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Quando se pensa que a arquitectura poderá nascer da necessidade do homem se refugiar, é pouco provável que o avanço da casa, como se conhece até agora, tenha sido despoletado por tal recolhimento. Já escreveu Alexandre Alves da Costa433 que, foi o facto do homem

ousar encarar as circunstâncias que o rodeavam como desafios a serem superados, que contribui para o repensamento de um modo de habitação. As características próprias desenvolvidas deflectem do que o meio oferece ao homem e do modo como o homem se procura integrar nele. Portugal, embora seja um país de reduzida dimensão, à escala dos outros países, como se tem esclarecido é um território com uma variedade de condicionantes, quer climatéricas, como geológicas, orográficas, sociais e culturais, entre outras. O norte português encabeça uma heterogeneidade e aspereza geomorfológica aliada a um clima pouco clemente, com tendências frias e chuvosas. Em contrapartida as terras são de uma fertilidade invejável e, devido a tal caso, a agricultura é parte da família nortenha que convive de muito perto com a realidade rotineira do campo. As suas casas ergueram-se também para abraçarem esta realidade de exploração agrícola intensiva que a natureza lhes proporciona. Por todos estes factores, em regiões nortenhas as técnicas construtivas assemelham-se bastante e as influências captadas entre territórios vizinhos é empregue não pelo ‘querer’ mas pelo ‘dever’.

Não existem diferenças abissais entre arquitectura beirã, entre arquitectura minhota e entre arquitectura transmontana, mas as que existem justificam-se naquilo que o meio envolvente dispõe e permite, sem esquecer também as necessidades de cada povoado face ao seu modo de vida. Se o clima é agreste, combate-se com a robustez dos materiais; se os assentamentos são ardilosos, estreitam-se caminhos, acotovelam-se as casas; se os declives assustam, vencem-se os medos, socalcam-se os terrenos e descobrem-se seus potenciais. Ora Entre- Douro-Vouga, sendo uma sub-região de contrastes, abrange um pouco de tudo aquilo que caracteriza o norte português, passando da montanha para o vale. É demarcada por três diferentes faixas geológicas, do litoral para o interior começa com uma faixa arenosa, passando pela granítica e a xistosa. Todos estes factores no seu conjunto exigem um modelo arquitectónico característico. Na montanha repescam-se premissas da Beira Interior, também ela dominada pela montanha e pela alternância entre faixas xistosas e graníticas. Descendo para o vale, a arquitectura dos NUTS do Cávado, do Tâmega, do Grande Porto434, inseridos

grande parte na região minhota, é ela a mais revisada. À medida que vão escoando para sul do rio Douro, os géneros abrangidos pela malha de vale incorporam-se, até confluírem no Entre-Douro-e-Vouga. A sul, na sub-região do Baixo Vouga, o efeito é semelhante, contudo começam a ser maioritariamente observados os influxos chegados de sul, provenientes da arquitectura da Beira Litoral, como as casas alpendradas e térreas caiadas e outros vindos do

433 ALVES COSTA, Alexandre; A arquitectura escreve a sua própria paisagem; Jornal Arquitectos; 217

(Outubro, Novembro, Dezembro); Ordem dos Arquitectos; Lisboa; 2004; p.8

434 São notadas influências na arquitectura de Entre-Douro-e-Vouga provenientes de certas terras

referidas por Ernesto Veiga de Oliveira como a Maia, Paços de Ferreira, Penafiel, Esposende, Barcelos e Viana do Castelo. Ver subsecção 4.1.2 – “A Casa de Santa Maria da Feira, São João da Madeira e Oliveira de Azeméis" – ponto - 4.1.2.10 “Influências”

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interior das Beiras. Na súmula deste facto, também as influições causadas no Baixo Vouga perpassam timidamente para uma pequena fracção de Entre-Douro-e-Vouga. O seu domínio porém é escasso, ficando-se apenas pelo poente e sudoeste da sub-região, que são os pontos onde a faixa arenosa se começa a manifestar. Embora existam estas remanescências que parecem fugir ao estilo da vigorosa casa de andar, a quase totalidade da arquitectura encontrada em Entre-Douro-e-Vouga destrona esta última. Na verdade, os solos arenosos representam um abandono das práticas agrícolas comuns, visto serem muito pouco férteis. Compreensivelmente é avistado este novo modelo adaptado a diferentes condições. Não se trata aqui de uma tentativa de diferenciamento ou da busca de uma identidade exclusiva, mas sim daquilo que vem sendo exposto ao longo do texto, como a adopção das estratégias de arquétipos externos que melhor se adequam à situação do meio envolvente.

Em tempos remotos a humanidade não era muito numerosa e os povos isolavam-se em grupos, sendo natural que cada qual acaba-se por definir o seu próprio modo construtivo, não como finalidade em si, mas apenas como resultado das condicionantes do meio.435O homem foi

compreendendo a natureza, aprendendo a extrair dela o melhor para si. Agora, somam-se todas as experiências e conhecimentos adquiridos para respirar fundo e contemplar pacificamente este meio natural que nunca faltou com nada ao homem. Na mesma medida em que tira, sabe dar. Diante dos nossos olhos dispôs tudo o que seria necessário, e cabe ao homem reconhecer a bondade da mãe-natureza para consigo. O desenvolvimento tecnológico fortalece as bases da humanidade, revestindo-a de uma multiplicidade de soluções construtivas que em tempos eram impensáveis. Atingem-se fasquias cada vez mais elevadas e é sabido que continuarão subindo sem um fim previsível à vista. No entanto, tanto poder é perigoso nas mãos de quem o desregra e é conveniente ao ser humano que este se consciencialize, a fim de não desprezar o conhecimento primário que o lançou nesta viagem, aquele sem o qual nada seria exequível.

Quer-se com este discurso apologista, infundir o respeito pelo património antigo e a sua preservação, pois é este que define e identifica gerações e culturas. É este que sela a aliança do homem e o seu meio. É este património que não quer evidenciar-se, apenas harmonizar- se. Nada como terminar, embuído no espírito, recordando uma pequena história contada por Fernando Távora436, onde o arquitecto fazia uma projecção de slides exibindo algumas

fotografias de casas populares portuguesas. Salazar estava presente e, ao ver a foto de uma casa tradicional alentejana, disse algo que marcou Távora. Encantado pela traça simples da casa e pela força das suas robustas chaminés, Salazar apelidou-a de ‘arquitectura moderna’. Bem ao gosto de Távora, que sempre olhou dessa forma arrojada a arquitectura popular, nada de mais inusitado e inspirador poderia ter dito o ministro.

435 LÉVI-STRAUSS, Claude; Mito e Significado; Edições 70; Lisboa; 2007; p.31 436

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