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3. O PONTO-DE-VISTA NO MODO DRAMÁTICO

5.5 Constelação dos atores

Eberhard Hermes (1995) define a constelação das personagens num determinado texto dramático a partir das relações estabelecidas entre elas. Estas relações podem ser tanto de cunho familiar, como de cunho amoroso, social ou hierárquico de qualquer natureza. Constrói-se então uma rede de ligações, cabendo àquelas personagens com o maior número de relações, o lugar central nesta constelação.

Hermes também considera as estruturas narrativas mais profundas, conferindo nas oposições entre protagonista e antagonista, actantes contrastantes e actantes correspondentes, causadores da intriga e suas vítimas, o mesmo grau de importância para a montagem da constelação. Aqui, percebe-se a aproximação com os actantes do modelo greimasiano, como por exemplo entre protagonista e sujeito ou entre actantes correspondentes e o sujeito e os adjuvantes. Já Patrice Pavis usa o termo configuração30 ao invés de constelação. O teatrólogo francês diz que: “A configuração das personagens de uma peça é a imagem esquemática de suas relações em cena ou no sistema teórico actancial. É o conjunto da rede que liga as diversas forças do drama ”. (PAVIS, 1999, p. 67, grifo do autor).

Imediatamente ele resgata, ainda na definição do conceito de configuração, o princípio básico da semiótica: “Quando se fala em configuração indica-se uma visão estrutural das personagens: cada figura não tem em si realidade ou valor, ela só vale se integrada ao sistema de forças das figuras; portanto, vale mais por diferença e relatividade do que por sua essência individual. (PAVIS, 1999, p. 67, grifo do autor).

Quanto ao conceito de ator, ao contrário de A. Ubersfeld, que termina a sua explanação sobre este termo com uma dada afirmação, nós preferimos iniciar com ela. A autora (2005) conclui o subcapítulo afirmando que é a definição dos atores que irá esclarecer o universo de um determinado autor dramático. É o que comumente se diz de uma obra literária: que apesar de serem vários os livros, o escritor insiste constantemente com os mesmos temas apoiado nas mesmas personagens. Estas personagens, na correta acepção do termo, não podem ser as mesmas, elas variam de uma narrativa à outra. O que dá a idéia de repetição nos aproxima então da idéia de ator.

Antes de prosseguir, cabe uma importante menção de Pavis (1999, p. 9), ao definir o conceito greimasiano de ator : “no sentido técnico do termo, e não no sentido de ‘aquele que atua,

que representa personagens’”. Ou seja, estamos trabalhando com o conceito intermediário entre actante e personagem, e não com a idéia da profissão em si.

Apliquemos estes três conceitos diretamente em um dos textos de Tchekhov para melhor compreendermos o que vem a ser um ator.

Em Tio Vânia, a personagem de Vânia é ao mesmo tempo diferentes actantes, dependendo de qual modelo actancial estamos estabelecendo. No seu próprio modelo, Vânia é o sujeito. Já no modelo de Serebriakov, Vânia ocupa a casa do opositor. Logo, uma personagem pode ocupar diferentes posições actanciais, assumindo assim a posição de diferentes actantes.

A personagem propriamente dita é aquela construção narrativa peculiar, ou seja, Vânia é único e só aparece naquela peça específica31.

O ator, por sua vez, segundo A. Ubersfeld (2005, p. 63, grifo do autor):

...é, portanto, um elemento animado caracterizado por um funcionamento idêntico, se necessário, com diversos nomes e em diferentes situações. Desse modo, em As trapaças de Escapino , Escapino, qualquer que seja seu papel actancial (destinador, sujeito ou adjuvante, conforme o modelo construído e conforme as seqüências ), é o ator-fabricante de trapaças, cuja ação repetitiva é enganar os outros: daí a narração repetitiva das “patifarias” das quais ele se tornou culpado em relação a Leandro. Ele pode ser muito parecido com outra personagem que terá o mesmo papel actorial que ele, de deceptor.

Assim como Molière possuía um repertório de atores que iam e voltavam ao longo de sua obra dramática, Tchekhov, numa análise mais detalhada de seus dramas, também possuía estes “elementos animados” de que fala Ubersfeld, recorrentes. Em relação ao corpus desta dissertação, foi estabelecida uma análise de quais seriam estes atores mais relevantes. A partir de então, se construiu uma pequena constelação (ou configuração, como prefere Pavis), para se visualizar estas relações. E indo mais além, no que realmente interessa ao propósito central desta pesquisa, para se verificar quais personagens ocupam estas posições, na incessante busca de uma possível definição de um protagonista nos textos de Anton Tchekhov.

Os atores presentes tanto em Tio Vânia, A gaivota , As três irmãs como em O jardim das

cerejeiras são :

31 Não se pretende aqui abrir uma discussão a respeito do que vem exatamente a ser uma personagem. Tomamos este

conceito apenas para opô-lo aos de ator e actante, todos eles pertencentes às estruturas profundas e superficiais de que fala Greimas.

1. Um homem, residente na província, frustrado com a vida que leva;

2. A irmã deste, que vive numa cidade maior e chega à província, alterando o status quo do local;

3. Uma personagem absolutamente fascinante para certo número de personagens da província, trazida pelo actante 2, na condição de amante;

4. Um descendente de 2 que vive na província ao lado de seu parente 1, da mesma forma infeliz com a vida que leva;

5. Um habitante da província, ligado à família, mas não-morador na propriedade.

Para se definir o conceito de ator, A. Ubersfeld (2005, p. 63, grifo do autor) recupera conceitos de Jakobson e Lévi-Strauss:

O ator se caracteriza por um certo número de traços diferenciais de funcionamento binário, análogo ao fonema, segundo Jakobson, o ator é um “feixe de elementos diferenciais”, próximos do que Lévi-Strauss denomina mitemas : “Em um conto (acrescentaríamos de bom grado : em um texto teatral) um “rei” não é somente um rei, uma “pastora”, uma pastora. Mas essas palavras e os significados que elas recobrem tornam-se meios sensíveis de construir um sistema inteligível, formado por oposições macho/fêmea (do ponto de vista da natureza) e alto/baixo (do ponto de vista da cultura) e de todas as permutas possíveis entre os seis termos”. Consideramos a relação entre mitema e sema apenas como uma comparação, não uma identificação. Entretanto, acrescenta Lévi-Strauss, e isso nos aproxima de nosso âmbito de pesquisa: “(esses mitemas) resultam de um jogo de oposições binárias ou ternárias (o que os torna comparáveis ao fonema), mas com elementos já investidos de significação no plano da linguagem e que são exprimíveis por termos do vocabulário”.

Será através destas oposições binárias que as constelações serão construídas.

O ator por nós definido como número 1, por exemplo, é um homem em oposição à mulher, reside na província em oposição aos que partiram dela, e é frustrado com a vida em oposição aos que estão satisfeitos com ela.

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