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CAPÍTULO II Os Principais Conceitos da Investigação

6. Conceptualização Sobre a Indisciplina Escolar

Também Fonseca (2003) refere um claro efeito entre as dificuldades de aprendizagem e o comportamento anti-social. Deste modo, uma política educativa de prevenção e diminuição do insucesso escolar dos alunos constitui, também uma forma de prevenção dos comportamentos de indisciplina e bullying, em contexto escolar.

6. Conceptualização Sobre a Indisciplina Escolar

Para se analisar o problema da indisciplina escolar considera-se necessário definir este conceito. Do ponto de vista histórico, segundo Garcia (2006:124) a expressão “indisciplina” só foi introduzida na literatura europeia, a partir do séc. XVIII, tendo anteriormente a designação de “disciplina”. A ideia de indisciplina, denota uma rutura no contrato social, subjacente às relações pedagógicas na escola, cujo eixo seria o processo de ensino aprendizagem e que se refletem em transgressões nos parâmetros e esquemas de regulação da escola.

Segundo (Amado & Estrela 2007: 336), a definição dos conceitos de indisciplina, violência e

delinquência nas escolas, não é simples porque envolve quadros de referência

multidisciplinares, sendo diferenciados em vários aspetos, nomeadamente no que respeita às suas causas e consequências. Neste âmbito consideram vários tipos de desvio, segundo a gravidade dos comportamentos adotados pelos jovens. Os atos de indisciplina, também considerados de infração às regras e alguns atos de violência que são praticados no interior das escolas não são considerados, a maior parte das vezes como infração à ordem legal. No entanto violam as regras e a ordem normativa das instituições escolares que têm como objetivo principal assegurar as condições de aprendizagem e a socialização dos alunos. Neste âmbito, as normas escolares têm uma natureza ético-social. No que respeita aos comportamentos mais graves, de delinquência juvenil considera-se que são do foro criminal, pelo que estão sujeitos ao quadro jurídico de um determinado país. No caso dos jovens menores de idade existe, em Portugal um quadro jurídico específico, sendo a partir dos dezasseis anos que os jovens respondem por atos de natureza criminal. Neste âmbito, estabelecem-se três níveis de indisciplina escolar, segundo a gravidade dos atos: os desvios às

virtude da perturbação que causam ao bom funcionamento da aula; os conflitos interpares que constitui um disfuncionamento nas relações formais e informais entre os alunos, no contexto da turma ou não e que podem manifestar alguma agressividade e violência (extorsão, violência física ou verbal, intimidação sexual, roubo e vandalismo) e atingindo, por vezes contornos e gravidade de atos delinquentes, portanto do foro legal; os conflitos da relação

professor-aluno dizem respeito aos comportamentos que de algum modo, põem em causa a

autoridade e o estatuto do professor (insultos, obscenidades, desobediência, contestação afrontosa, réplica desabrida, a chamada de atenção e castigos) abrangendo, também a manifestação de alguma agressividade e violência contra docentes (e outros funcionários) e o vandalismo contra os equipamentos escolares. Considera-se a indisciplina (desvio às regras

de produção) como comportamentos desviantes do primeiro nível, sem gravidade; o bullying

(conflitos interpares) como comportamentos de segundo e terceiro nível de gravidade, sendo comportamentos de violência; os desafios à autoridade do professor (conflitos da relação

professor-aluno) são comportamentos que manifestam, também uma gravidade de segundo e

terceiro nível, sendo considerados de violência (op.cit:338).

Salienta-se, ainda que a investigação por inquérito que se têm realizado em Portugal (Freire 1991, 2001; Espírito Santo 1994; Amado 1998; Cadeira 2000 cit in Amado & Estrela 2007: 341) tem demonstrado algum consenso entre os professores e os alunos de uma escola, quanto ao carácter desviante dos comportamentos que infringem as regras. No entanto, quando se considera a gravidade dos comportamentos existe uma diferença na conceção dos alunos e dos professores, tendo em conta a idade, ano de escolaridade e o estatuto do aluno disciplinado e indisciplinado. Outros estudos, também desenvolvidos em Portugal (Estrela 1986; Mendes 1995; Amado 1998; Freire 2001 cit in Amado & Estrela 2007:341), nomeadamente sobre a representação dos atores envolvidos no processo pedagógico através de entrevistas, observação participante e não-participante confirmam os resultados de investigações internacionais, de que a perturbação que decorre dos comportamentos de indisciplina, em muitas escolas se deve, maioritariamente à frequência ou recorrência, do que à sua gravidade intrínseca. Refere-se, ainda que são os grupos sociais que criam as normas de comportamento e, nesse sentido estabelecem, também os comportamentos que consideram desviantes, em função dos valores aceites pela comunidade. No que diz respeito ao julgamento e medidas sancionatórias a aplicar, será necessário ter em conta alguns aspetos, nomeadamente as condições em que ocorrem as situações de indisciplina.

Algumas das formas de perturbação das aulas e atividades escolares são de pouca gravidade e fraca previsibilidade denotando, também a conotação de falta de educação, pelo que se traduz por falta de civismo ou “incivilidade” (Garcia 2006). Neste âmbito, a indisciplina reflete desacordos, em relação a conotações e expectativas sociais, na esfera das relações entre os sujeitos, bem como no campo das relações destes, com o conhecimento. Como exemplos de atitudes desta natureza referem-se as grosserias, desordens e ofensas verbais. Embora as duas análises mencionadas tenham pontos em comum, a conceptualização sobre os “atos de indisciplina” (Amado & Estrela 2007) e de “incivilidade” (Garcia 2006) é diferenciada. Na primeira perspetiva incluem-se nos comportamentos de indisciplina atos com gravidade, nomeadamente de violência; na segunda referem-se, apenas os comportamentos não violentos. No entanto, esta distinção apresenta alguma complexidade, na medida em que o conceito de “incivilidade” pode ser, também considerado como um comportamento de violência, nomeadamente quando são ofensas verbais (Heyden & Blaya 2002). Deste modo, o conceito de “incivilidade” é mais um exemplo do uso de diferentes terminologias e interpretações, no que respeita aos comportamentos dos alunos que desafiam as regras escolares, designadamente de faltas de respeito que ameaçam a ordem social e o funcionamento normal das atividades escolares.

No que respeita à prevenção dos comportamentos disruptivos dos alunos, em contexto escolar vários países, nomeadamente europeus (Portugal, França, Espanha, Inglaterra) têm implementado uma área de educação para a cidadania nas escolas (Lorrain, 1999; Crick 2006; González-Pérez & Bozo 2007). Alguns dos argumentos a favor da existência de uma área não curricular de Formação Cívica dos jovens nas escolas são: a necessidade de consciencialização dos jovens para o exercício dos seus direitos humanos e sociais; uma complementaridade da socialização escolar, como forma de colmatar uma deficiente socialização familiar; uma educação dos valores, princípios, hábitos, atitudes que fazem parte de uma formação humana e convivência social. De acordo com Crick (2006: 116), a principal razão desta iniciativa é proporcionar aos jovens a aprendizagem sobre a cidadania ativa. Em Espanha, segundo González-Pérez & Bozo (2007) considera-se que o ensino dos valores e da cidadania nas escolas são matérias essenciais na prevenção da violência escolar.

Em França (Lorrain 1999) considera que existe uma diluição dos valores na educação das crianças e dos jovens, nomeadamente a aquisição de princípios elementares como atitudes de

higiene e de polidez referindo-se que todos os cidadãos defendem a educação cívica nas escolas. Neste âmbito, em termos de identidade cultural, os cidadãos devem reconhecer um conjunto de valores comuns, sem os quais, o processo de exclusão e de rejeição recíproca, não deixa de existir contribuindo para o desenvolvimento da violência escolar.

Em Portugal (Menezes 1995:28) refere que uma parte importante da reflexão do sistema educativo sobre este tema surgiu depois da divulgação dos resultados de um inquérito europeu

European Values System Study Group (1990). Neste âmbito, alguns dos resultados

evidenciaram uma perceção dos portugueses em relação às outras pessoas de pouca confiança nas relações sociais, tendo mesmo atitudes de desconfiança, em comparação com os outros países europeus (para 76%, “uma pessoa nunca pode ser demasiado cuidadosa”, em comparação com 60% nos países europeus). Um outro aspeto assinalado diz respeito aos portugueses serem mais intolerantes para com os vizinhos, sobretudo em função de algumas características, nomeadamente étnicas e religiosas e em relação a comportamentos desviantes. Deste modo, o estudo concluiu que a representação social, segundo a qual os portugueses são tolerantes era posta em causa, pois apenas 12% dos portugueses não mostraram qualquer rejeição, relativamente às características étnicas e culturais dos seus vizinhos. Neste âmbito, em 1991, o Ministério da Educação criou o Secretário Coordenador do Programa de Educação Multicultural, cuja função era coordenar e promover no sistema de ensino “programas e acções para a educação de valores, nomeadamente a tolerância, o diálogo e a solidariedade, entre diferentes grupos étnicos e culturais” (M. E. 1993: 5 cit in Menezes 1995:29). Os programas de Desenvolvimento Pessoal e Social e de Educação Cívica criados (I.I.E. 1991/1992) têm um conjunto de recomendações e ações neste domínio, para que possam corresponder aos desafios de uma educação escolar humanista, de convivência entre as pessoas, respeito, tolerância e solidariedade.

Neste âmbito, embora as políticas educativas, ao longo dos últimos vinte e quatro anos tenham apresentado algumas vicissitudes na implementação destes programas nas escolas do ensino básico, nomeadamente devido a divergências políticas, Portugal seguiu o exemplo de outros países. Uma versão mais recente, deste tipo de programas consiste na existência de uma área não curricular de Formação Cívica, de carácter obrigatório nas escolas do ensino básico (Decreto Lei nº 6/2001 de 28 de Setembro). No entanto, em 2011, no âmbito de

algumas reformas educativas promovidas na legislatura (2011-2015), esta área deixou de ter um carácter obrigatório nas escolas (Decreto-Lei n.º 94/2011, de 3 de Agosto).

Sintetizando, o uso de diferentes terminologias e aceções acerca dos vários tipos de comportamentos que violam as regras escolares nomeadamente “incivilidade”, “comportamentos anti-sociais”, “comportamentos disruptivos” denota, algumas diferenças. Podem-se considerar vários fatores que estão na base destas divergências, nomeadamente o contexto cultural onde se desenvolvem os estudos, diferenças linguísticas, diversidade de perceções sobre os fenómenos, estudos empíricos com diferentes variáveis e metodologias, entre outros. Deste modo, não existe um consenso sobre o conceito de indisciplina. Neste sentido, as investigações empíricas, nomeadamente através de inquérito por questionário aos alunos e de entrevistas aos professores, podem ajudar a clarificar os conceitos.

A problemática da indisciplina em contexto escolar pode ser considerada como um problema social de comportamento desviante que é necessário prevenir e resolver, de forma a melhorar a qualidade de vida dos jovens, das famílias, da comunidade escolar e da sociedade em geral. Sendo a escola um dos principais agentes de socialização e educação das crianças e dos jovens, o estudo procurará compreender a socialização escolar no que respeita à disciplina e de que forma as estratégias pedagógicas dos professores poderão fomentar a participação e o envolvimento de todos os intervenientes, em ações que visem o desenvolvimento de uma sociabilidade positiva.