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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No documento Imagens mí(s)ticas do gato (páginas 76-103)

O ser humano utiliza-se de diversos tipos de códigos para comunicar-se, exprimir sentimentos, opiniões e conhecimentos. Associados a esses códigos, verificamos o uso de vários tipos de linguagem, tais como: afetiva, cognitiva, dentre outras, das quais destacamos, especialmente, a linguagem simbólica. Essa utiliza um nome, uma imagem constituinte do símbolo o qual, representado por um objeto, por seres, etc., caracteriza-se por uma pluralidade de significados, que ultrapassa as evidências, o convencional. Assim sendo, o símbolo representa uma ideia, ou um conceito amplo, complexo.

O símbolo é também deflagrador de um trabalho de inúmeras possibilidades interpretativas, visto que ele é produto da obra e da imaginação humana e que possui função criadora e poética. Nessa perspectiva, vimos o homem inserido no universo, constituído pela linguagem, pela arte, pela religião e pelo mito, formadores do tecido simbólico em que se entrelaçam os fios aos quais está enredada a experiência humana.

Vastíssimo, portanto, é o campo de reflexões sobre a relação simbólica que se estabeleceu, através dos tempos, entre o universo humano e o animal. Nesse sentido vimos as relações possíveis de ser estabelecidas na apreensão das imagens mí(s)sticas, especialmente, a do gato, cuja natureza instintiva, aguçada ao extremo, certamente contribui para o constante apelo à sua imagem para se representar e se problematizar o humano. Sendo assim, se são inúmeras as relações entre os animais e o ser humano, no que se refere ao gato, essa diversidade se amplia. Além, todavia, de se ampliar, a simbologia do gato atravessa fronteiras de sentido e abarca em si contradições como o divino e o demoníaco, a liberdade e o aprisionamento, o erotismo e a castração, o feminino e o masculino.

Torna-se visível que a natureza ambivalente do animal no plano simbólico, que lhe permite significar quer o bem, quer o mal, põe em destaque os binômios antagônicos, a dualidade dos opostos que rege toda a existência da humanidade, propiciando-nos uma reflexão sobre a condição humana ou o que chamamos de formas de representação do humano por meio do universo felino.

A definição de uma tipologia que engloba as categorias gato lua, gato noturno, gato demoníaco, gato divino, gato mulher, gato erotismo; gato doméstico e gato de rua sustenta o reconhecimento de identidades possíveis entre esses

poemas e como fora dito quando da análise dos sentidos poéticos que apreendemos a partir das imagens mi(s)ticas do gato, temos nessas características a recorrência de um repertório simbólico diverso em si mesmo, mas coerente com a presença do gato na sociedade humana através dos tempos.

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Charles Baudelaire1

(Trad. Ivan Junqueira)

XXXIV O GATO

Vem cá, meu gato, aqui no meu regaço: Guarda essas garras devagar, E nos teus belos olhos de ágata e aço

Deixa-me aos poucos mergulhar Quando meus dedos cobrem as carícias

Tua cabeça e o dócil torso, E minha mão se embriaga nas delícias

De afagar-te o elétrico dorso, Em sonho a vejo. Seu olhar profundo

Como o teu, amável felino, Qual dardo dilacera e fere fundo,

E, dos pés à cabeça, um fino Ar sutil, um perfume que envenena

Envolvem-lhe a carne morena.

1

Para os poemas de Baudelaire, utilizamos as traduções feitas por Ivan Junqueira, na edição bilíngue de Flores do mal.

Charles Baudelaire

(Trad. Ivan Junqueira)

LI

O GATO I

Dentro em meu cérebro vai e vem Como se a sua casa fosse

Um belo gato, forte e doce, Quando ele mia, mal há quem Lhe ouça o fugaz timbre discreto; Seja serena ou iracunda

Soa-lhe a voz rica e profunda. Eis seu encanto mais secreto. Essa voz que se infiltra e afina Em meu recesso mais umbroso Me enche qual verso numeroso E como um filtro me ilumina. Os piores males ela embala E os êxtases todos oferta; Para enunciar a frase certa, Não é com palavras que fala. Não, não existe arco que morda Meu coração, nobre instrumento, Ou faça com tal sentimento Vibrar-lhe a mais sensível corda Que a tua voz, ó misterioso Gato de místico veludo, Em que, como um anjo, tudo É tão sutil quanto grandioso!

II

De seu pêlo louro e tostado Um perfume tão doce flui Que uma noite, ao mimá-lo, fui Por seu aroma embalsamado.

É a alma familiar da morada; Ele julga, inspira, demarca Tudo o que seu império abarca; Será um deus, será uma fada? Se neste gato que me é caro, Como por ímãs atraídos, Os olhos ponho comovidos E ali comigo me deparo,

Vejo aturdido a luz que lhe arde Nas pálidas pupilas ralas, Claros faróis, vivas opalas,

Charles Baudelaire

(Trad. Ivan Junqueira)

OS GATOS

Os amantes febris e os sábios solitários Amam de modo igual, na idade da razão, Os doces e orgulhosos gatos da mansão, Que como eles têm frio e cismam sedentários. Amigos da volúpia e devotos da ciência, Buscam eles o horror da treva e dos mistérios; Tomara-os Érebo por seus corcéis funéreos, Se a submissão pudera opor-lhes à insolência. Sonhando eles assumem a nobre atitude Da esfinge que no além se funde à infinitude, Como ao sabor de um sonho que jamais termina; Os rins em mágicas fagulhas se distendem, E partículas de ouro, como areia fina, Suas graves pupilas vagamente acendem.

João de Deus

A UMA GATA

Tu só pobre animal, beijas o triste! Tu que o rato devoras, e que os dentes Tens afiados para quando existe!

Caprichosa excepção! dize: Que sentes? Amas, pobre animal! E tens tu pena, Sim, pode na tua alma entrar liberdade? Se pode entrar eu sei! Negar quem há-de Amor ao tigre, coração à hiena!

...

Tudo no mundo sente: o ódio é prémio Dos condenados só que esconde o Inferno. Tudo no mundo sente: a mão do Eterno A tudo deu irmão, deu par, deu gêmeo.

A mim deu-me esta gata, a mim deu-me isto... Esta fera, que as unhas encolhendo

Pelos ombros me trepa e vem, correndo, beijar-me... Só não vivo! amado existo!

Friedrich Nietzsche

É noite: sobre os telhados de novo Se perde o rosto redondo da Lua. Ele, o mais ciumento de todos os gatos, Olha enciumado para todos os amantes, O pálido e gordo “Homem da Lua”.

Arrasta o seu cio furtivo pelos cantos mais escuros, Espreguiça-se encosta-se a janelas entreabertas, Como um frade lascivo e anafado anda

De noite, atrevido, por caminhos proibidos.

Paul Verlaine

I

MULHER E GATA Ela brincava com a gata

E era admirável ver as duas, A branca mão e a branca pata, Folgando à noite, na penumbra. Ela escondia – a celerada! – Sob as mitenes de fio escuro As assassinas unhas de ágata, Claras, cortantes, como um gume. Fingia-se a outra adoçada

E retraía a garra afiada, Mas o diabo nada perdia... E no toucador retinia

O som de aéreas gargalhadas E quatro pontos fosforesciam.

W. B. Yeats O GATO E A LUA O gato passeava aqui, ali, E a lua girava qual pião, E, parente próximo da lua,

Furtivamente, o gato olhava o céu. O negro Minnaloushe olhava, fixo, a lua Pois, embora miasse, vagueando, O seu sangue animal era agitado Pela luz pura e fria lá no céu. Minnaloushe corre pela erva,

Erguendo as patas muito delicadas. Danças, acaso, Minnaloushe, danças? Quando parentes próximos se encontram Há lá coisa melhor do que dançar.

Talvez a lua consiga aprender, Enfastiada desse tom cortês, Novo passo de dança.

Minnaloushe desliza pela erva

De um a outro lugar enluarado, e a lua sagrada e elevada Entrou agora numa nova fase.

Saberá ele que as suas pupilas Passarão de mudança em mudança, E que de fases cheias a crescentes, De crescentes a cheias mudarão? Minnaloushe desliza pela erva, Importante, sábio e solitário, E levanta para a lua mutante Os olhos em mudança.

Rainer Maria Rilke GATO PRETO

Um fantasma é ainda esse lugar

onde , soltando um som, pousas a vista; mas neste pêlo negro o teu olhar

mais atento se confunde e despista. como um louco que, no seu paroxismo, às cegas bate o pé no escuro, tropeça, e a quem de súbito absorve o abismo almofadado da cela, e tudo cessa. Todo o olhar que algum dia o tocou parece então em si dissimular, para sobre ele, ferino e agastado, provocar arrepios e adormecer. Mas eis que volta, de novo desperto, o rosto, e, imóvel, o fixa no teu: e tu redescobres o teu próprio olhar no âmbar gemado das pedras dos seus olhos redondos: estás aprisionado como um insecto fóssil, já morto.

Guillaume Appolinaire O GATO

Na minha casa desejo ter

Uma mulher que imponha a sua razão Um gato passeando por entre os livros E porque sem eles não posso viver Amigos seja qual for a estação

Umberto Saba

A GATA

A tua gatinha agora emagreceu. O seu mal não é senão o de amor: mal que ao teu cuidado a consagra. Não experimentas uma aflita ternura? Não a sentes vibrar como um coração por baixo da tua carícia?

Aos meus olhos é perfeita como tu esta tua bravia gata, mas é como tu rapariga

e namorada, sempre em busca,

que sem sossego por todo o lado te mexias, e tanto que diziam: “É doida”.

Manuel Bandeira

PENSÂO FAMILIAR Jardim da pensãozinha burguesa. Gatos espapaçados ao sol.

A tiririca sitia os canteiros chatos.

O sol acaba de crestar os gosmilhos que murcharam. Os girassóis

amarelo!

resistem.

E as dálias, rechonchudas, plebéias, dominicais. Um gatinho faz pipi.

Com gestos de garçom de restaurant-Palace Encobre cuidadosamente a mijadinha.

Sai vibrando com elegância a patinha direita: – É a única criatura fina na pensãozinha burguesa.

Fernando Pessoa

Gato que brincas na rua Como se fosse na cama, Invejo a sorte que é tua Porque nem sorte se chama. Bom servo das leis fatais Que regem pedras e gentes, Que tens instintos gerais E sentes só o que sentes. És feliz porque és assim, Todo o nada que és é teu. Eu vejo-me e estou sem mim, Conheço-me e não sou eu.

T. S. Eliot

COMO DAR NOME AOS GATOS Dar nome aos gatos é uma questão difícil, Não é nenhum jogo de férias;

Podeis pensar que sou doido varrido

Quando vos digo que um gato deve ter TRÊS DIFERENTES NOMES

Antes de mais nada, há o nome que a família emprega diariamente, Tal como Peter, Augustus, Alonzo ou James,

Tal como Victor ou Jonathan, George ou Bill Bailey – Todos eles sensatos nomes de todos os dias

Há nomes de maior fantasia se achais que soam melhor, Alguns para cavalheiros, alguns para as damas:

Tais como Platô, Admetus, Electra, Demeter – Mas todos eles sensatos nomes de todos os dias

Mas, digo-vos eu, um gato precisa de um nome que seja particular, Um nome que seja peculiar, e mais dignificado,

Senão, como pode ele manter a cauda perpendicular, Ou estender os bigodes, ou encarecer o orgulho? De nomes desta espécie dou-vos um quorum, Tais como Muskustrap, Quaxo ou Coricopar, Tais como Bombalurina, ou então Jellylorum – Nomes que nunca pertencem a mais do que um gato Mas, mais acima e mais além, falta ainda outro nome, E esse é o nome que jamais adivinhareis;

O nome que nenhuma investigação humana pode descobrir – Mas o PRÓPRIO GATO sabe-o, nunca confessará.

Quando se vê um gato em profunda meditação, A razão, digo-vos eu, é sempre a mesma: O seu espírito está em ávida contemplação

Do pensamento, do pensamento, do pensamento do seu nome: Do seu inefável efável

Efaninefável

COMO DIRIGIR-NOS AOS GATOS Vós já haveis lido acerca de muitas espécies de gato E agora aminha opinião é a de que

Não precisais de intérprete

Para compreender o seu carácter.

Haveis aprendido o suficiente para verem

Que os gatos são muito parecidos connosco e comigo E com outras pessoas que encontramos

Possuídas por várias espécies de espírito. Pois algumas são sãs e outras são loucas E algumas são boas e outras são más

E algumas são melhores, outras são piores – Mas todas podem ser descritas em verso.

Haveis visto os gatos tanto no trabalho como em jogos.

No documento Imagens mí(s)ticas do gato (páginas 76-103)

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