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No plano ideal, todas as empresas deveriam organizar-se de acordo com o modo mais eficiente que a lei lhes permitisse e, portanto, o conjunto dos elementos necessários para melhor desempenhar as suas atividades está presente.

Acontece que, na prática, essa é uma realidade de pouquíssimas empresas, tanto por razões culturais como por dificuldade de acesso ao conhecimento dos melhores profissionais, aqueles que poderiam identificar pontos de melhoria e sugerir reestruturações que permitissem melhores resultados.

Alguns dos entraves percebidos no ambiente negocial são a burocracia, a má técnica legislativa e a baixa educação financeira, que atraem a atenção dos empresários para a resolução dos problemas de curto prazo e relegam os desafios de longo prazo, que impactam na preservação dos resultados, até o momento em que, por necessidade, não podem mais ser ignorados.

O momento de realização de algumas reestruturações, que muitas vezes são realizadas tardiamente, é interpretado pelo Fisco como indício de desnecessidade, por entender que, porque as atividades foram exercidas até certo período de uma forma, não há propósito negocial, além do interesse em ocultar manifestação de riqueza, para mudanças.

Todavia, ao nos inserirmos na realidade do ambiente negocial brasileiro, parece-nos prematuro assentir com essa presunção. Não é porque o empresário postergou a realização de determinada reestruturação que ele esteja impedido de modernizar uma prática habitual e evoluir, o que, no campo econômico, pressupõe maior geração de riquezas.

Sabemos, a geração de riquezas permite que se possa cumprir a função social da propriedade e colaborar com o Estado para o atingimento do bem-comum. De seu turno, ao nosso sentir, o legislador não limitou essa cooperação ao pagamento de tributos, e tampouco obrigou que diante de opções fiscais o contribuinte escolha a que lhe seja mais onersa.

Ao contrário, por razões extrafiscais, o Estado não só permite como estimula que empresários se organizem de forma incomum, a fim de dar mais competitividade às empresas, gerar mais empregos, aumentar a arrecadação tributária e, por meio desse ciclo, atingir o bem-comum.

O exame dos casos concretos selecionados fez-nos refletir que, porque por definição a atuação do Fisco está restrita a ―contribuições pecuniárias‖, falta-lhe essa visão mais ampliada sobre as diversas formas de se colaborar com o Estado.

Numa leitura funcional do Direito, não acreditamos que Fisco e contribuintes sejam antagonistas, pois isso iria de encontro ao propósito de construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

Contudo, é importante consignar que para construir uma relação saudável é necessário evitar excessos e mostra-se imprescindível que haja renúncia recíproca. Contribuintes precisam sempre portar-se de modo transparente quando da prática de seus atos, e o Fisco deve evitar imputar-lhes condutas delinquentes sem a segura produção de provas contundentes.

Nesse sentido, as ações do Fisco devem estar orientadas a evitar e inibir a prática de certas condutas, de modo que a punição deveria ser a exceção e não a regra. Parece-nos inadequado o comportamento de presumir a má-fé de um planejamento simplesmente porque o conjunto de operações ocorreu em um curto intervalo de tempo.

Essa postura, manifestação da burocracia que aludimos anteriormente, desgasta a relação entre Fisco e contribuintes e gera ineficiência econômica, por meio da produção de custos desnecessários.

Outra crítica que fazemos ao comportamento do Fisco refere-se aos atentados contra a segurança jurídica, perpetrados por algumas autoridades lançadoras. Causa-nos estranheza o ordenamento permitir que o contribuinte se organize de determinada forma, com fundamento em valores escolhidos pela sociedade, e alguns agentes, utilizando-se de uma carga valorativa construída a partir das experiências pessoais, tentem sobrepor-se ao legislador.

A economia de tributos, por si só, não pode ser reconhecida como uma escolha excessiva e decorrente de uma postura mesquinha do contribuinte. No caso específico dos planejamentos tributários envolvendo fundos de investimentos em participações e alienação de participação societária com ganho de capital, a vantagem fiscal concedida pelo legislador pressupõe que novos investimentos serão realizados e que essas empresas investidas se tornarão mais eficientes e aumentarão a arrecadação total do Estado.

Pretender obstar que o contribuinte se organize da forma que lhe seja mais benéfica implica retirar-lhe a capacidade de escolhas sobre a destinação de seu patrimônio sem qualquer justificativa coerente, aproximando-se aquela descomedida proibição de inaceitável confisco.

A prática mostra-nos que na medida em que os setores se tornam mais consolidados e alguns empresários optam pelo desinvestimento, os recursos obtidos com essa operação são pulverizados em vários novos investimentos, com vistas a diluir o risco.

Portanto, caso determinada estrutura ofereça maior flexibilidade para cumprir essa finalidade, e a lei que a autoriza está de acordo com os valores da sociedade, não há porque questionar a adoção dessa conduta.

Com efeito, é a exata medida de compreensão da lei que define as possibilidades para a autoridade lançadora.

Nesse ponto, a análise dos casos concretos revela que a aplicação de conceitos jurídicos indeterminados (propósito negocial, ad exemplum) reclama a realização de uma judiciosa atividade de construção de sentido para estabelecer os limites e o alcance de algumas normas jurídicas.

Aceita essa premissa, cumpre estabelecer quais critérios obrigatoriamente devem ser respeitados, como verdadeiros limites implícitos, nas situações em que a aplicação de normas genéricas é necessária para concretizar algum direito (planejamento tributário).

A resposta a essa indagação parece-nos que está nos valores contidos nos princípios constitucionais, que podem variar no tempo, conforme a direção que se pretenda dar para a construção das relações sociais.

Por sua característica de integração, exige-se que esses princípios delineados na Magna Carta tenham mais estabilidade e somente em casos extremos sejam substituídos.

Atualmente, no Estado Social e Democrático de Direito, valores como a livre iniciativa e a igualdade estão arraigados, em maior ou menor grau, por toda a atividade econômica e, quando em conflito, precisam ser (re)calibrados para que seja mantida a harmonia do ambiente negocial.

Critérios como a razoabilidade e a proporcionalidade são alguns dos instrumentos utilizados para cumprir essa finalidade. Espera-se do operador do direito que, sem suprimir qualquer dos valores basilares do ordenamento, adeque os conceitos indeterminados ao caso concreto, justificando coerentemente quais princípios devem prevalecer e por quais razões.

Nos domínios do Direito Tributário, e especificamente no campo do planejamento, a liberdade de contratação torna ainda mais difícil a elaboração de propostas de modelo-padrão para a realização segura de planejamentos tributários, pois o alargamento da subjetividade

proporcionada pelo uso de uma norma genérica, ainda que limitada pelos valores regentes escolhidos pela sociedade, dá margem para questionamentos.

A realidade fática passa a ser apenas um indício para justificar a opção por determinada forma de organização. Prova disso é que situações absolutamente similares (casos ―Hemava‖ e ―Paulo Campos Telles Neto‖) podem apresentar desfechos completamente distintos, o que causa comprometimento dos princípios da segurança jurídica e certeza do direito.

Essa segunda premissa conduz-nos à conclusão de que é de suma importância dar transparência aos motivos (pré-existentes e relevantes) e as finalidades (extratributárias) que fomentaram a escolha por realizar o planejamento utilizando-se de determinada forma, a fim de afastar o maior número de dúvidas acerca da coerência na qualificação dada ao conjunto das operações realizadas.

No caso específico de planejamentos tributários envolvendo fundos de investimentos em participações e alienação de participação societária com ganho de capital, percebemos que a destinação dada aos recursos obtidos é elemento essencial para manter a eficácia das operações perante o Fisco.

A prática mostra-nos que quando um grupo familiar aliena participações societárias que representam parte relevante da composição de seu patrimônio, os recursos obtidos costumam ser destinados a novos investimentos, mas dá-se preferência à diversificação.

Preservar o patrimônio, diluindo os riscos da concentração, e contemplar as gerações seguintes apresentam-se como motivos bastante comuns.

Portanto, exigir que o contribuinte se organize por meio de holding é querer impor uma ineficiência ao mercado.

Fundos de investimentos, por questões regulatórias, necessariamente devem ser administrados por profissionais especializados (administrador, gestor e custodiante), além de serem submetidos a auditorias anuais e fiscalizados pela CVM.

Tais características, que não são exigidas de uma holding, obrigam a adoção de padrões mais elevados de transparência e implicam em maior segurança para a preservação do patrimônio.

Demais disso, tem-se que para gozar das vantagens fiscais na estrutura de fundos de investimentos em participações, exige-se que 90% dos recursos do fundo estejam investidos.

Como consequência, os recursos que seriam destinados ao pagamento do imposto diferido são reinvestidos em novas empresas, tornando-as mais competitivas, gerando mais empregos e, consequentemente, aumentando a arrecadação tributária.

Desse modo, para que seja mantida a proporcionalidade, caberia ao Fisco, no momento de demonstrar os pressupostos de aplicação da norma geral antielisiva, manifestar-se notadamente sobre a pertinência das razões extrafiscais e a carga tributária do conjunto das operações realizadas, considerando inclusive a arrecadação proporcionada pela nova realidade das empresas investidas.

A nossa conclusão, no sentido de que a destinação dos recursos é o elemento essencial para manter a eficácia, perante o Fisco, de planejamentos tributários envolvendo fundos de investimentos em participações e alienação de participações societárias, sugere que é prudente o operador do direito manter documentado todo o fluxo dos recursos, desde o ingresso no fundo até a destinação dada pelo gestor e, sempre que possível, contratar a elaboração de pareceres técnicos, bem como manter relatórios atualizados que informem detalhadamente sobre os novos investimentos realizados e seus desempenhos, pois, ainda que essas não sejam exigências legais, são manifestações concretas de boa-fé e dão maior segurança jurídica aos atos praticados.

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