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Ao traçarmos um histórico do teatro de resistência brasileiro de suas origens, na oposição ao regime militar, até as questões que exigem resistência na atualidade, como a representatividade e a promoção da igualdade de direitos civis, percebemos que o teatro é, ainda, um instrumento de posicionamento político e transformação social que opera por meio da mediação artística e cultural. Compreendemos, destarte, que essa expressão se relaciona com os conceitos de comunicação de resistência por três motivos: primeiro, por se tratar de um veículo intimista e anti- hegemônico frente aos meios de comunicação de massa; segundo, por possuir, em grande parte, um posicionamento político e de rompimento de padrões; e terceiro, por partir de grupos minoritários em resposta à realidade social vivenciada. Vale ressaltar que, ao longo da escrita deste trabalho, o Brasil voltou a presenciar ataques de grupos de extrema-direita contra manifestações artísticas, populares e mesmo universitárias que muito se aproximam de episódios vividos nas décadas de 1960 e 1970. Nesse cenário, o estudo da resistência por meio da comunicação e da arte se faz ainda mais relevante.

Percebemos, ao longo da pesquisa, que o impacto da intervenção teatral pode ser percebido, além do aspecto social, na transformação de espaços urbanos. Isso ocorre principalmente porque as apresentações de espetáculos têm como consequência uma circulação de público nesses locais, o que promove uma oxigenação da cidade de forma não necessariamente gentrificada. No caso d’Os Satyros, a ressignificação do espaço urbano vai ainda além da circulação de público quando a companhia passa a acolher as comunidades locais como parte de sua existência e, por vezes, até de seus elencos, e promover eventos culturais em locais abertos à comunidade externa. As articulações realizadas pelos diretores da companhia em suas viagens, na instalação da sede na Praça Roosevelt e, recentemente, na defesa da utilização do espaço da Praça Roosevelt para a apresentação das Satyrianas, demonstra uma exemplar habilidade de relações públicas, ainda que não premeditada. Essa sociabilidade e gestão de relacionamentos, inclusive, pode servir como modelo para a forma como uma organização deve se posicionar quando da sua instalação em uma cidade – o que, em grandes indústrias, podemos relacionar à contratação de moradores locais ou a políticas públicas de assistencialismo e sustentabilidade.

No que concerne à identidade, pudemos observar que a identidade organizacional no caso d’Os Satyros é muito relacionada à sua multiplicidade. Tal qual observamos na pesquisa dos Estudos Culturais, as identidades são compostas por significados e relações construídos a todo momento. No caso da companhia, que desde o início passou por situações diversas dentro e fora do Brasil, isso é muito cabível. Em um sentido de identificação por parte dos públicos, pudemos perceber que as afinidades entre Os Satyros e seus interlocutores são tão variadas quanto as próprias identidades. Esse processo é sempre incentivado pelo grupo, que acolhe tanto os públicos espectadores quanto a comunidade que habita o ambiente externo. Pudemos observar que a familiarização das pessoas com a imagem d’Os Satyros – por imagem, considero a junção de companhia, espetáculos, artistas, escola e festival que já se faz presente no imaginário da cidade – é, sim, um fator que opera a favor de sua manutenção. Com isso, percebemos que existe um público que busca a companhia atraído pela imagem que a precede; este pode assistir aos espetáculos já com a expectativa de surpreender-se e, de alguma forma, transformar-se. Por outro lado, há também um público que já conhece o trabalho da companhia e que se aproxima justamente pelo seu significado no campo da representatividade, do acolhimento e da arte em seu sentido essencial.

Concluímos, portanto, que os processos comunicativos d’Os Satyros, seja por meio dos espetáculos e divulgações, seja por meio das Satyrianas ou mesmo dos cursos livres de teatro, são possibilitados e guiados pelo seu próprio objetivo de resistência e sobrevivência. Podemos afirmar que o exercício do teatro sempre será, de todas as maneiras, uma tentativa de ruptura com padrões impostos pelo establishment, pelas simples propostas de aproximação pessoal e contato real. Em outras palavras: se a arte existe, ela resiste. Pelas mãos d’Os Satyros, esse local, por si só extremamente significativo, tem sido utilizado ainda para defender a visibilidade e a voz de grupos dissidentes de forma livre e autossuficiente, de forma que dialoga tanto com a essência da comunicação quanto com a essência do próprio teatro.

Nesta pesquisa, pudemos perceber como ainda há certa tensão e complexidade ao aplicarem-se definições de relações públicas a organizações não convencionais – o fato de as lógicas e os objetivos não serem guiados pela multiplicação de lucros já faz com que os processos comunicativos sejam totalmente diversos e as estratégias sejam adotadas de formas particulares. Somada a isto, há

a descoberta de uma identidade organizacional que deriva de múltiplas identidades, que se relacionam, por suas vezes, a públicos de identidades ainda mais variadas. O estudo nos aponta uma forma de comunicação de resistência culturalmente mediada pelo teatro. No entanto, a análise indica vertentes da resistência ainda mais amplas e uma sobrevivência que luta não apenas contra a supressão por parte de um grupo hegemônico, mas também contra censuras de grupos de diferentes posições, que vão desde comunidades conservadoras até órgãos públicos. Concluído este trabalho, a pesquisa apresentada abre margem para estudos com pelo menos três possíveis e diferentes enfoques: os processos comunicativos e de relações públicas em companhias teatrais; a sociabilidade organizacional no espaço urbano como estratégia de construção de relacionamentos com públicos; e a identidade e o comportamento organizacional nas relações públicas de grupos artísticos.

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