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1 DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO

6.3 DA UTILIZAÇÃO DO MANDADO DE SEGURANÇA PARA REFORMA

6.3.1 Considerações Gerais

A insatisfação em face das decisões judiciais, autorizando sua impugnação, em regra, já vem pré-determinada pelo sistema processual e dá- se por meio da utilização dos recursos (vide Capítulo 3). Nas palavras de Humberto Theodoro Jr.273“É, pois, pelo recurso que se sana o erro ou o abuso cometido pela autoridade judiciária, no bojo dos processos”.

No entanto, se o ato judicial não está submetido a nenhum recurso, ou se o recurso não é atribuído efeito suspensivo, pode ser este atacado por meio

272 STJ, RMS 28737/SP. 2ª Turma. Relator Castro Meira. Julgado em. 09/02/2010. Publicado

em 24/02/2010.

273 THEODORO, Humberto Jr. O mandado de segurança segundo a Lei n. 12.016, de 07 de agosto de 2009. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 14.

do mandamus (art. 5º, II, da Lei 12.016/09)274. Não é possível afastar os atos judiciais da submissão a este remédio heroico.

Realmente, não há motivo para restrição da segurança em matéria judicial, uma vez que a Constituição da República a concede amplamente “para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica, no exercício de atribuições do Poder Público” (art. 5º, LXIX). Provenha o ato ofensor do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário, o mandamus é o remédio heroico adequado, desde que a impetração satisfaça seus pressupostos processuais.275

Teresa Arruda Alvim Wambier276, tratando da questão afirma que:

Estando preenchidos, na situação concreta, os requisitos de natureza constitucional (ato ilegal ou abusivo, que ofenda direito líquido e certo) e não oferecendo, o sistema da lei ordinária, solução eficaz, eficiente, operativa, pode a parte lançar mão do mandado de segurança para impugnar a decisão judicial.

Humberto Theodoro Jr. imprimindo didática ao estudo da matéria, juntamente ao que aceito pela jurisprudência, afirma que são necessários, como regra, três requisitos para admissão do mandado de segurança em face de ato judicial: “I) inexistência de instrumento recursal idôneo para a necessária

274 Esta afirmativa deve-se a uma interpretação em sentido contrário do artigo 5º, II da Lei

12.016/09: “Não se concederá mandado de segurança quando se tratar: [...] II – de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo.”

275 MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnaldo; MENDES, Gilmar Ferreira. Mandado de segurança e ações constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 45.

276 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC Brasileiro. 4ª edição revista, ampliada

defesa do direito lesado ou ameaçado; II) inocorrência de coisa julgada277; e III) ocorrência de teratologia na decisão impugnada.”278

As decisões previstas no parágrafo único do artigo 527, do Código de Processo Civil, foram excluídas do âmbito da recorribilidade por opção do legislador. Fredie Didier Jr., acompanhado de Leonardo José Carneiro da Cunha279, tratando da não aceitação da jurisprudência da possibilidade de reforma destas decisões por meio de agravo interno (regimental)280, relatam do estímulo ao uso do mandado de segurança para atacar atos judiciais.

Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina defendendo o uso do mandamaus nestas hipóteses afirmam:

“É que, de acordo com o parágrafo único do art. 527, tal decisão “somente é passível de reforma no momento do julgamento do agravo, salvo se o próprio relator a reconsiderar.” Parece assim, que a intenção do legislador foi a de tornar recorrível tal decisão, o que, inexoravelmente, ensejaria o cabimento do mandado de segurança contra tal pronunciamento judicial (Lei 12.016/2009, art. 5º, II)”281.

277

Súmula 268 do STF: “Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial com trânsito em julgado.”

278 THEODORO, Humberto Jr. O mandado de segurança segundo a Lei n. 12.016, de 07 de agosto de 2009. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 16.

279 DIDIER, Fredie Jr., CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. Meios de impugnação às decisões judiciais e processos nos tribunais. Volume III. Salvador: JusPodium, 2011. p. 172.

280 AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO - PROCESSUAL CIVIL

– INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO INTERNO CONTRA A DECISÃO DE RELATOR QUE, EM SEDE DE AGRAVO DE INSTRUMENTO, CONVERTEU O AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RETIDO -IRRECORRIBILIDADE DESTA DECISÃO - INTELIGÊNCIA DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 527, CPC - FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA - MANUTENÇÃO - RECURSO IMPROVIDO. (STJ, AgRg no Ag 1250783/MT. 3ª Turma. Relator Massami Uyeda. Julgado em. 03/08/2010. Publicado em 18/08/2010). No mesmo sentido: STJ, Resp 896.766/MS, 3ª Turma, relator Gomes de Barros, julgado em 17/03/2008, publicado em 13.05.2008; e STJ, Resp 1.161.847/TO, 2ª Turma, relatora Eliana Calmon, julgado 23/02/2010, publicado em 04.03.2010.

281 MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recursos e ações autônomas de impugnação. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2011. p. 180.

Ocorre, todavia, que conforme trata Cassio Scarpinella Bueno282, não se trata de hipótese genérica de aceitação de mandado de segurança, para fins de reforma do que decidido.

Como já introduzido, as hipóteses de cabimento do mandado de segurança contra ato judicial pressupõem um mal funcionamento do sistema recursal, o que não é possível se depreender nesta hipótese. Ora, as decisões monocráticas dos tribunais são atacadas por meio do recurso do agravo interno ou regimental, não havendo que se falar em necessidade de utilização do mandado de segurança para tanto.

Ainda mais, o Tribunal Regional Federal da Terceira Região283 ao afastar a viabilidade do mandado de segurança nesta espécie aduz sobre a violação ao princípio do “juiz natural”. Ora, ao admitir a revisão destas decisões, por meio do mandado de segurança, estar-se-á autorizando o deslocamento da competência das turmas ou câmaras para apreciação das razões recursais para o órgão especial.

No entanto, até os dias atuais o Superior Tribunal de Justiça não pacificou a questão. Incialmente, nos anos de 2007 e 2008, por exemplo, os julgados284 em sua maioria preveem uma possibilidade irrestrita de impugnação

282 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de Direito Processual Civil. Recursos. Processos e incidentes nos Tribunais. Sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões judiciais. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 214.

283 "MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO JUDICIAL. DECISÃO QUE DEFERIU

EFEITO ATIVO A AGRAVO DE INSTRUMENTO. LEI N.º 11.187/2005. NOVA REDAÇÃO DO ARTIGO 527, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. CARÊNCIA DA AÇÃO MANDAMENTAL. [...]- Das decisões, provisórias ou definitivas, de primeira instância, cabem recursos que são submetidos às turmas dos tribunais, as quais são o juízo natural. O deslocamento de apreciação delas ou sua revisão para outros órgãos fracionários da corte, como no caso o Órgão Especial, ferem o princípio e a garantia mencionada. O Órgão Especial não é instância revisora das turmas. - Agravo regimental desprovido." (TRF3, AgReg no MS nº 2006.03.00.035831-9. Órgão Especial. Relator André Nabarrete. Julgado em 14/09/2006. Publicado em 02/10/2006.)

284 PROCESSO CIVIL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. POSSIBILIDADE DE

IMPETRAÇÃO DO WRIT, VISANDO A IMPUGNAR DECISÃO IRRECORRÍVEL PROFERIDA PELO RELATOR QUE, NOS TERMOS DO ART. 522, II, DO CPC (COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 11.187/2005), DETERMINOU A RETENÇÃO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO PELA PARTE. O PRAZO PARA A IMPETRAÇÃO DO WRIT NÃO SE INTERROMPE OU SE SUSPENDE COM O PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO. - Por ser garantia constitucional, não é possível restringir o cabimento de mandado de segurança. Sendo irrecorrível, por disposição expressa de lei, a decisão que determina a conversão de agravo de instrumento em agravo retido, ela somente é impugnável pela via do remédio heróico. [...]

destas decisões por meio do mandado de segurança. Já no ano de 2010, alguns julgados285 foram restringindo o uso do mandamus para as hipóteses em que a decisão caracterize-se como teratológica, representando evidente controle de ilegalidade ou abuso de poder, exercido pelo relator.

Essa questão foi bem explicitada no voto do relator Castro Meira, no julgamento do recurso ordinário em mandado de segurança286:

Argumentar com a irrecorribilidade da decisão não colhe, de modo a que se possa abrir a via mandamental. Nada de extraordinário. O legislador, como disse, com a modificação imposta ao parágrafo único do artigo 527 do Código de Processo Civil, possibilitou a reconsideração da decisão pelo relator ou sua reforma quando do julgamento do agravo. Quis afastar a proliferação de meios para a reforma de decisões judiciais, impedir que a parte pudesse, sem limites, buscar a reversão do provimento desfavorável. É sistema que não deve

Precedentes. Recurso ordinário não provido. (STJ, RMS 25143/RJ, 3ª Turma, Relatora Nacy Andrighi. Julgado em 04/12/2007. Publicado em 19/12/2007).

RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONVERSÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RETIDO. CABIMENTO DO WRIT NA ESPÉCIE. MÉRITO. RETORNO DOS AUTOS PARA A ORIGEM. 1. Não havendo previsão de recurso contra decisão que determina a conversão de agravo de instrumento em agravo retido, deve ser admitido o manejo do mandado de segurança. Precedentes. 2. Não tendo sido apresentadas as informações pela autoridade impetrada e havendo necessidade de exame da prova pré-constituída acostada aos autos, não é de se aplicar, à espécie, a teoria da causa madura. 3. Recurso ordinário parcialmente provido para determinar o retorno dos autos à origem. (STJ, RMS 25619/BA, 4ª Turma, Relator Fernando Gonçalves, julgamento 21/08/2008, publicado em 01/09/2008)

285 PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE

SEGURANÇA. INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO DE GÁS NATURAL. INADIMPLÊNCIA CONTRATUAL. CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO A AGRAVO DE INSTRUMENTO. AGRAVO REGIMENTAL INTERPOSTO E OBSTADO. ART. 527, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. CABIMENTO EXCEPCIONAL DO MANDAMUS. AUSÊNCIA DE TERATOLOGIA OU FLAGRANTE ILEGALIDADE DO ATO JUDICIAL. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. O mandamus foi impetrado contra ato proferido pela Desembargadora Relatora do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, com o objetivo de destrancar agravo regimental interposto contra decisão que atribuiu efeito suspensivo a agravo de instrumento. 2. Quando a ilegalidade deriva de ato judicial, não se admite o writ nos casos em que há recurso passível de impugnar a decisão combatida, a teor do disposto na Súmula 267/STF. Entretanto, essa vedação não possui caráter absoluto. A interpretação que melhor se coaduna com a finalidade da ação mandamental é a que admite a impetração do mandamus, quando houver obstáculo à interposição de recurso capaz de evitar ou reparar lesão a direito líquido e certo do impetrante. 3. Tratando-se de mandado de segurança contra ato judicial, além da irrecorribilidade da decisão, exige-se que o impetrante demonstre a flagrante ilegalidade ou teratologia no julgado impugnado, de modo a evidenciar a lesão ao direito líquido e certo suscitado no writ. [...] 7. Recurso ordinário em mandado de segurança não provido. (STJ, RMS 30608/RN, 2ª Turma, Relator Castro Meira, julgado em 02/03/2010, publicado em 10/03/2010).

286 STJ, RMS 28737/SP. 2ª Turma. Relator Castro Meira. Julgado em 09/02/2010. Publicado

ser subvertido, há de ser respeitado, dentro, é claro, do exercício conforme do ato judicial.

Limites foram estabelecidos buscando a estabilização das decisões judiciais. Conferiu-se ao relator o poder de novo exame de sua decisão, podendo, até mesmo, antes, submeter a análise do efeito suspensivo ao colegiado. Nada que cause espanto. Muito se viu, ao longo de passado não muito distante, a preocupação com o volume de agravos que aportavam nos tribunais. Não satisfeita a parte diante de decisão desfavorável de relator, seu inconformismo, não mais na via do recurso, partia em direção à via mandamental. Este Órgão Especial a iniciativa brecou. (...)

Antes das alterações trazidas pela Lei nº 11.187/05, não era diferente. O relator decidia o pedido de efeito suspensivo, vinha agravo regimental que não era imediatamente levado em mesa. Costumeiramente, julgava-se o agravo de instrumento, não o regimental. Decidia o relator no início da marcha recursal, depois o colegiado. Entre os marcos, a possibilidade de retratação. E este Órgão Especial foi firme na inadmissibilidade do mandado de segurança, ao argumento de que não deveria exercer a função de órgão revisor das turmas. Quem examina se estão presentes os pressupostos para a concessão do efeito suspensivo é o relator do agravo de instrumento. Poder discricionário que a lei lhe confere, judicando com grau de subjetividade, de modo a que possa enxergar ou não relevância e lesão grave e de difícil reparação, conceitos jurídicos indeterminados. (...)

A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a impetração de mandado de segurança contra ato judicial é medida excepcional, o que faz que a admissão do writ encontre-se condicionada à natureza teratológica da decisão combatida, seja por manifesta ilegalidade, seja por abuso de poder.

No entanto, os mais novos julgados287 deste Tribunal tem tendido a retornar a posição inicial, qual seja, a de que é cabível a figura do mandado de segurança irrestritamente.

287 AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CONVERSÃO

DE AGRAVO DE INSTRUMENTO EM AGRAVO RETIDO. ART. 527, II, DO CPC. HIPÓTESES DE CABIMENTO. 1. O Superior Tribunal consolidou o entendimento de que acarreta o reexame vedado pela Súmula 7 desta Corte infirmar a conclusão do colegiado de que não estavam presentes os requisitos de urgência ou perigo de lesão grave ( art. 527, II, do CPC) que justificassem a não-retenção do agravo. 2. A decisão do relator que defere ou infere o pedido de efeito suspensivo, no âmbito de agravo de instrumento, mercê da impossibilidade de sua revisão mediante a interposição de agravo previsto em regimento interno, porquanto sujeita apenas a pedido de reconsideração (parágrafo único do art. 527, do CPC), desafia a impetração de mandado de segurança. Precedentes. 3. Afasta-se a pretensão de se alargar as hipóteses do recebimento de agravo de instrumento, quando não se tratar de decisão

6.3.2 Da decisão que converte o agravo de instrumento em agravo