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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No documento A fala de um sujeito... um corpo que adoece (páginas 38-42)

O desejo de compreender como um paciente que foi submetido à intervenção da ostomia se posiciona subjetivamente frente à sua nova condição corporal e consequentemente à sua imagem corporal, nos levou a investigar alguns conceitos psicanalíticos como: Pulsão, Autoerotismo, Narcisismo, Estádio do Espelho, Eu Ideal, Ideal do Eu, Complexo de Édipo Imagem Corporal e Esquema Corporal.

A partir das ideias propostas pelos autores trabalhados neste Trabalho de Conclusão de Curso construímos a concepção de que não nascemos com o corpo constituído: o vínculo com, o Outro tem a função de apresentar o corpo à criança através da linguagem. Isso se dá através do circuito pulsional, à medida que a mãe erogeiniza o corpo do bebê, ou seja, cria-lhe uma falta no corpo. A partir dos cortes, das marcas e das inscrições que o Outro imprime, um corpo subjetivado irá constituir-se. Logo, o corpo é portador de marcas inerentes ao processo de subjetivação. Desta maneira pode-se afirmar que não haverá corpo se ele não estiver articulado aos movimentos característicos da linguagem, da pulsão e nas interfaces com o narcisismo enquanto experiências psíquicas. Consideramos a pulsão como o limite entre o psíquico e o somático; e o narcisismo secundário como constituinte de um eu e regulador das relações entre o sujeito, seu corpo e os objetos.

Para que se estabeleça uma relação com o objeto do desejo, é preciso que haja uma relação narcísica do eu com o Outro. Por isso se compreende que é através do narcisismo que se criam as representações de sujeito e de corpo, articulando-se às marcas da experiência atual. Logo, o corpo, na dimensão do esquema corporal, é afetado ao mesmo tempo em que, na forma passiva ou ativa, o paciente é afetado também em sua imagem corporal. Ponto este que podemos observar nas falas dos pacientes aos quais tivemos a oportunidade de sustentar a escuta durante o estágio que realizamos no setor de oncologia de um hospital geral.

Considera-se que uma das formas que o eu se constitui se dá a partir da condição do eu ideal - forma esta produzida pelo narcisismo dos pais, dotada de todas as perfeições e usufruída pela criança na infância - e que esta imagem seria um eu original e forma primeira do eu ideal e do ideal do eu que

vem a ser a forma idealizada do ideal do eu. Se como a psicanálise propõe, o ideal do eu é um conjunto de traços simbólicos implicados pela linguagem, pelos laços sociais e pelas leis, esses traços são mediadores na relação dual imaginária, na qual o sujeito encontra um lugar para si. Através da relação com o ideal do eu ele poderá ser amado. Nesse momento o simbólico prevalece sobre o imaginário. Assim como o ideal do eu prevalece sobre o eu.

Uma vez articulado, o ideal do eu remete ao desejo de retornar à posição imaginária de eu ideal criada e idealizada pelos pais no narcisismo primário, mesmo que isso não seja mais possível. O eu seria resultado dos investimentos narcísicos do outro sobre o sujeito. O efeito desses investimentos na imagem do sujeito faz com que ele mesmo se identifique com sua própria imagem, passando a investir nela também. Esse investimento permite que o sujeito ame a si mesmo, numa dimensão narcísica.

Então, se pensarmos que pacientes que vivem a experiência da ostomia tem que responder as exigências do ideal do eu para serem amados em um momento no qual não tem sustentação, nem identificação possível, compreende-se o quão doloroso é para eles enfrentar o espelho. Neste momento eles veem sua imagem como a antecipação de uma imagem familiar, mas estranha. E isto causa inquietude e dor. Os pacientes sentem o corpo como se este fosse um objeto a serviço dos outros, como se não fosse parte do próprio eu. Quando o sujeito é afetado pela dor, perde o interesse pelas coisas do mundo externo e pelos seus objetos amorosos, ou seja, a pessoa doente retira suas catexias libidinais de volta para o seu próprio eu.

Isto explica o que observamos durante o estágio no hospital, no setor de oncologia, quando alguns pacientes demonstraram apatia com relação as coisas externas a ele, demonstrando interesse apenas pelo órgão adoecido, como se o corpo não fosse uma unidade e sim um órgão. No entanto, é importante que consideremos a dor como um articulador entre o corpo e o psíquico, sendo essa condição fronteiriça que nos coloca de frente ao limite entre o corpo órgão e o corpo subjetivado; sendo o Outro que referencia a dor da criança num contexto simbólico. Esta ainda não é capaz de afirmar que sente dor. Para isso, a criança terá que constituir uma imagem corporal com a qual possa se reconhecer e se diferenciar do Outro. O Outro materno supõe a

dor do bebê baseada na sua própria dor. Para a criança, a dor surge como percepção da ausência do Outro materno vivida pelo bebê como uma perda.

Pensando nos pacientes que fizeram a ostomia, observamos que onde deveria estar a presença da representação do amparo do Outro, um saber e o desejo articulado, registrado no corpo subjetivado, surge o vazio ao qual o sujeito não pode dar conta, o sujeito fica preso num corpo coisa ainda sem imagem, sem reconhecimento condizente com o seu processo e registro de subjetivação. Quando o paciente se olha no “espelho” o que lhe é devolvido é uma imagem com a qual ele não pode se identificar, pois esta imagem não corresponde ao ideal narcísico outrora vivido.

Devido à complexidade dos conceitos trabalhados neste Trabalho de Conclusão de curso, não podemos concluí-lo de forma definitiva. Mesmo que tivéssemos essa intenção, isto seria impossível. Uma vez que, durante o percurso da pesquisa elegemos outra questão que ficará em aberto para ser investigada no futuro: Como o sujeito depois de vivenciar uma experiência traumática como a da ostomia, poderá ressignificar sua dor?

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No documento A fala de um sujeito... um corpo que adoece (páginas 38-42)

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