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Concep¸c˜oes sobre conceitos matem´aticos: o que as pesquisas

2.3 Concep¸c˜oes

2.3.2 Concep¸c˜oes sobre conceitos matem´aticos: o que as pesquisas

Algumas pesquisas tˆem se dedicado a investigar concep¸c˜oes e cren¸cas de professores e de alunos sobre a matem´atica, e.g. (THOMPSON, 1992) e (JANKVIST, 2009), e de professores sobre o ensino de matem´atica, e.g. (THOMPSON, 1984). No en- tanto, h´a poucos estudos investigando concep¸c˜oes de professores e de alunos sobre um determinado t´opico do curr´ıculo. Nosso principais exemplos s˜ao o trabalho de tese de Iiris Attorps (2006) sobre as concep¸c˜oes acerca do t´opico equa¸c˜oes e a pes- quisa de Ruhama Even (1993) sobre o conhecimento de conte´udo e o conhecimento pedag´ogico de conte´udo acerca do t´opico fun¸c˜oes.

Attorps (2006) investigou as concep¸c˜oes sobre equa¸c˜oes por parte de professores de matem´atica baseada na defini¸c˜ao proposta por Sfard (1991). Attorps conduziu um estudo preliminar com 30 estudantes em sua forma¸c˜ao inicial para o ensino de matem´atica. O estudo principal contou com 10 professores de matem´atica em campo e 75 estudantes em forma¸c˜ao inicial. Dentre os instrumentos para coleta de dados, a pesquisa contou com a aplica¸c˜ao de question´arios, grava¸c˜oes em v´ıdeo de aulas e entrevistas.

As concep¸c˜oes sobre equa¸c˜oes dos participantes da pesquisa foram descritas a partir de trˆes perspectivas: concep¸c˜oes sobre a aprendizagem de equa¸c˜oes32 consi- derando as experiˆencias pr´evias de aprendizagem na escola e na universidade, con-

cep¸c˜oes sobre o conte´udo de equa¸c˜oes33 e concep¸c˜oes pedag´ogicas sobre o conte´udo de equa¸c˜oes34 Attorps estabelece as perspectivas acima com base nas categorias para o conhecimento do professor introduzidas por Lee Shulman (1986), em particular, o conhecimento de conte´udo e o conhecimento pedag´ogico de conte´udo.

As concep¸c˜oes dos professores sobre o conte´udo de equa¸c˜oes remetem ao co- nhecimento matem´atico relativo a equa¸c˜oes. Elas foram investigadas por meio de quest˜oes como “Descreva o que ´e uma equa¸c˜ao” e por meio de uma extensa lista, com exemplos e contraexemplos de equa¸c˜oes, em que os professores participantes do estudo tinham que identificar quais eram equa¸c˜oes. Vemos que as quest˜oes s˜ao diretamente vinculadas com o conte´udo de equa¸c˜oes. Os resultados apontaram que a maioria dos professores tinham uma vis˜ao operacional de equa¸c˜oes, no sentido de (SFARD, 1991), isto ´e, demonstraram conceber a no¸c˜ao de equa¸c˜ao como um proce- dimento de c´alculo (processo), mais do que como uma estrutura alg´ebrica (objeto). Alguns professores consideraram express˜oes do tipo x2 − 5x − 10 como equa¸c˜oes, alegando que seria poss´ıvel encontrar um valor para x. Ao pedir aos professores que descrevessem o que ´e uma equa¸c˜ao, as seguintes categorias de concep¸c˜oes foram esta- belecidas: uma ilustra¸c˜ao concreta, uma ferramenta para encontrar a inc´ognita, uma igualdade entre duas quantidades e uma transi¸c˜ao para o pensamento alg´ebrico. Na primeira categoria, os professores expressaram suas concep¸c˜oes usando a met´afora da balan¸ca. As respostas agrupadas nas trˆes primeiras categorias sinalizam que a maioria possu´ıa uma vis˜ao operacional do conceito.

As concep¸c˜oes pedag´ogicas sobre o conte´udo de equa¸c˜oes remetem ao conheci- mento pedag´ogico de conte´udo. Elas foram investigadas por meio de quest˜oes abor- dando os objetivos do ensino de equa¸c˜oes, como os alunos s˜ao motivados a aprender equa¸c˜oes, os tipos de erros que os alunos cometem, dentre outras. As concep¸c˜oes identificadas nas respostas foram agrupadas nas seguintes categorias: equa¸c˜oes como uma ferramenta, equa¸c˜oes de acordo com os objetivos no curr´ıculo de matem´atica e equa¸c˜oes de um ponto de vista geral. As concep¸c˜oes na primeira categoria sugerem que os professores entendem a ´algebra como um estudo de procedimentos para re- solver certos tipos de problemas do dia a dia ou da pr´opria matem´atica. Por outro lado, as concep¸c˜oes na terceira categoria apontam para a transi¸c˜ao do pensamento

33No original: teachers’ subject matter conceptions about equations. 34No original: teachers pedagogical content conceptions about equations.

aritm´etico para o alg´ebrico (ATTORPS, 2006, p. 170).

Ruhama Even (1993) investigou concep¸c˜oes de futuros professores sobre o con- ceito de fun¸c˜ao. O objetivo do estudo foi investigar o conhecimento de conte´udo dos (futuros) professores de matem´atica e suas inter-rela¸c˜oes com o conhecimento pedag´ogico de conte´udo, no contexto do ensino de fun¸c˜oes. Mais especificamente, o estudo enfatiza duas caracter´ıstica da concep¸c˜ao moderna do conceito de fun¸c˜ao como “uma correspondˆencia univalente entre dois conjuntos”: a natureza arbitr´aria do conceito, tanto para a rela¸c˜ao considerada como tamb´em para os conjuntos en- volvidos e, a propriedade da univalˆencia, segundo a qual cada elemento do dom´ınio ´e associado a um ´unico elemento no contradom´ınio. O termo “concep¸c˜ao”n˜ao ´e definido por Even. Em alguns momentos, esse termo ´e usado em referˆencia `a no¸c˜ao de imagem conceitual de Tall e Vinner (1981).

Os instrumentos utilizados para gerar os dados foram question´arios e entrevistas organizadas com quest˜oes sobre fun¸c˜oes, cujas respostas requeriam maior elabora¸c˜ao e reflex˜ao em rela¸c˜ao ao question´ario. O estudo foi conduzido com 162 estudantes, de oito universidades dos Estados Unidos, que estavam finalizando um curso de forma¸c˜ao inicial de professores equivalente as nossas licenciaturas. A Figura 2.2 mostra a parte inicial do question´ario.

Os resultados do estudo de Even mostraram que a maioria dos estudantes n˜ao possu´ıa uma concep¸c˜ao moderna de fun¸c˜oes. As respostas `as quest˜oes 1 e 2 (Figura 2.2) sugerem concep¸c˜oes i) de que fun¸c˜oes s˜ao (ou sempre podem ser representadas por) equa¸c˜oes ou f´ormulas35; ii) gr´aficos de fun¸c˜oes devem sempre ser suaves36 e iii) fun¸c˜oes s˜ao “conhecidas”37. Essa ´ultima concep¸c˜ao foi marcada por respostas que indicavam tipos espec´ıficos de fun¸c˜oes, por exemplo: “existem infinitas par´abolas que satisfazem as condi¸c˜oes”38 (EVEN, 1993, p. 107, tradu¸c˜ao nossa), em resposta `a quest˜ao 2.

Tais concep¸c˜oes sugerem uma vis˜ao limitada do conceito de fun¸c˜ao no que diz respeito `a sua natureza arbitr´aria. Conceber fun¸c˜oes como equa¸c˜oes e que pos- suem como gr´aficos curvas suaves pode conduzir ao erro de aceitar como fun¸c˜oes

35No original: functions are (or can always be represented as) equations or formulas. 36No original: graphs of functions should be “nice”.

37No original: functions are “known.”

38No original: “There are infinite parabolas that would satisfy the conditions.”(EVEN, 1993,

circunferˆencias ou elipses, por exemplo. Even explica os resultados encontrados ar- gumentando que a ˆenfase, na maioria dos cursos de matem´atica, ´e sobre fun¸c˜oes cujas rela¸c˜oes podem ser representadas por uma express˜ao anal´ıtica e que tˆem por gr´afico curvas suaves. Assim, mesmo que sejam apresentados `a defini¸c˜ao “moderna” de fun¸c˜ao, o que fica ´e a experiˆencia maior com casos particulares. Essa situa¸c˜ao n˜ao ´e muito diferente nos cursos de licenciatura em matem´atica no Brasil.

1. a) Dˆe uma defini¸c˜ao para fun¸c˜ao. b) Um estudante diz que ele/ela n˜ao entendeu essa defini¸c˜ao. Dˆe uma vers˜ao alternativa que ajude o estudante a compreender.

2. Como fun¸c˜oes e equa¸c˜oes se relacionam?

3. ´E pedido a um estudante que forne¸ca um exemplo de um gr´afico de uma fun¸c˜ao que passe pelos dos pontos A e B (veja Fig. 1). O estudante d´a a seguinte resposta (veja Fig. 2)

(a) Figura 1 (b) Figura 2

Quando questionado se existe outra resposta, o estudante diz: “N˜ao”. - Se vocˆe acha que o estudante est´a correto - explique porque.

- Se vocˆe acha que o estudante est´a errado - quantas fun¸c˜oes que satis- fazem a condi¸c˜ao vocˆe pode encontrar? Explique.

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Tanto Attorps (2006) quanto Even (1993) detectaram concep¸c˜oes limitadas em algum aspecto, por parte dos estudantes, sobre os t´opicos equa¸c˜oes e fun¸c˜oes. Es- ses resultados mostram que os participantes das pesquisas possu´ıam uma compre- ens˜ao parcial ou inadequada sobre esses conceitos. Compreender equa¸c˜oes apenas como uma ferramenta para encontrar a inc´ognita pode sugerir que outros aspectos considerados importantes na aprendizagem desse conceito n˜ao foram devidamente compreendidos, por exemplo, os significados do sinal de igual, os diferentes usos das letras na ´algebra, o significado da solu¸c˜ao de uma equa¸c˜ao. A associa¸c˜ao de fun¸c˜oes com equa¸c˜oes sinaliza uma compreens˜ao inadequada do conceito de fun¸c˜ao. Desse modo, os resultados dessas pesquisas apontam para a importˆancia de promover si- tua¸c˜oes em que os estudantes possam desenvolver concep¸c˜oes mais adequadas sobre os conceitos matem´aticos, isto ´e, que aproximem sua compreens˜ao sobre um conceito do conhecimento objetivo.

Nossa proposta de ensino n˜ao foi planejada visando desenvolver concep¸c˜oes es- pec´ıficas sobre os conceitos de matrizes e determinantes. Como parte do nosso objetivo inicial, pretendemos promover reflex˜oes sobre metarregras relacionadas a matrizes e determinantes. Esperamos que esse processo de reflex˜ao possa levar os participantes a perceberem e reverem suas concep¸c˜oes sobre esses conceitos. A pro- posta de ensino foi desenvolvida a partir de dois epis´odios da hist´oria das matrizes (Se¸c˜ao 3.1), que mostram o momento em que as matrizes foram introduzidas, no contexto da solu¸c˜ao de um problema geom´etrico cuja principal ferramenta utilizada era determinante, isto ´e, determinantes eram usados sem matrizes. Al´em disso, os epis´odios trazem diferentes interpreta¸c˜oes da no¸c˜ao de matriz. A partir do conte´udo dos roteiros, elencamos trˆes temas para identificar concep¸c˜oes e investigar poss´ıveis influˆencias das reflex˜oes sobre as metarregras: concep¸c˜oes sobre o que ´e matriz, concep¸c˜oes sobre o que ´e determinante e concep¸c˜oes sobre a utilidade de calcular determinantes.