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Segundo a Lei Modelo sobre conciliação comercial internacional345 aprovada pela

CNUDCI/UNCITRAL a conciliação corresponde a um “processo, em que as partes solicitam a um terceiro que as ajude nos seus esforços para chegarem a uma solução amigável do litígio decorrente de uma relação jurídica, contratual ou de diversa natureza, ou ligado a uma tal relação. O conciliador não tem poder para impor às partes a solução de um litígio.”

Mariana França Gouveia define conciliação como “as diligencias promovidas e conduzidas pelo juiz ou árbitro para tentar resolver o litígio por acordo das partes”346.

Na conciliação, procura-se de uma forma mais direta347 que as partes cheguem a um acordo,

que se for obtido é homologado pelo árbitro em sentença348.

É discutível saber se há diferenças entre a conciliação e a mediação. Há quem entenda que as

duas noções se referem a uma mesma realidade349, mas de um modo geral o entendimento é o de que

existem diferenças350,351.

343 Acedido em http://www.conselhodosjulgadosdepaz.com.pt/ficheiros/Pareceres/AlargamentodaRededeJulgadosdePazemPortugalISCTE.pdf, p. 10, nota 23.

344 Verifica-se que nas pequenas comunidades (com menos de 7.000 habitantes), o Juiz de Paz exerce um cargo meramente honorífico, não desenvolvendo praticamente atividade, não dispondo tão pouco de um espaço físico para o exercício das suas funções, ao passo que em zonas mais populosas o seu papel de auxiliar judicial é significativo.

345 A assembleia geral da ONU recomendou a introdução desta Lei modelo no direito interno dos seus Estados membros a 19 de novembro de 2002. 346 GOUVEIA, Mariana, Curso de Resolução Alternativa de Litígios, 2.ª Edição, Almedina, 2012, p. 91.

347 Na conciliação, o conciliador avança com propostas de acordo, ao contrário da mediação, em que as propostas são criadas pelas partes.

348 Refere a propósito o n.º 2 do art. 13.º do Regulamento do CIAB-Tribunal Arbitral de Consumo que “Só poderá ser iniciada a resolução do litígio por via arbitral se, previamente tiver sido envidada a solução do mesmo através de tentativa de conciliação a realizar pelo diretor-executivo do Centro ou pelo jurista assistente designado para o efeito.”

Assim, como primeira diferença temos a apontar o papel ativo e interventivo do conciliador face ao papel passivo do mediador352. Claro está que mesmo que o conciliador sugira determinado acordo,

as partes não são obrigadas a aceitá-lo. Contudo há autores que têm um entendimento contrário, ou seja, entendem que é o mediador e não o conciliador quem deve ter uma intervenção mais ativa, apresentando e discutindo propostas de acordo com as partes ao invés de ser um mero facilitador no diálogo entre as partes353.

Na conciliação não há confidencialidade, nem se aplica um dos princípios fundamentais para a mediação – o princípio do pleno domínio do processo pelas partes, já que o conciliador pode “pôr na mesa” verdadeiras propostas de acordo354.

A conciliação, a nível técnico, requer um conciliador com conhecimentos sobre a questão discutida355, imparcial, bom ouvinte de ambas as partes e que domine a investigação pois só assim

consegue cumprir o seu papel, o de mostrar ás partes as vantagens da obtenção de um acordo que, mesmo não sendo o melhor possível ou totalmente satisfatório, será sempre preferível à via judicial e ás repercussões futuras que tal pode acarretar em que ambas perderão tempo e dinheiro.

Na conciliação, o conflito é tratado de forma superficial e não aprofundadamente como acontece na mediação, até porque o objetivo é obter um acordo parcial e não totalmente satisfatório. O que importa é acabar com o pleito e para isso pretende-se que as partes façam concessões recíprocas até se alcançar um ponto de equilíbrio que torne apta a realização de um acordo. E aqui surge outro aspeto distintivo da conciliação face á mediação, já que na conciliação o acordo é obtido por

349Vide VICENTE, Dário, Arbitragem e outros meios de resolução extrajudicial de litígios no Direito Moçambicano, em texto que serviu de base à palestra proferida na Beira, em 6 de novembro de 2006, a convite da Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane, disponível em http://www.fd.ulisboa.pt/wp-content/uploads/2014/12/Vicente-Dario-ARBITRAGEM-EOUTROS-MEIOS-DE-RESOLUCAO-EXTRAJUDICIAL-DE-LITIGIOS-NO- DIREITO-MOCAMBICANO.pdf, p. 2.

350 Vide BANDEIRA, Susana, A mediação como meio privilegiado de resolução de litígios, Lisboa, AAFD Lisboa, 2002, pp. 107 e 108; VARGAS, Lúcia, Julgados de Paz e Mediação - Uma nova face da Justiça, Coimbra, Almedina, 2006, pp. 53 e 54.

351 CRUZ, Rossana Martingo, Mediação Familiar – Limites Materiais dos Acordos e o seu controlo pelas autoridades, Coimbra Editora, 1.ª Edição, 2011, p. 28.

352 PEREIRA, Marcos, A mediação nos Julgados de Paz no contexto da crise da justiça, Lisboa, Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, 2002, p. 14.

353 Vide FRADE, Catarina, A resolução alternativa de litígios e o acesso à justiça: a mediação do sobreendividamento, 2003, Coimbra, Revista Crítica de Ciências Sociais, n.º 65, 2003, pp. 107-128; Vide o Observatório do Endividamento dos Consumidores disponível em http://www.oec.fe.uc.pt/biblioteca/pdf_estudos_realizados/resolucao_alternativa.pdf, p. 8. Esta perspetiva vai, no entanto, contra o disposto na Rede Judicial Europeia disponível em http://ec.europa.eu/civiljustice/adr/adr_por_pt.htm#I.1. E no disposto no Portal da Justiça do Ministério da Justiça disponível em http://www.mj.gov.pt/sections/justica-e-tribunais/resolucao-alternativa.pdf.

354 GOUVEIA, Mariana, Curso de Resolução Alternativa de Litígios, 1.ª Edição, Almedina, 2011, pp. 86 - 92.

355“The conciliator should be an expert with skills that allow him to lower tensions between parties…” - CARNEIRO, Davide, NOVAIS, Paulo, NEVES, José, Conflict Resolution and its Context, From the Analysis of Behavioural Patterns to Efficient Decision-Making, Springer, 2014, p. 28.

sucessivas concessões das partes, ao contrário da mediação em que o acordo nasce por cooperação entre o mediador e os mediados356.

A conciliação, ao contrário da mediação, é utilizada quando as partes em litígio não têm qualquer tipo de relacionamento uma com a outra – o objeto da disputa é exclusivamente material – ou quando têm, são simples e meramente circunstancias sem qualquer intenção de se perpetuarem ou aprofundarem no futuro como é o caso dos conflitos derivados de acidentes de viação, compra e venda de objetos, agressões entre desconhecidos, etc357.

É esta também a posição de Juan Carlos Vezzula que considera que a mediação deve ser utilizada quando existe um grande relacionamento entre as partes que é importante preservar, como é o caso dos laborais ou familiares. Já a conciliação requer um investimento de tempo e esforço menos elevado, podendo ser utilizado para os diferendos que envolvam questões comerciais simples ou em conflitos de consumo358.

Para além disso, enquanto na mediação o que se visa é o restabelecimento da comunicação entre as partes, na conciliação o objetivo direto e principal é o acordo. Daí que esta ultima seja mais célere até porque, na maioria dos casos, só é necessário um encontro entre as partes e o conciliador.

Na conciliação não se estabelece uma relação autónoma com o conciliador, ao contrário da mediação onde a relação é considerada tripartida. O conciliador é um terceiro exterior que apenas intervém no sentido de a relação entre as partes funcionar.

Quanto à conciliação judicial há muito que é utilizada, inclusive há quem entenda que só pode chamar-se conciliação à jurisdicional359. Na conciliação judicial contrariamente à mediação – que surge

por vontade das partes – é o próprio juiz da causa – juiz do tribunal judicial ou juiz do Julgado de Paz – que procura o acordo entre as partes360,361.

356“…while in mediation the mediator tries to find ways to maximize the mutual gain by bringing as much interests to the table as possible, in conciliation the mediator will try to seek for concessions.” - CARNEIRO, Davide, NOVAIS, Paulo, NEVES, José, Conflict Resolution and its Context, From the Analysis of Behavioural Patterns to Efficient Decision-Making, Springer, 2014, p. 28.

357 Muitas vezes a conciliação é o modo de solucionar o litígio que precede a arbitragem, nos Centros institucionalizados de Arbitragem e Consumo. A este propósito vide AFONSO, Isabel, Meios alternativos de resolução de Litígios de consumo, in Actas do colóquio: Mediação uma forma de resolução alternativa de conflitos, Porto, edições Universidade Fernando Pessoa, 2004, p. 91 e ss.; OLIVEIRA, Isabel, Resolução de litígios emergentes de acidentes de viação, in Actas do colóquio: Mediação uma forma de resolução alternativa de conflitos, Porto, edições Universidade Fernando Pessoa, 2004, p. 103 e ss. 358http://www.ciab.pt/pt/fases-do-processo-de-reclamacao.

359 CAMPOS, Joana, A Conciliação Judicial, 2009, p. 14.

360 Vide os arts. 509.º e 652.º, ambos do Código de Processo Civil, e o art. 26.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho.

361 A este pode-se fazer referência ao projeto de Código de Processo Civil suíço (2005) que distinguia a conciliação da mediação, conforme a entidade que tomasse a iniciativa de negociação das partes.

A conciliação judicial é alvo de algumas críticas. Desde logo o interesse subjacente do juiz ou do árbitro no sucesso de dada conciliação, já que o mesmo implica a libertação de mais um processo. Este interesse pode ainda provocar alguma pressão nas partes na obtenção de acordo362.

A falta de regulamentação das diligências de conciliação também pode ser apontada como uma crítica já que leva á injustiça processual, como por exemplo a desigualdade entre as partes ou a violação do contraditório.

Por estes motivos defende-se que o juiz que preside a conciliação deve ser diferente daquele que julga, para que as partes possam ter verdadeiro poder de escolha na aceitação ou não de dado acordo.

Mas a par destas críticas existem vantagens que não podem passar em branco apesar de algumas discórdias. Há autores que defendem – em contrapartida com outros363 – que a forma mais

eficaz de obter acordo entre as partes é a conciliação conduzida pelo juiz de julgamento364.

No nosso ordenamento jurídico, o termo conciliação surge normalmente para se referirem as tentativas de obtenção de acordos feitas por terceiros independentes em alguns centros de arbitragem institucionalizada, designadamente na área do consumo365.

Para outros ainda, a conciliação consiste na intervenção do juiz ou árbitro, previamente ao julgamento da questão, visando obter um acordo das partes, nos termos do previsto no art.º 594.º do Código de Processo Civil366. Discute-se, porém, se o árbitro deve ou não ter a função de conciliar, sendo

que sobre isso nada é dito por parte da maioria das leis da arbitragem. Apenas as IBA Guidelines on Conflicts of Interest in International Arbitration inserem esse tópico e admitem que o árbitro possa conciliar, embora com restrições e consequências para essa atuação367.

O juiz ou o árbitro devem ainda ter o cuidado de não se deixar influenciar pelo que se passou nas tentativas de conciliação. A independência e a imparcialidade devem estar presentes em todo o

362 GOUVEIA, Mariana, Curso de Resolução Alternativa de Litígios, 2.ª Edição, Almedina, 2012, p. 94.

363 MEADOW, Carrie, For and Against Settlement: Uses and Abuses of the Mandatory Settlement Conference, 1985, p. 497; GALANTER, Marc, Settlement Judge, not a Trial Judge: Judicial Mediation in the United States, 1985, p. 9.

364 KAUFMANN-KOHLER, Gabrille, When Arbitrators Facilitate Settlement: Towards a Transnational Standard, 2009, p. 196. 365GOUVEIA, Mariana, Curso de Resolução Alternativa de Litígios, 1.ª Edição, Almedina, 2011, p. 85.

366 GOUVEIA, Mariana, Meios de resolução alternativa de litígios: negociação, mediação e julgados de paz, 2008, in Estudos Comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa – Volume, pp. 737 a 739, que considera que a conciliação em sentido estrito se aproxima da situação em que o juiz de algum modo procura obter o acordo das partes, cortando a sua liberdade. Já em sentido amplo a autora considera que a conciliação é qualquer ato de auto-composição de litígios, o que abrange a confissão ou desistência do pedido e a transação.

processo de conciliação sendo certo que quando hajam riscos de isso não acontecer o juiz ou o árbitro devem renunciar ou pedir escusa do processo368.