• Nenhum resultado encontrado

3.1 Saberes e Crenças: Cura, Fé, Saúde e Doença

3.1.3 Concepções de Saúde e Doença

Quanto se trata de explicar a origem da doença, as narrativas expressam várias crenças em torno das etiologias ou as causas das doenças como referente ao mundo sobrenatural.

Referentes ao mundo sobrenatural, atribuídas a uma punição ou castigo por maus comportamentos, transgressões de normas e valores morais.

Diálogo com a fé

Expressão da fé Renovação da fé

Mundo Mítico dos romeiros

“Eu acho que fiquei doente por desobediência a Deus, pelo pecado da gula, comia muita gordura, muita extravagância e acho que foi isso que causou.” (Josefa, 69 anos, Escada, Pernambuco)

“Sou um pecador, cometi vários pecados, daí apareceram esses caroços em todo meu corpo. Mas, o Padim e Deus me perdoaram por merecimento, sou um merecedor”. (Agostinho, 53 anos, Souza Paraíba)

“Eu não sei o que fiz de errado, recebi este castigo, só Deus é quem sabe né, mas hoje minha mãe e meu padrinho Cícero me chamaram, deixei o esposo doente, deixei o trabalho, mas estou aqui junto aos meus irmãos.. Porque alcancei a cura das minhas pernas”. (Lucia Cabral,53 anos, localidade de São Benedito, Maceió, Alagoas)

“Adoeci por causa de um pecado que ninguém sabe. Mas ele colocou a mão sobre mim, porque fui merecedora, porque eu disse Senhor faça a tua vontade que eu fique boa se não, que eu permaneça... e através dele e deus..eu mereci, tive a gloria do senhor”.( )

Observa-se que nas narrativas acima ora os romeiros se colocam como alguém que mereceu castigo, ora se posicionam como alguém merecedor da graça recebida do Padim. Martim (2009) afirma que as pessoas possuem um mercado de respostas à aflição e que, no tocante à doença, ao sofrimento, existe uma diversidade de respostas, que podem variar de acordo com o contexto local, o grupo social ou a comunidade. Helmam (2006) descreve esses tipos de explicações como referentes às teorias leigas que correspondem ao conjunto complexo de heranças e cultura populares que atribuem sentidos às causas das doenças. O autor comenta que as teorias leigas referem-se também ao indivíduo como sujeito da sua própria doença, responsabilizando-se por isto.

Encontram-se, também, explicações do adoecer referente às condições de trabalho, ao modo de vida e ao próprio conceito de saúde.

“Eu trabalhava de pedreiro, mas estou parado, por causa da coluna, não posso ficar muito tempo em pé, não posso cavar a terra, fazer cimento mais, nem pegar nos tijolos... A coluna não deixa, eu não me sustento muito, fico roendo as pernas e sinto muita dor. Vou ter que operar...”. (Josias da Silva, 51 anos, Juruá, Alagoas)

“Sem a saúde a gente não consegue viver, a gente move montanhas. A gente continua a viver e trabalhar, a gente consegue tudo que a gente quer. A minha casa que não ta terminada, mas estou morando, o meu trabalho é com costura” (Maria Hosana, Condado, Pernambuco).

As falas recortadas acima remetem à concepção de que a saúde é determinada pelas condições sociais da população, como o trabalho, o acesso ao emprego, à moradia, à educação, ao saneamento e à preocupação com o meio ambiente

A expressão saúde-doença aponta para situações resultantes das formas possíveis de os homens levarem a vida, isto é, para os modos como os homens estabelecem relações com o meio e entre si enquanto indivíduos ou enquanto grupos.

O processo saúde-doença não se resume ao sofrimento da doença ou à alteração biológica e física, mas tem como motivo as experiências e elaborações culturais em torno do viver, adoecer e morrer em diversas formas manifestadas, como na organização dos serviços de saúde, no sistema de saúde, nas relações de poder, na relação profissional de saúde e paciente e, sobretudo, na percepção que o sujeito tem desse processo.

As narrativas dos romeiros também refletem o contexto em busca de solução de problemas de saúde que não encontram respostas nos serviços de saúde.

“Meu nome é Alexandra e minha filha Karine tem 09 anos e eu 30 anos. Eu estou aqui para pagar uma promessa dela porque ela nasceu com um problema de garganta e anos atrás vim e fiz a promessa. No que ela curasse eu traria para pagar vestidinha de preto. Tirar uma foto dela em frente à estátua e deixar aos pés dele. Eu preparei a minha filha para a cirurgia, o médico ia operar e tudo. Mas ficava sempre adiando, nunca tinha vaga. E continuava a passar remédio caro. Dai fiz a promessa e ela foi curada em nome do meu padrinho Cícero”.

“A cura é a fé que a gente tem, porque eu não tenho fé em doutor não, só tenho fé lá em Deus. Eu não sou muito chegada a médico não, porque quando a gente precisa, num tem não. Eu vou ao posto de saúde, lá de onde eu moro de mês em mês só para pegar remédio de pressão, porque eu sofro de pressão alta, mas tenho fé que vou vencer”. (Maria Francinete, 73 anos, Sertãozinho, Paraíba)

“Quando fui ter o meu derradeiro menino, eu tive o mesmo problema da minha mãe. Fiquei com medo porque minha mãe morreu na operação que abriu. O medico não fez direito, nem costurou a operação e se abriu. Ele a operou lá em Araripina, ela veio para cá, mas quando o outro medico foi fechar, não teve condições, porque ela demorou pra vi pra cá. Ela morreu na mesa da operação. A minha operação também demorou a fechar, daí fiz a promessa pra o Padim.fiquei vários dias em casa, de resguardo rezando para meu padim.”(Alaíde, Araripina, Pernambuco)

Para Chauí (1986), um primeiro aspecto da religiosidade popular é a relação intrínseca entre a crença e a graça, isto é, a fé que busca milagres. E quando isto se volta à saúde ou à cura, retrata a fragilidade do sistema de saúde, bem como a relação entre a população e os profissionais de saúde. Neste aspecto, a busca de cura representa uma resistência dos fiéis ou romeiros na medida em que constrói seus próprios sistemas de crenças, devoções e rituais que não encontra nos serviços de saúde.

Em muitos estudos, como o de Teixeira (2010), ressalta-se que a precariedade de recursos materiais e culturais exacerba a prática de promessas e a espera de milagres, especialmente nas comunidades que não têm acesso a políticas de saúde e de educação, contribuindo para uma hegemonia de atitudes sociais baseadas numa visão mágica.

Além de mecanismos de resistência e ausência e falta de acesso aos serviços de saúde, é fundamental perceber e resgatar os saberes, a história e as práticas dos devotos, bem como dos romeiros construídos ao longo de suas vidas, de suas experiências e trajetórias pessoais em busca da cura no processo de adoecer. No caso de Juazeiro, há, historicamente, toda uma complexidade de construção de práticas e saberes da Medicina popular e ritos de busca de cura que ainda hoje, são acionados no processo de adoecer, viver e morrer.

O que se percebe nas falas em geral é que saúde e doenças expressam o cotidiano, as crenças, o viver, o adoecer e o morrer das pessoas, a espiritualidade, as transgressões e as resistências. Minayo (2006) afirma que mediante a experiência do viver, adoecer e morrer, as pessoas falam de si, do que as rodeia e de suas condições de vida, do que as oprime, ameaça e amedronta. A autora também que assegura que as falas expressam às opiniões acerca das instituições, das organizações sociais, das religiões e das estruturas políticas e culturais. As representações em torno da saúde e doença tem explicações tanto de curandeiros, rezadores, profissionais de saúde em geral quanto do senso- comum, na experiência, vinculados ao temas existenciais, sendo inquestionáveis os seus significados atribuídos e construídos.