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CAPÍTULO III – A CATEGORIA GÊNERO E SUA IMPORTÂNCIA PARA

3.4 Conexões: gênero e migrações

Os estudos que relacionam gênero e migrações foram sendo ampliados à medida que a teoria feminista foi se aprofundando nas pesquisas, porém eles estiveram, por anos, atrelados ao mercado de trabalho porque tanto a teoria feminista como os estudos migratórios tinham o foco nas relações de trabalho. No campo das migrações, as análises estavam focadas quase sempre nas razões financeiras que levavam estes indivíduos a migrarem, e eles o faziam em busca de melhoria econômica. As pesquisas que dialogam com as categorias de gênero e migrações não estão distantes desta realidade. Os estudos brasileiros sobre gênero e migrações quase sempre estiveram conectados aos estudos sobre trabalho, mesmo se a mulher está na condição de imigrante no Brasil ou se é brasileira no exterior. Assunção (2016) nos lembra que a categoria de gênero não deve ser pensada apenas como uma variável na análise dos processos migratórios, mas como um “conjunto de relações” que os organizam.

No tocante à discussão acadêmica sobre o gênero e sua relação com a migração, estudos datam que sua inserção ocorreu a partir da década de 1980, pois, até a década anterior, os fluxos migratórios de mulheres eram “invisíveis” e analisados a partir do binarismo homem/mulher ao invés das relações sociais de gênero. Os estudos anteriores a estes se concentravam exclusivamente nas migrações masculinas, “tradicionalmente enfocavam fluxos, aspectos laborais, demografia, questões legais e pensavam o migrante enquanto homem” (GOMES, 2013, p. 867). Assis (2007) nota que o processo migratório para inserção no mercado de trabalho é condição masculina, já a mulher se restringe ao reagrupamento familiar, aquelas que acompanham maridos e filhos.

No contexto dos estudos mais atuais, Tonhati e Macedo (2020) esclarecem que os estudos sobre migrações femininas possuem dois paradigmas hegemônicos de análise que buscam responder os motivos que levam as mulheres a migrarem, sendo eles: o

“globarcarechain” e mais recentemente o “carecirculation”. Um fator importante levantado pelas autoras é o fato de as construções teóricas, empíricas e metodológicas ocorrerem a partir das experiências migratóriasSul-Norte, fato que explica, segundo as autoras, as análises que reproduzem os papéis de gênero ligados ao cuidado nas atividades laborais: empregadas

domésticas, cuidadoras de idoso e enfermeiras. Porém, estes paradigmas não se aplicam às imigrantes que chegam ao Brasil, daí a importância das pesquisadoras e pesquisadores brasileiros dialogarem com os estudos sobre migrações do Sul global. Dados de 2019 apontam que no Brasil não existe escassez desta mão de obra; muito pelo contrário, este é um campo disputado no país. O perfil dessas imigrantes é o seguinte:solteiras, de 25 a 40 anos, com nível médio completo de escolaridade, inseridas em atividades de serviços, vendedoras do comércio em lojas, mercados e originárias, em sua maioria de Venezuela, Haiti e Bolívia (TONHATI; MACEDO, 2020).

É importante notar também que, quando a brasileira está em outro país, as abordagens analíticas tendem a visualizar o mercado da prostituição internacional61 e, mais recentemente, as representações que os estrangeiros possuem desta mulher brasileira imigrante. Nos últimos anos houve uma ampliação dos estudos que relacionam estas duas categorias em razão do aumento da migração feminina e de LGBTTQIA+- Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros, Assexuais e inclusão de outras orientações sexuais, identidades e expressões de gênero (GOMES, 2013; PISCITELLI, 2011). Os estudos que dialogam com estas duas categorias começaram a abordar temas como os seguintes.

a forma como as relações de gênero afeta de forma diferente mulheres e homens migrantes, mudanças nos papéis e nas subjetivações de gênero no contexto migratório, emancipação da mulher migrante, imigração LGBTT, o racismo e o sexismo interseccionados no contexto da migração, entre outros (GOMES, 2013, p.

867).

Piscitelli (2011) aponta que a migração brasileira na Espanha, predominantemente feminina, aumentou significativamente na última década, triplicando o número entre os anos de 2004 e 2008. Tanto Piscitelli (2011) quanto Gomes (2013) demonstram como os europeus62 associam essa imigração feminina ao imaginário da hipersexualização, ecompleta que as notícias televisivas sobre as brasileiras na Espanha são acompanhadas a três temas:

prostituição, violência de gênero e delitos.

Neste texto analiso as relações de conjugalidade pensando a partir da teoria de gênero e reflito sobre as relações sociais que envolvem homens e mulheres de origens nacionais e culturais diferentes na sociedade, que são caracterizadas pela assimetria existente

61Piscitelli (2011) informa que o Brasil é o país com maior número de mulheres inseridas na prostituição, seguido pela Rússia, Romênia e Colômbia, mesmo não sendo o trabalho que mais emprega estas mulheres. Por isso, são marcadas pela sexualização, o que afeta quem não está na indústria do sexo e cria um imaginário sobre a mulher brasileira.

62Piscitelli (2011) analisa o imaginário que os espanhóis possuem da mulher brasileira, já Gomes (2013) estuda o contexto português.

entre ambos os sexos63. Ainda que não busque vitimizar a mulher, esta categoria está inserida em um contexto histórico de relações sexistas e machistas. Analisar este objeto é realizar a interseccionalidade entre raça, gênero, classe, etnia, nacionalidade e sexualidade já que estas assimetrias não são naturais, mas construídas ao longo da história e varia de cultura para cultura.

E em se tratando de cultura, é importante destacar que no Brasil a estutura de gênero é pensada e organizada a partir das assimtérias de poder, que visualizam o feminino como inferior, enquanto que o masculino é a norma, é superior. Dito em outras palavras, a normatização da sociedade é a prevalência do masculino, branco, heterossexual em detrimento do feminino, do negro, do homossexual. Observa-se que as narrativas sociais utilizadas para inferiorizar um homem, quase sempre estão associadas e feminização a sua feminização. Ou seja, os casamentos aqui analisados, mesmo sendo com homens imigrantes, é importante lembrar que estamos em uma sociedade marcada pelo patriarcado.

È importante pontuar também o que Ricordeau (2017) lembra que nos casamentos entre pessoas de nacionalidades diferentes, quando analisados no contexto atual, homens e mulheres podem encontrar dificuldades para constituírem casamento com uma pessoa de outro país, principalmente as mulheres de terceiro mundo. Isso ocorre em razão do recrudescimento das políticas antimigratórias, as quais resultam em controle, restrições e suspeitas para com a população migrante. Além disso, existe também a repressão ao tráfico de pessoas, que busca proteger as mulheres, mas acaba criando mais um obstáculo para estes casamentos visto que os países emissores de migrantes fazem campanha pela dissolução de casamentos de mulheres com estrangeiros. Um exemplo, segundo o referido autor, é a proibição do governo de Camboja de casamentos entre mulheres cambojanas e homens imigrantes, em março de 2011.

Deste modo, este estudo converge com a onda das análises sobre as representações sociais que os imigrantes possuem sobre a mulher brasileira, sobretudo a discussão das assimetrias de gênero nos casamentos entre pessoas de nacionalidades diferentes, aqui denominados casamentos interculturais. Questiono-me então: será que mesmo estando no seu país, rodeada por pessoas da sua família, seus amigos, sua cultura, as diferenças culturais e de gênero ainda recaem com mais força sobre a mulher? Será que as diferenças de gênero

63 A ideia de sexo neste texto não é usada como oposição ao gênero (gênero – construção social; sexo – biologicamente determinado) como foi desenvolvida por algumas estudiosas feministas. Entendo o gênero como qualquer construção que distingue o que é masculino e o que é feminino, e aqui incluo as construções dos corpos feminino e masculino, pelo que o corpo e o sexo são também uma construção social: “o gênero é o conhecimento que estabelece significados para diferenças corporais” (SCOTT, 1995).

sobrepõem-seàs diferenças culturais? Ou seriam as diferenças culturais que recriam as relações de gênero?

CAPÍTULO IV- BRASILEIRAS E IMIGRANTES: PARA PENSAR A CONSTRUÇÃO