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2.1 Aprendizagem organizacional

2.1.1 Conhecimento: criação e gestão

O conhecimento pode ser visto como um recurso-chave da firma e fonte de vantagem competitiva (VERA; CROSSAN, 2005). Esta abordagem está ancorada na visão baseada em recursos (PENROSE, 1959), a qual tem larga aceitação na literatura da área de Administração

para alicerçar o construto de competência organizacional (PRAHALAD; HAMEL, 1990; PRAHALAD, 1993; RUAS, 2005). King, Fowler e Zeithaml (2002, p. 37) conceituam que “as competências diferenciam a empresa das demais e geram vantagem competitiva”. Assim, para que um recurso ou competência se tornem fonte de vantagem competitiva, eles devem ser valiosos, raros e difíceis ou caros de serem imitados. Os mesmos autores afirmam que os conhecimentos e as habilidades que as organizações adquirem com o tempo configuram seus principais recursos estratégicos.

Vera e Crossan (2005) expõem que muitas pesquisas sobre o conhecimento estratégico têm sido realizadas e publicadas na área de gestão, algumas sob o guarda-chuva de ‘gestão do conhecimento’ (knowledge management) e outras sob o de ‘conhecimento organizacional’ (organizational knowledge). O primeiro conceito pode ser definido pelo controle e gerenciamento explícito do conhecimento desejado para que a organização atinja seus resultados. O segundo é menos prescritivo, alterando a noção de conhecimento como uma commodity que organizações e indivíduos podem adquirir, para o de estudo do knowing, como algo que as organizações e indivíduos fazem, conceito que é discutido na sequência do presente trabalho (VERA; CROSSAN, 2005).

Esta alteração é influenciada, em parte, por novas visões que contrapõem fundamentos filosóficos tanto orientais e ocidentais como positivistas e pós-modernos (VERA; CROSSAN, 2005). Neste embate, Nonaka e Takeuchi (1997) dividem o conhecimento em dois tipos básicos: tácito e explícito. O conhecimento tácito é pessoal e específico ao contexto, sendo difícil de ser formulado ou comunicado. O conhecimento explícito é transmissível em linguagem formal. O conhecimento capaz de ser explicitado é muito pequeno frente ao vasto conjunto de conhecimentos existentes. Para a filosofia ocidental, é ‘verdadeiro’ o conhecimento explícito, entretanto, para a filosofia oriental, é mais valioso o conhecimento tácito.

A noção de conhecimento tácito está ancorada teoricamente em Polanyi (1967), o qual defende existirem coisas que se sabe, mas não se consegue contar ou explicar. Este fenômeno ocorre mesmo em algumas situações nas quais se consegue identificar e associar conhecimentos, contudo não se sabe explicar como. Desta forma, o autor propõe o conceito de knowing, o qual abrange tanto o conhecimento teórico quanto o prático. É um conceito importante, pois afirma que o sujeito aprende a partir da relação de dois eventos, porém, muitas vezes, só consegue entender o todo, sem alcançar identificar estes eventos isoladamente. Vera e Crossan (2005) definem que o knowing não se trata de uma possessão, como é o caso do conhecimento, mas de uma prática e da interação com coisas do mundo físico e social. A principal distinção entre conhecimento e knowing é que o primeiro é essencialmente cognitivo,

incluindo informações e habilidades possuídas, e o segundo é essencialmente comportamental, o conhecimento como ação.

Buscando elucidar os relacionamentos entre conhecimento, knowing e aprendizagem, Vera e Crossan (2005) explicam que: a) o conhecimento pode ser obtido pela mente, pela reflexão e pelo corpo (aprender fazendo e aprendizagem experimental); b) o conhecimento pode ser armazenado e acumulado na mente (saber o quê, conhecimento declarado) e nos corpos (saber como, conhecimento procedural); c) knowing é prática, algo que se faz – não é mero conhecimento usado para a prática, é conhecimento como parte da prática; d) aprendizagem é a mudança no conhecimento e a mudança no knowing, o que envolve mudanças cognitivas e comportamentais. Esses relacionamentos estão ilustrados na Figura 2.

Figura 2 - Matriz conhecimento–knowing–aprendizagem

Fonte: Vera e Crossan (2005). Traduzido e adaptado pelo autor.

O conhecimento e o knowing são o conteúdo do processo de aprendizagem, ou seja, o que é aprendido e passa a ser conhecido. Outro olhar para este fenômeno pode ser encontrado na pedagogia, em Ausbel, o qual, analisando do ponto de vista da aprendizagem individual, explica que a ‘evolução’ do conhecimento ocorre pela relação de uma nova informação com algum aspecto especificamente relevante da estrutura de conhecimento do indivíduo. Este processo envolve, pois, a interação da nova informação com uma estrutura de conhecimento específica já presente no indivíduo, a qual Ausbel define como subsunçor. Em outras palavras, uma informação ou conhecimento se mescla ao estoque de conhecimento do indivíduo. A teoria dos subsunçores de Ausbel traz à luz a ideia de que a mesma informação (ou conhecimento) será interpretada e ‘absorvida’ de forma diferente por cada indivíduo, pois sofrerá forte influência da estrutura de conhecimento já presente naquele aprendente (MOREIRA, 1999).

Em linha com esta visão e discorrendo sobre a inter-relação entre informação e conhecimento, Nonaka e Takeuchi (1997) descrevem que o conhecimento diz respeito a crenças e compromissos, sendo função de uma atitude, uma perspectiva ou uma intenção específica. O conhecimento está relacionado à ação, tendo sempre algum fim, alguma razão de ser. Para os autores, conhecimento e informação só se assemelham por ambos serem específicos a um contexto, tendo então um significado. A informação é, entretanto, fundamental para o conhecimento, pois proporciona “um novo ponto de vista para a interpretação de eventos ou objetos, o que torna visíveis significados antes invisíveis ou lança luz sobre conexões inesperadas”, sendo “um meio ou material necessário para extrair e construir o conhecimento” (NONAKA; TAKEUCHI, 1997, p 63). A partir disto, os autores defendem que as organizações não criam conhecimento sem indivíduos, pois são eles que criam o conhecimento, apoiados nos contextos organizacionais. Um depende do outro.

Nonaka e Takeuchi (1997) propõem que o conhecimento é criado pela interação entre o conhecimento tácito, notadamente individual, e o explícito, e que o processo de conversão de um para o outro ocorre de quatro formas – socialização, externalização, combinação e internalização – o que ficou conhecido como modelo SECI.

A conversão do conhecimento de um conhecimento tácito em outro tácito ocorre pela socialização, caracterizada por processos de trocas de experiência. Pode ser utilizada a linguagem ou a observação, mas os autores consideram fundamental a experiência. Eles explicam que são necessários emoções e contextos específicos para que o indivíduo apreenda um conhecimento tácito, que está grudado, de forma indissociável, a uma prática. Logo, a mera transmissão de informações sem experimentação dificilmente fará sentido. A organização deve proporcionar momentos em que essa troca de conhecimentos tácitos possa acontecer. Algumas empresas possibilitam reuniões periódicas, outras, seminários. Soluções simples como reuniões rápidas de início de dia também podem ajudar (NONAKA; TAKEUCHI, 1997).

A externalização é o processo de conversão de conhecimento tácito em explícito. Neste processo, se faz uso de metáforas, analogias, conceitos ou hipóteses para criar conhecimento, buscando explicitar conceitos que ainda não estão expressos de forma sólida. Ele é provocado pelo diálogo ou pela reflexão coletiva, combinando indução e dedução. O uso de metáforas e/ou analogias é privilegiado, já que os conceitos que estão tentando ser expressados e externalizados são novos, estão em estado de criação, existindo apenas como conhecimento tácito (NONAKA; TAKEUCHI, 1997). Essa é a mesma dificuldade expressada por Polanyi (1967) de as pessoas conseguirem discernir cada parte de conhecimento, explicando cada componente que forma aquele todo. A externalização é uma das etapas mais difíceis do modelo SECI, pois, para que

ocorra, é necessário que se explicitem conceitos difíceis de expressar. Ela é, entretanto, uma das formas mais importantes para a criação e a capitalização do conhecimento organizacional, pois, através deste processo, o conhecimento pode ser fixado na organização. Não raros são os exemplos de empresas que sofrem grande perda de capital humano, quando um funcionário é desligado. Isso acontece porque o conhecimento estava com aquela pessoa de forma tácita, sem estar concretizado em nenhum lugar. Neste caso, o funcionário ‘sabe’ mais do que a empresa, como explicado por Argyris e Schön (1996).

Combinação é o nome dado ao processo de conversão de um conhecimento explícito em outro explícito. É o processo de sistematização de conceitos em um sistema de conhecimento. Diferentes conceitos e dados explícitos podem ser recombinados e reconfigurados, gerando novos conceitos por classificação, acréscimo, combinação, categorização (NONAKA; TAKEUCHI, 1997). Esta etapa enriquece os diferentes conhecimentos criados, podendo haver combinação com outros conhecimentos externos, como os científicos. Pode ser estimulada tanto através de cursos e treinamentos regulares, como de reuniões e seminários.

A internalização é o processo de combinação do conhecimento explícito com o tácito, relacionada ao ‘aprender fazendo’. Ao final do ciclo de socialização, externalização e combinação, o conhecimento precisa ser internalizado pelos participantes, pois é quando adquirem o know-how e podem utilizá-lo em novos projetos. Este é o processo pelo qual os novos conhecimentos efetivamente se difundem na organização, sendo institucionalizados. Para tal, esses novos conhecimentos precisam ser incorporados nas práticas das pessoas, transformando-se em knowing, fundindo novamente o conhecimento da mente e do corpo (NONAKA; TAKEUCHI, 1997).

Esses quatro modos de combinação do conhecimento são dispostos em um ciclo contínuo: o novo conhecimento tácito, recém internalizado, entra em contato com outros conhecimentos tácitos e o ciclo recomeça, havendo nova fase de socialização. Nonaka e Takeuchi (1997) defendem que o processo de conversão do conhecimento é uma espiral, significando a ideia de constante aprendizado, conforme disposto na Figura 3.

Figura 3 - Espiral do conhecimento

Fonte: Nonaka e Takeuchi (1997, p. 80)

Para a gestão do conhecimento na empresa, é importante o entendimento de que existem conhecimentos que estão fora dela e podem ser adquiridos e que existem conhecimentos criados dentro dela. A empresa deve ser capaz de fornecer produtos e serviços únicos, singulares. Um dos caminhos para essa singularidade é a inovação. Neste sentido, adquire maior importância a teoria de criação do conhecimento de Nonaka e Takeuchi (1997). Dutra (2009) defende que as pessoas devem ser agentes de transformação de conhecimentos, habilidades e atitudes em competência entregue à organização. A competência entregue pode ser caracterizada como agregação de valor ao patrimônio de conhecimento da organização, o que reforça a íntima relação entre conhecimentos individuais e coletivos. A próxima seção deste trabalho propõe aprofundar estas questões, explorando as características e as inter-relações das aprendizagens individual, coletiva e organizacional.