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CONCESSÃO REGIONALIZADA DOS SERVIÇOS DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA, COLETA, TRATAMENTO E DESTINAÇÃO FINAL DE ESGOTOS ÁGUA, COLETA, TRATAMENTO E DESTINAÇÃO FINAL DE ESGOTOS

No documento Processo TCE-RJ Nº /22 (páginas 44-51)

Em 2021 foi realizada licitação para concessão regionalizada dos serviços de abastecimento de água, coleta, tratamento e destinação final de esgotos, até então a cargo da Companhia Estadual de Águas e esgotos – Cedae, objeto da Concorrência Pública Internacional nº 01/2020.

No que toca ao contexto normativo subjacente à concessão, a Constituição da República apresenta como competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios a promoção de melhoria das condições de saneamento básico (art. 23, IX), inclusive por meio do Sistema Único de Saúde (art. 200, IV), cabendo à União a instituição das diretrizes nacionais para as políticas públicas quanto ao tema.

De acordo com o art. 30, V, da CRFB/88 cabe ainda aos Municípios organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão, os serviços públicos de interesse local, os quais, conforme já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI nº 1842/RJ, compreendem os serviços de saneamento básico, motivo pelos qual são os entes municipais ordinariamente os titulares dos serviços. No caso das regiões metropolitanas, o STF, na mesma ADI, reconheceu a titularidade interfederativa dessas regiões para efeitos de prestação regionalizada dos serviços de saneamento básico.

Embora a Constituição Federal de 1988 tenha previsto competências no que diz respeito ao saneamento, a Lei nº 11.445/07 (Lei Nacional de Saneamento Básico - LNSB) inaugurou marco legal e trouxe nova moldura institucional ao estabelecer diretrizes nacionais para o saneamento básico no país, vindo a ser posteriormente alterada pela Lei nº 14.026/20 (Novo Marco Legal do Saneamento).

De acordo com a Lei nº 11.445/07, com a redação dada pela Lei nº 14.026/20, considera-se saneamento básico o conjunto de considera-serviços públicos, infraestruturas e instalações operacionais de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo das águas pluviais urbanas, com relevância para a necessidade de

45 elaboração de um Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB), de planos regionais de saneamento básico (elaborados e executados em articulação com os Estados, Distrito Federal e Municípios envolvidos para as regiões integradas de desenvolvimento econômico ou nas que haja a participação de órgão ou entidade federal na prestação de serviço público de saneamento básico) e de planos de saneamento básico como condições de validade dos contratos que tenham por objeto a prestação desses serviços públicos.

No que toca a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, a Lei Complementar Estadual nº 184/18 trouxe paradigmas quanto à organização, ao planejamento e à execução de funções e serviços públicos de interesse metropolitano ou comum, em conformidade com a competência prevista no art. 25, §3º, da CRFB/88.

Dado o interesse comum, observa-se que se trata de titularidade partilhada entre os entes que integram a Região Metropolitana e não unicamente do Estado que a instituiu (Estado do Rio de Janeiro), em conformidade com a Lei 11.445/07, com as alterações da Lei 14.026/20, sendo certo que a decisão acerca da forma de prestação desse serviço competiu ao agrupamento dos entes reunidos no Conselho Deliberativo da Região Metropolitana.

No que diz respeito aos demais municípios (não integrantes da região metropolitana), resta reconhecida a titularidade do serviço da competência municipal, podendo, contudo, haver a gestão associada, nos termos do Marco Legal do Saneamento.

Com fulcro nesse panorama normativo foi inaugurada licitação com vistas à concessão de serviços de abastecimento de água, coleta, tratamento e destinação final de esgotos, procedimento que atrai a atuação dos órgãos fiscalizatórios. Lastreado em permissivo do Conselho Deliberativo da Região Metropolitana, o Estado do Rio de Janeiro atuou na concorrência como mandatário dos entes municipais metropolitanos. Já quanto aos demais entes municipais não metropolitanos que participam da licitação, o mandato conferido ao Estado se deu por meio de contrato de gerenciamento e convênio de cooperação, em conformidade com o que dispõe o art. 24 da CRFB/88 e a Lei nº 11.445/07, com a redação dada pela Lei nº 14.026/20.

A fiscalização da política pública de saneamento é matéria complexa, com instâncias de controle diversas, e exigiu – e ainda exige- desta Corte de Contas o detido acompanhamento da concessão. Tendo-se como premissa básica o papel e importância do Controle Externo para o pleno atendimento ao princípio da legalidade em todas as suas formas, há de se garantir tanto a

46 autonomia do Poder Executivo na formulação e implementação de políticas públicas quanto os direitos de todos os cidadãos de receberem serviço adequado.

Dado o expressivo montante envolvido, a complexidade da matéria e a relevância para o Estado do Rio de Janeiro, o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro inaugurou auditoria governamental extraordinária com o escopo de acompanhar três fases do procedimento, notadamente o edital e a minuta do contato23; o julgamento do certame24; e a contratação25, além de se debruçar sobre outros expedientes fiscalizatórios decorrentes de representações26.

A atuação do Tribunal de Contas buscou a construção de uma relação dialógica, onde as partes, órgãos de controle ou interessados diretamente no procedimento destinado à concessão (Estado do Rio de Janeiro, CEDAE, Municípios que integrarão a gestão regionalizada, BNDES, investidores etc.) pudessem atuar de maneira cooperativa, seja apresentando os esclarecimentos necessários, seja atendendo às modificações que se mostrassem imprescindíveis ao aperfeiçoamento da modelagem proposta, visando sempre ao fim último, que é atender a sociedade. O enfoque foi prestigiar os valores da segurança jurídica, do contraditório e da deferência para com a atuação da Administração Pública tecnicamente justificada e planejada.

A concessão foi dividida em quatro blocos, sendo certo que três deles foram arrematados em 30.04.2021 e o bloco remanescente foi licitado em 29.12.2021. Os valores envolvidos, em especial dos blocos 1,2 e 4, são assim descritos27:

Tabela 3 - Valores da concessão

23 Processo TCE-RJ 100.765-3/21.

24 Processo TCE-RJ 105.540-6/21.

25 Processo TCE-RJ 104.362-5/21.

26 A exemplo dos processos TCE-RJ 100.305-9/21 e 100.167-5/21.

27 Conforme informação apresentada pela Coordenadoria de Auditoria em Desestatização no âmbito do Processo TCE-RJ 104.362-5/21.

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Fonte: Processo TCE-RJ 104.362-5/21.

No que tange a contabilização dos recursos recebidos pelo Estado decorrentes da concessão em comento, há que se perquirir se o montante obtido deve ser considerado como receita corrente líquida para efeitos de balizar os indicadores lastreados nesse referencial, a exemplo do limite com despesas com pessoal.

A contabilização das concessões comuns não foram objeto de tratamento no âmbito da 9ª Edição do Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público – MCASP, conforme se extrai do seguinte excerto do manual: “Não será objeto deste capítulo a contabilização das concessões comuns, a qual será contemplada nas próximas edições do MCASP”. Nesse cenário, reputa-se pertinente discorrer sobre o tratamento que deve ser dispensado nas contas em exame acerca das receitas advindas da concessão dos serviços tratada no presente tópico.

A receita corrente líquida - RCL trata-se de importante paradigma financeiro calculado a partir da receita corrente total do ente federado, com a aplicação das seguintes deduções: a) na União, os valores transferidos aos Estados e Municípios por determinação constitucional ou legal e as contribuições mencionadas na alínea “a” do inciso I e no inciso II do art. 195 (contribuição social patronal, do trabalhador e dos demais segurados da previdência social) e no art. 239 (PIS/PASEP) da Constituição da República; b) nos Estados, as parcelas entregues aos Municípios por determinação constitucional; c) na União, nos Estados e nos Municípios, a contribuição dos servidores para o custeio do seu sistema de previdência e assistência social e as receitas provenientes da compensação financeira citada no § 9º do art. 201 da Constituição Federal28.

A receita corrente líquida compõe-se do somatório das receitas tributárias, de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes e de outras receitas também correntes, após efetuadas as subtrações acima referidas.

A Lei de Responsabilidade Fiscal enuncia em seu art. 2º, §1º, que serão computados no cálculo da RCL os valores pagos e recebidos em decorrência da Lei Complementar nº87/96 e do fundo previsto pelo art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT. Estabelece o §3º do mesmo dispositivo que a RCL será apurada somando-se as receitas arrecadadas no mês em referência e nos onze anteriores, excluídas as duplicidades, assim entendidas as receitas intraorçamentárias.

28 Conforme dispõe o art. 2º, IV, da Lei Complementar Federal nº 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal).

48 Conforme amplamente abordado pela Procuradoria-Geral do Tribunal de Contas no âmbito do processo TCE-RJ 302.962-3/21, cuja conclusão foi também apresentada no processo TCE-RJ 100.256-4/22, as receitas temporárias podem ser correntes (a exemplo de imposto instituído em caso de guerra) ou de capital (sendo certo que recursos decorrentes de privatizações de empresas estatais costumam assumir essa rubrica).

Dentre as formas de retirada do Estado das atividades econômicas - a denominada desestatização -, encontram-se a alienação do controle societário de empresas estatais, a transferência para a iniciativa privada da execução de serviços públicos explorados pelo poder público ou sob sua responsabilidade, diretamente ou por meio de entidades controladas, e a transferência ou outorga de direitos sobre bens públicos móveis e imóveis.

No caso de receitas advindas de transferência, para a iniciativa privada, de execução de serviços públicos até então explorados direta ou indiretamente pelo Estado há que se reconhecer a existência da figura da concessão, que é distinta da venda definitiva de estatais. Isso porque naquela modalidade a titularidade dos serviços permanece com o poder público, não há alheamento total do controle sobre a atividade que é transferida à iniciativa privada, tampouco sobre os ativos concedidos.

Nas concessões feitas mediante remuneração pela transferência da atividade, o Estado não se demite da titularidade do serviço e dos bens a ele afetos. Verifica-se, nesses casos, um efeito positivo, com um real aumento no patrimônio líquido estatal. Tal qual se observa, em geral, nas demais receitas correntes, como a tributária e a patrimonial - esta última em grande medida assemelhada às hipóteses de concessão ora abordadas -, os recursos que ingressam no orçamento em virtude de transferência da exploração de serviços públicos promovem um efetivo acréscimo no patrimônio da unidade federativa que os recebe. Não há que se falar em incremento de déficit provocado pela diminuição de ativo sem a correspondente redução de passivo.

Outrossim, não há qualquer item na enumeração das receitas de capital feita pela lei 4.320/1964 que induza compulsoriamente ao enquadramento das quantias recebidas pela concessão de serviços públicos dentre aquela categoria de receita.

Por tais razões, os recursos orçamentários que derivam das concessões são inteiramente passíveis de serem classificados como receitas correntes. Deve-se ponderar, no entanto, que a

49 possibilidade de subsunção do numerário pago ao poder público pela outorga da concessão na categoria das receitas correntes pode ceder diante de determinações legais que reservem destinação específica àquela receita.

Nesse sentido e considerando que houve a concessão de serviços públicos até então a cargo da Companhia Estadual de Águas e esgotos – Cedae – hipótese que não se confunde com a privatização da companhia – e que não há imposição legal em sentido diverso, há de se considerar que as receitas obtidas, que importam em inegável acréscimo patrimonial, ostentam a natureza jurídica de receita corrente.

No tocante ao momento dos registros contábeis oriundos da concessão, notadamente se as receitas obtidas devem ser computadas para efeitos fiscais quando de seu ingresso em caixa ou diluídas ao longo do período da concessão, há de se destacar que atualmente não há imposição normativa no Brasil para que se aplique o regime da competência sob o aspecto fiscal.

A abordagem no sentido de aproximar os lançamentos relacionados aos aspectos fiscais e contábeis, sob o regime de competência, embora preconizada pelo Manual de Estatísticas e Finanças Públicas do FMI e defendida pela NBC TSP Estrutura Conceitual, carece de convergência no cenário brasileiro. Sobre o tema cabe transcrever trechos do Manual de Estatísticas Fiscais29:

O MEFP 201430 utiliza o regime de competência para determinar em que momentos se registram os fluxos. Com este método, os fluxos se registram quando se cria, transforma, troca, transfere ou extingue o valor econômico.

Resumindo, os efeitos dos eventos econômicos se registram no período em que ocorrem, independentemente de ter-se efetuado ou estar pendente a cobrança ou o pagamento efetivo. A utilização desse critério procura adequar plenamente o momento do registro com o modo pelo qual se definem as atividades econômicas e outros fluxos. Assim se capta automaticamente qualquer acumulação de atrasos na forma de obrigações vencidas, mas ainda não pagas.

O MEFP 2014 inclui o Demonstrativo de Fontes e Usos de Caixa no qual as estatísticas de fluxos devem ser apuradas no regime de caixa. Este demonstrativo tem como objetivo medir o impacto das operações de governo sobre a demanda agregada.

No caso brasileiro, as estatísticas fiscais apuradas até o exercício de 2014 são elaboradas observando-se o critério de caixa para as receitas e o de competência para as despesas públicas, configurando-se em um regime de

29 Disponível em https://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f?p=2501:9::::9:P9_ID_PUBLICACAO:28680. Acesso em 07.03.2022.

30 Government Finance Statistics Manual - 2014 (GFSM 2014) ou Manual de Estatísticas de Finanças Públicas de 2014 (MEFP 2014).

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‘competência modificada’. A razão para a utilização desse critério é a inexistência de receita apurada pelo regime de competência na contabilidade governamental para o período citado.

A adoção do registro conforme a competência propiciaria que a receita obtida fosse apropriada durante o período da concessão, com diluição do montante ao longo dos anos e consequente manutenção de baixa volatilidade na variação da receita no período. Com isso, seriam expurgados incrementos exponenciais e pontuais da receita capazes de repercutir em variações de índices não sustentáveis em períodos subsequentes.

Todavia, diante da inexistência de impeditivo normativo para que essa receita corrente temporária seja incluída no montante da receita corrente líquida segundo o fluxo de caixa, impende reconhecer que as quantias obtidas se prestam à apuração do cumprimento das despesas com pessoal, conforme determina os art. 19 e 20 da Lei de Responsabilidade Fiscal, matéria que será abordada em tópico específico da presente prestação de contas.

Cabe pontuar que, conforme consta no Relatório Resumido de Execução Orçamentária do 6º bimestre de 2021 (processo TCE-RJ 100.303-3/22), os recursos provenientes da concessão de serviço público de abastecimento de água e esgotamento sanitário da CEDAE, que ingressaram até o mês de dezembro de 2021, geraram um impacto de R$ 9.717.101.729,90 (nove bilhões, setecentos e dezessete milhões, cento e um mil, setecentos e vinte e nove reais e noventa centavos) na receita corrente líquida, deduzidas as transferências aos municípios e ao Fundo de Desenvolvimento Metropolitano do RJ. Observa-se, portanto, que esse ingresso relevante culminou em substancial alteração dos indicadores da Lei de Responsabilidade Fiscal que possuem limites percentuais atrelados à receita corrente líquida, o que pode não vir a se repetir em exercícios futuros.

Nesse contexto, se faz pertinente que o Estado atente para o fato de que, considerando a temporariedade e a excepcionalidade dessa receita, é necessário garantir a sustentabilidade das despesas com pessoal ao longo do tempo. Trata-se de preocupação já exposta pela STN por meio da Nota Técnica SEI nº 30805/2021/ME31:

Recomenda-se que os entes tenham controle do impacto da variação da RCL na redução do percentual excedente em cada exercício, principalmente em relação às receitas temporárias, de forma a evitar que a redução verificada em um

31 Disponível em https://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f?p=2501:9::::9:P9_ID_PUBLICACAO_ANEXO:13589. Acesso em 07.03.2022.

51 exercício seja decorrente somente do aumento da RCL e não se sustente nos exercícios seguintes.

Desse modo, conforme será abordado no tópico relativo às despesas com pessoal, se faz pertinente que esta Corte expeça recomendação para que o Governo do Estado do Rio de Janeiro mantenha o controle do impacto da variação da receita corrente líquida, com especial atenção às receitas temporárias, a fim de evitar a extrapolação dos limites legais – ou a não recondução a esses limites - nos exercícios seguintes e o comprometimento da capacidade estatal de prestação de serviços públicos e de realização de investimentos.

No documento Processo TCE-RJ Nº /22 (páginas 44-51)