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As linhas que seguem destacam três aspectos que, de forma significativa, contribuíram para que os sujeitos que participaram desta pesquisa permanecessem na escola. Nesse sentido, no primeiro momento serão destacados os fatores que, em grande medida, fundamentaram o retorno do referido grupo aos bancos escolares e, por conseguinte, a permanência na escola. Em seguida, é ressaltada a aprendizagem significativa enquanto elemento

transformador, responsável pela ampliação/aquisição de importantes

competências para o enfrentamento da lida da vida cotidiana. Por fim, a importância das relações de amizade no interior da escola, para a efetivação das trajetórias escolares ininterruptas dos/as estudantes da EJA.

A perspectiva sociológica que norteou esta investigação se coloca como fator distintivo entre esta e as demais produções realizadas no campo da EJA. Outro aspecto deste trabalho que vale ser destacado diz respeito ao objeto de estudo desta pesquisa, ainda pouco investigado: a permanência do/a estudante da EJA no processo de escolarização. Nos últimos anos, quando se pretendia discutir acerca da dificuldade que o/a referido/a educando/a apresenta para permanecer nos bancos escolares, buscava-se identificar e compreender, no mais das vezes, as razões que levam tais sujeitos a abandonarem a escola. Todavia, nesta investigação, a proposta foi a de escutar os/as que conseguiram permanecer na escola, por todo o Ensino Fundamental, na tentativa de analisar e, ao mesmo tempo, compreender o que o referido sujeito precisa fazer para não ter que abandonar a instituição escolar.

Diante da conhecida dificuldade que os/as educandos da EJA apresentam para re/começar os estudos depois de adultos e, sobretudo, permanecer na escola, pode-se ter a falsa impressão de que os que conseguiram sobreviver nos bancos escolares por um período mais longo não tiveram que enfrentar obstáculos durante o percurso escolar. Os relatos dos sujeitos que deram voz a este trabalho afirmam que o fato de terem conseguido permanecer na escola,

ininterruptamente, por todo Ensino Fundamental, não significa dizer que a experiência escolar tenha sido vivenciada de forma tranquila, ao contrário, motivos para abandonar a escola foram muitos, tanto no que diz respeito às questões vividas no espaço extra, como intraescolar, como foi visto também em

outras pesquisas20. Aliás, faz-se importante destacar que, embora tais sujeitos

tenham desenvolvido trajetórias escolares diferentes da grande maioria dos/as estudantes que frequenta as escolas de EJA, os mesmos são portadores de histórias de vida muito semelhantes daquelas apresentadas entre os/as que costumam interromper suas trajetórias escolares.

A permanência do grupo de entrevistados/as na escola, em grande medida, pode ser justificada, entre outras razões, pela capacidade de negociação que cada um/a teve no momento em que foi preciso enfrentar as turbulências da vida cotidiana. Em dados momentos, no afã de garantir seu direito constitucional, aliás, direito humano, o de frequentar uma escola, alguns sujeitos chegaram a colocar em risco o próprio sustento e/ou de seus familiares, ao afirmar ao patrão que preferiam sair da empresa, a ter que abandonar a escola. Nesse sentido, acredita- se, o que contribuiu para que a trajetória escolar dos referidos sujeitos tomasse rumo distinto dos demais estudantes populares que frequentam as escolas de EJA diz respeito à disposição que os mesmos tiveram para enfrentar os obstáculos que foram surgindo no decorrer de sua experiência escolar. Inevitavelmente todos/as tiveram que superar adversidades, tanto fora da escola, como no interior dela. E quando não foi possível vencê-las, para permanecer na escola, tiveram que buscar novas rotas e, estrategicamente, contorná-las

A disposição do referido grupo, no que tange ao enfretamento das distintas adversidades, tem a ver com o que tais sujeitos objetivavam. Havia uma razão muito forte que justificava todos os esforços empreendidos para que a interrupção da escola não ocorresse. O sentido que a escola foi ganhando para cada um/a alimentava a capacidade de resistência e, ao mesmo tempo, maximizava o poder de superação que existia dentro deles/delas. Esse sentido tinha uma relação direta com os sonhos e, principalmente, com as expectativas depositadas na

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própria escolarização. Segundo Fonseca (2005, p. 33), muitos educandos “deixam a escola, sobretudo, porque não consideram que a formação escolar seja assim tão relevante que justifique enfrentar toda essa gama de obstáculos à sua permanência ali”. Tal assertiva ressalta o que foi dito anteriormente. De fato, havia nesse grupo algo que o tornava distinto da grande maioria dos estudantes que frequenta as escolas de EJA. A experiência escolar, defendiam os entrevistados, alicerçava e, ao mesmo tempo, ampliava o leque de possibilidades de se ter uma vida mais digna, econômica e socialmente, como por exemplo, a de contribuir no processo de escolarização dos/as filhos/as e netos/as (ISABELA, 47 ANOS); a de conseguir um emprego melhor, onde fosse possível trabalhar menos e ganhar mais (PRISCILA, 38 ANOS), aliás, justificativa da maioria; e/ou a de cursar o ensino superior (BÁRBARA, 30 ANOS).

Um outro aspecto a ser considerado, em relação à permanência do/a estudante da EJA na escola, diz respeito à aquisição de aprendizagens. É inegável que o prolongamento da presença do/a educando/a jovem, adulto/a e/ou

idosa na escola tem, a princípio, a capacidade de promover a

ampliação/aquisição de importantes competências para a lida da vida cotidiana. Os relatos sinalizaram que há diferentes percepções acerca da apropriação do saber vivenciada pelos/as educandos/as da EJA na escola. A desenvoltura na forma de se expressar, a autonomia na escrita e leitura, a descoberta de direitos até então ignorados, entre outras situações, foram apontadas como conhecimentos importantes que a experiência escolar proporcionou. “Estudos têm demonstrado que é necessária a presença destes estudantes pelo menos até um nível de escolaridade equivalente à 5ª série do Ensino Fundamental para garantir o pleno usufruto da sua capacidade de ler escrever e contar” (HADDAD, 2007, p.10). Para Charlot (2000, p. 60), “adquirir saber permite assegurar-se um certo domínio do mundo no qual se vive, comunicar-se com outros seres e partilhar o mundo com eles, viver certas experiências e, assim, tornar-se maior, mais seguro de si, mais independente”.

As falas dos sujeitos da pesquisa ao ressaltarem tais aprendizagens, a principio, pareciam um tanto quanto ingênuas. Mas, analisadas, nota-se que elas trazem à tona algumas questões que a escola, de modo geral, não tem dado

muito valor. O olhar escolarizado da instituição escolar, ou seja, a forma como a escola tende a enxergar os/as educandos/as da EJA, na mesma ótica em que se observa os/as estudantes do ensino regular, impede que tais aprendizagens, tão importantes para esse grupo – como aprender a se posicionar frente a uma discussão, a conhecer seus direitos, a de falar com desenvoltura diante de um público, entre outros –, sejam reconhecidas como aprendizagens de fato.

A ampliação da escolarização para os sujeitos da EJA se mostra como uma oportunidade geradora de projetos, os quais tendem a potencializar o processo de mudança em relação ao presente vivido (REIS 2009). Nesse sentido, vale destacar, o alargamento da experiência escolar, em grande medida, é consequência das estratégias de sobrevivência desenvolvidas por tais sujeitos durante o processo educativo, por essa razão elas ocupam lugar significativo, pois foram por meio das estratégias que os participantes desta pesquisa puderam superar e/ou contornar os obstáculos impostos pela vida cotidiana.

A pesquisa mostrou, ainda, que a permanência das pessoas que frequentam as escolas de EJA por um tempo mais estendido, além de criar condições de se fazer novas amizades, tende a reacender alguns sentimentos/sonhos que, a princípio, pareciam esquecidos/adormecidos. Assim foi possível constatar que, ao vivenciar o processo de escolarização, tais sujeitos passaram a sentir-se mais confiantes, autônomos e, sobretudo, interessados em conhecer seus direitos, assumir o que lhes foi negado por toda uma vida: sua cidadania.

Nesse sentido, a meu ver, os estudos em torno da permanência podem desconstruir uma ideia, há muito disseminada na sociedade: a de que a EJA seja lugar, apenas, dos fracassados, atendidos por uma proposta “igualmente” desvalorizada. Penso que, devido à importância para o campo de pesquisa, seja a hora de se investir mais em estudos que problematizem a temática da permanência. Acredito que, ouvindo os/as que conseguem permanecer na escola, seja mais fácil compreender e, por conseguinte, combater o processo que alimenta o fenômeno da interrupção. Diante dessa discussão, a da permanência

de sucesso escolar21 entre os/as estudantes que frequentam/frequentaram às escolas de EJA? Dito de outra forma, os/as educandos/as oriundos/as das classes de educação de jovens e adultos não alcançam o ensino superior?

Outro aspecto que contribuiu de forma significativa para que fosse possível construir trajetórias ininterruptas na EJA, diz respeito às relações de amizade construídas no interior da instituição escolar, dada a importância atribuída pelos/as entrevistados/as a essa questão. Para os sujeitos da pesquisa, a experiência vivida em torno da sociabilidade foi significativamente positiva, a ponto de ser lembrada como momentos nostálgicos. Nessa trama, muito se falou dos encontros, das festinhas e, sobretudo, das amizades que foram sendo construídas durante o percurso escolar. Segundo argumentaram, sempre que possível, buscavam permanecer na mesma turma, pois a intimidade construída ao longo do tempo ajudava a tornar a escola mais agradável, mais interessante.

A importância das experiências vividas em torno da sociabilidade, no que diz respeito à permanência do/a educando/a da EJA na escola, também foi apontada por Mileto (2009), em sua pesquisa intitulada “No mesmo barco, dando força, um ajuda o outro a não desistir – Estratégias e trajetórias de permanência na Educação de Jovens e Adultos”. Em uma de suas conclusões, o autor afirmou:

Foi possível concluir que os processos de permanência mantêm uma relação diretamente proporcional com as trajetórias escolares anteriores e com os processos de construção de redes de sociabilidade fundamentadas em vínculos de cooperação e solidariedade.

Ainda sobre as relações de amizade construídas na escola, merece destaque a atenção dispensada pelas instituições escolares aos estudantes que deixavam de frequentar a escola. Em parceria com os discentes, ao notar a ausência de determinado/a educando/a na escola, sempre que possível, professores/as e coordenadores/as se mobilizavam, na tentativa de trazer de volta

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Entende-se por sucesso escolar, nesse caso, a chegada do/a educando/a da EJA ao terceiro grau, cuja trajetória, quando realizada por sujeitos oriundos das classes populares, é denominada por Viana (2007), por Longevidade Escolar.

o/a educando/a ora desmotivado. O contato era feito das mais diversas formas, a saber: por telefone, bilhetes, recados e até por meio de visitas às moradias. De acordo com os relatos, diversos estudantes que haviam abandonado a escola, após o referido contato, acabaram retornando.

Diante do exercício que foi a realização desta pesquisa, fica a certeza de que tive a oportunidade de refletir e constatar o quanto as trajetórias humanas podem pesar sobre as escolares. Como disse Arroyo (2009), esses/as educandos/as, os da EJA, precisam ser vistos e compreendidos a partir das marcas que suas trajetórias humanas deixaram sobre cada um/a deles/as, pois sem compreender as primeiras, talvez, suas trajetórias escolares jamais serão compreendidas. Por tudo que vivi nesses últimos meses, tenho a certeza de que, ao concluir esta empreitada, tornei-me mais humano e, acredito, mais sensível ao olhar para esses sujeitos com os quais cotidianamente me esbarro, converso, enfim, com os quais encontro na escola, na rua, na vida.

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