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2.1 Qualidade de vida no trabalho

2.1.1 Condição humana no trabalho

A história da condição humana no trabalho dentro das organizações pode ser entendida pela evolução das indústrias e o amadurecimento das relações entre patrões e empregados. O surgimento das primeiras fábricas na Inglaterra fez com que os camponeses mudassem para os centros fabris em busca de trabalho. Eram pessoas sem qualificação profissional, acostumados à vida rural. Em contrapartida os patrões pouco davam em troca, oferecendo uma jornada de trabalho elevada e como recompensa, pagavam salários baixos (HUNT; SHERMAN, 2008).

A Revolução Industrial foi marcada pelo surgimento das fábricas, a construção de estradas de ferro, a invenção da máquina a vapor, propiciando o crescimento econômico e, em decorrência, nessas cidades com concentração de maior número de empresas industriais e trabalhadores (MOTTA, 2004).

Segundo Maximiano (2004, p. 91) a sociedade industrial sofreu uma transição com o sistema de fabricação para fora, chamado de putting-out system, que consistia no fornecimento de

matérias-primas e máquinas às famílias para confeccionarem as peças e serem remuneradas por aquilo que conseguissem produzir. Era o início do conceito do processo industrial.

O próximo passo foi reunir os trabalhadores em locais maiores para assim controlarem os recursos e a produtividade. Os proprietários das máquinas, ferramentas, instalações e matérias primas eram chamados de mercadores-capitalistas, cujas atribuições eram a contratação da mão-de-obra, fornecimento dos recursos para a produção do produto acabado, e a comercialização desses produtos. Surgia assim, o sistema econômico capitalista (HUNT; SHERMAN, 2008).

O crescimento das fábricas levou à necessidade de contratar cada vez mais pessoas, em condições de trabalho e de vida precárias. Nas indústrias não havia garantias da integridade do trabalhador, as relações trabalhistas não eram reconhecidas, sendo prática comum as jornadas de trabalho excessivas e o uso da mão-de-obra infantil. Quanto às condições de vida em sociedade, tinha-se um cenário de centros industriais caracterizado pelo elevado número de trabalhadores, sem infra-estrutura ocasionando surtos de doenças como cólera e outros males da própria falta de recursos de saúde (MOTTA, 2004; MAXIMIANO, 2004).

No final do século XVIII surgiram os primeiros movimentos contrários às más condições de trabalho oferecidas pelos patrões nas fábricas. A princípio, os trabalhadores reagiram contra as máquinas usadas para suas atividades profissionais, posteriormente, se reuniram movidos pelo interesse em garantir melhores condições de trabalho, assim formando os primeiros sindicatos no início do século XIX (MOTTA, Ibid. p. 22-30; HUNT; SHERMAN, 2008; MAXIMIANO, Ibid., p. 91-96).

Os séculos XVIII e XIX foram marcados pela evolução do modelo capitalista de sociedade, com a contribuição de Adam Smith e Karl Marx. No livro Riqueza das Nações, Smith defendeu o livre jogo do mercado de oferta e procura e classificando o trabalho como produtivo e improdutivo. Para ele, o trabalho produtivo era aquele realizado pelos manufatureiros e que acrescentava valor ao processo produtivo e proporcionava lucro ao patrão. Por sua vez, o trabalho improdutivo era feito por serviçais, que não acrescentava valor algum, não podendo ser considerado um objeto ou mercadoria, deixando de existir logo após sua execução. Com base nessa classificação, seus estudos tiveram uma forte influência na economia, no conceito de divisão do trabalho e no aumento da produtividade dentro das fábricas (SMITH, 2008).

Por outro lado Karl Marx preocupava-se com as condições precárias dos trabalhadores demonstrada através das críticas ao Capitalismo e a indignação quanto à realidade desumana em que eles viviam. A mão-de-obra da época não tinha qualificação no novo formato de produzir as mercadorias, eram homens e mulheres do campo, na maioria artesãos, que passaram a viver em lugares sujos e promíscuos (CASTRO; DIAS, 2005).

Marx enfatiza, no célebre livro O Capital publicado em 1867, a dura vida desses operários, do árduo processo de produção e do uso da mão-de-obra infantil nas fábricas, como segue:

[...] Esse processo de produção durante 24 horas ininterruptas existe hoje como sistema em muitos ramos industriais “livres” da Grã-Bretanha, entre os quais figuram os altos fornos, forjas, laminações e outras indústrias metalúrgicas da Inglaterra, de Gales e da Escócia. Nesses setores o processo de trabalho ordinariamente compreende, além das 24 horas dos seus dias úteis da semana, as 24 horas do domingo. Os trabalhadores são homens e mulheres, adultos, adolescentes e crianças de ambos os sexos. A idade dos jovens e das crianças percorre toda a escala, dos 8 anos (em alguns casos dos 6) até aos 18. [...] (MARX, 1980, p. 291)

As críticas apresentadas por Marx diziam respeito à desigualdade entre as classes capitalistas, compostas pelos proprietários dos meios de produção e detentores do poder; a classe operária, formada por trabalhadores que vendiam sua força de trabalho em troca do salário; e os produtores simples de mercadorias, possuidores dos seus próprios meios de produção usados para sua sobrevivência (SINGER, 2008).

Além dos conflitos entre as classes capitalista e operária, Marx preocupou-se com a integridade e bem-estar do trabalhador, quando mencionou a necessidade de redução da carga horária de trabalho e a transformação do homem numa força de trabalho exclusiva para esse fim, como também, no tempo usado só para o trabalho, sem com isso, poder se dedicar a “educação, o desenvolvimento intelectual, para preencher funções sociais, para o convívio social, para o livre exercício das forças físicas e espirituais para o descanso dominical” (MARX, op.cit., p. 290).

Outro aspecto a ser considerado estava no papel claro que o artesão tinha como profissional e dentro da sociedade, que a Revolução Industrial transformou em mão-de-obra dentro das indústrias. Os artesãos estavam acostumados a produzirem seus ofícios com seus próprios meios e sua identidade bem definida de artistas, autônomos e reconhecidos por todos. Perderam sua identidade, o orgulho da profissão que exerciam para tornarem-se um número dentro da engrenagem fabril (HUNT; SHERMAN, 2008).

A autoidentificação do artesão estava nesse momento sendo desfeita, pois não podia mais considerar-se um artista. Talvez não se tratasse de entender o significado da profissão, mas sim a identidade do indivíduo com aquilo que produzia e pelo que era reconhecido. Como apresentado a seguir:

Colocando a questão de maneira mais simples, durante a maior parte da história os homens “foram” o que “faziam” – o problema “satisfação no trabalho” é tão moderno quanto o do “significado do trabalho”. Dizer “eu sou um camponês” era, muito provavelmente, algo muito distante do orgulho, entusiasmo, ou mesmo contentamento. Mesmo assim, provia uma auto- identificação para o indivíduo que era estável, consistente e reconhecida desta maneira tanto pelos outros como por ele próprio.” (BERGER, 1983, p. 14).

A fábrica trouxe consigo o aspecto impessoal, o trabalho realizado em troca de uma remuneração, o mercado consumidor e suas exigências, e a perda, por parte dos trabalhadores, do poder em produzir mercadorias artesanalmente, contando com o talento e capacidade próprias (HUNT; SHERMAN, 2008).

A falta de preparo da mão-de-obra exigiu métodos de trabalho que garantissem o controle rigoroso da produção e a fragmentação das tarefas para que pudessem ser executadas inclusive por crianças. O trabalho passou a ser realizado em pequenas etapas, como forma de rotinizar e simplificar sua execução. A divisão do trabalho permitiu que os indivíduos de qualquer idade e sexo pudessem executar as atividades fabris sem maiores dificuldades (SMITH, 2008; MARX, 1980).

De acordo com Berger (1983) a fragmentação do trabalho levou ao distanciamento do trabalhador daquilo que ele produzia fazendo com que não tivesse noção do que estava fabricando, por não conhecer o produto acabado.

As tarefas foram especializadas e fragmentadas deixando pouca flexibilidade para alterações por parte dos empregados e tirando dele qualquer possibilidade de iniciativa. Eram operações simples, em pequena quantidade, cotidianas e repetitivas. Smith (2008) criticou a divisão do trabalho afirmando que o homem cujo trabalho era repetitivo e sem complexidade não teria como desenvolver a inteligência, usar a imaginação para responder aos obstáculos naturais, pois não existiriam contratempos para resolver, tornando então ignorante e bruto. Quanto mais complexa fosse a divisão do trabalho mais monótono e simples seria o trabalho e mais estúpidos ficariam os trabalhadores (MARX, 1980; HUNT; SHERMAN, 2008; GORZ, 1996).

Outro ponto relevante produzido pela industrialização foi a cisão do trabalho com o lar. A esfera privada e a pública. Os artesãos deixaram de trabalhar e morar no mesmo lugar. Berger (1983, p. 15) considera que “A “vida real” e o “autêntico eu” de uma pessoa supostamente estão centrados na esfera privada. A vida no trabalho, portanto, tende a assumir um caráter de pseudo-realidade e pseudo-identidade: “eu apenas trabalho aqui, mas se você quer me conhecer da maneira como eu realmente sou, venha a minha casa e conheça a minha família.””

Essa análise histórica baseada na visão da economia, administração e sociologia do fenômeno do trabalho e sua divisão, são marcadas pela definição de Emile Durkeheim (Castro e Dias, 2005) e a classificação de “trabalho anômico”, quando a pessoa perde o vínculo social e passa a se considerar num contexto desconhecido; de Karl Marx com o “trabalho alienado” sem significado para quem o fazia; de Max Weber em “trabalho racional”, com o sistema social racional e a profissionalização das relações do trabalho e implantação de regras justas e igualitárias (MOTTA, 2004).

A divisão do trabalho teve como consequência a especialização mínima do operário para a execução do trabalho, e não sua qualificação. Para Arendt (2007, p.101) “o resultado é que o que é comprado e vendido no mercado de trabalho não é qualificação individual, mas a “força de trabalho” (labor), da qual todo ser humano deve possuir aproximadamente a mesma quantidade.”

A fragmentação do trabalho levou ao empobrecimento intelectual dos trabalhadores e a crença por parte dos patrões que o homem era um ser egoísta, frio e indolente por natureza, cujo principal estímulo para o trabalho estava no medo da fome e outras privações, proporcionando um desempenho melhor por parte das pessoas (HUNT; SHERMAN, 2008). Essa visão serviu de base para o conceito do Homo Economicus usado na Escola Clássica de Administração. Em contraposição começam os estudos da Escola de Relações Humanas e as Teorias de Motivação e Liderança, vistas como principais influências e fundamentação teórica para a QVT.