em suas várias vertentes e significações, pode ser compreendida de acordo com quatro concepções básicas: a) comunicação estatal, b) comunicação da sociedade civil organi-zada que atua na esfera pública em defesa da coletividade, c) comunicação institucional dos órgãos públicos para promoção da imagem, dos serviços e das realizações do governo, e comunicação política, com foco mais nos partidos e nas eleições (KUNSCH, 2013, p. 6).

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Pazito Brandão (2014) lista cinco áreas com as quais ela é normalmente identificada (p. 1 a 10)

a) Comunicação Pública identificada com Comunicação Organiza-cional;

b) Comunicação Pública identificada como Comunicação Científica;

c) Comunicação Pública identificada como Comunicação de Estado e/ou governamental;

d) Comunicação Pública identificada com Comunicação Política;

e) Comunicação Pública identificada como estratégias de comunica-ção da sociedade civil organizada.

Percebe-se ainda o esforço de alguns autores para definir o que a Co-municação Pública não é.

Os estudos recentes de comunicação pública têm embasado as principais diferenças entre comu-nicação pública, governamental e política. A pro-pósito Jorge Duarte (2011, p. 126), ao situá-la em um contexto mais amplo, deixa claras essas deli-mitações: “Comunicação governamental trata dos fluxos de informação e padrões de relacionamen-to envolvendo o executivo e a sociedade”.

Quanto à comunicação política, essa “diz respei-to ao discurso e à ação na conquista da opinião pública em relação a ideias ou atividades que tenham relação como poder”. Já “a comunicação pública se refere à interação e ao fluxo de infor-mação vinculados a temas de interesse coletivo”.

(KUNSCH, 2013, p. 7).

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Matos e Nobre (2013) veem a Comunicação Pública muito próxima à comunicação política. A comunicação política, segundo eles, não se refere àquela estratégica, com foco na persuasão. Mas seria sinônimo de uma tro-ca de informações visando à deliberação polítitro-ca.

Comunicação política é o campo de estudos que compreende a atividade de determinadas pessoas e instituições (políticos, comunicadores, jornalistas e cidadãos) nas quais se produz um in-tercâmbio de informações, ideias e atitudes que en-volvem os assuntos públicos. Em outras palavras, a comunicação política é o intercâmbio de signos, si-nais ou símbolos de qualquer espécie entre pessoas físicas ou sociais, com o que se articula a tomada de decisões políticas, assim como a aplicação destas na sociedade (MATOS E NOBRE, 2013, p. 21).

Para Matos e Nobre (2013) Comunicação Pública e comunicação po-lítica, teriam papeis complementares para o processo deliberativo que se instauraria nas sociedades democráticas.

A comunicação pública passou a representar as interações que por aí circulam, tendo sua ori-gem no interesse público, sua meta na melho-ra da vida em comum, e suas regmelho-ras processuais ancoradas no direito universal à expressão, no debate equilibrado, na deliberação cooperativa, e na tomada de decisão compartilhada. Essa co-municação pública na esfera pública conduziria, então, à comunicação política, a “palavra que empodera o cidadão” – a comunicação que efe-tiva a gestão da propriedade pública (MATOS e NOBRE, 2013 p. 17)

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Poder-se-ia dizer que a comunicação pública é ci-dadã e que a comunicação política é democrática.

A comunicação pública é cidadã porque visa a uma interação para um acordo de saber entre cidadãos:

um entendimento comum acerca de assuntos rele-vantes na esfera deliberativa pública. A comuni-cação política é democrática porque visa a uma interação para uma ação entre gestores da coisa pública: uma decisão e a aplicação dessa decisão na pólis. Assim, a comunicação pública seria compa-rativamente mais intensiva no uso de capital comunicacional; e a comunicação política seria relativamente mais intensiva no uso de capital so-cial. (MATOS E NOBRE, 2013, p. 22)

Aliás, a afinidade da Comunicação Pública com o conceito de esfera públi-ca habermasiana e com a democracia pode ser constatada em diversos autores.

A Comunicação Pública, enquanto processo de troca de informações entre go-verno e sociedade civil, só pode acontecer em um ambiente democrático.

Signates (2019, p. 58) destaca a centralidade da relação Estado-sociedade civil nos diversos debates sobre Comunicação Pública, “dentro de uma pers-pectiva que privilegia a condição democrática e a afirmação da cidadania”.

Em todos esses aspectos, o conceito de democra-cia adquire o rosto da comunicação livre e das relações pautadas pela transparência. A comuni-cação, em sua feição habermasiana, como ética das relações democráticas e livres, percorre as análises e adquire nova e insuspeita centralidade, seja para ser proposta como vetor de políticas pú-blicas, seja para inspirar as regras e interação en-tre instituições e grupos sociais. Nas sociedades

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contemporâneas fortemente midiatizadas, já não é possível nem razoável definir democracia sem que o conceito de comunicação, por sua natureza pública, funcione como categoria constitutiva da própria definição. (SIGNATES, 2019, p. 62).

Weber et al. (2019) mencionam a importância da mídia – e das redes sociais - , para visibilidade de temas de interesse público, oferecendo à so-ciedade uma leitura do mundo “a partir de um sistema específico de agen-damento e enquadramentos”. Assim, a mídia participaria do debate público ora como mediadora, ora como partícipe desse debate.

Nobre (2011) afasta a visão de comunicação pública como sinônimo de comunicação do governo, e elenca cinco setores geradores de comunica-ção pública: governo, iniciativa privada, organizações não governamentais, mídias e universidades. Segundo ele, “o caráter público de um agente pode muito bem conviver com a busca do lucro.” O que não impediria os meios de comunicação de realmente prestarem um serviço público ao promover debates, informar, analisar, criticar e fiscalizar.