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5. Contrariar, negar vigência ou aplicar indevidamente o enunciado da súmula

5.4 Contencioso administrativo mitigado

A questão do contencioso administrativo mitigado se mostra extremamente interessante, senão imprescindível para que a súmula vinculante alcance os objetivos para os quais fora criada.

Primeiramente cabe considerar que, como regra, toda decisão judicial ou ato administrativo que violar as diretrizes emanadas por uma súmula vinculante dará ensejo para propositura de reclamação constitucional ao Supremo Tribunal Federal, buscando a revogação de tal decisão ou ato.

Essa regra foi inserida por meio da Reforma do Judiciário no texto constitucional que no § 3º do art. 103-A preceitua:

§ 3º. “Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão reclamada, e determinará que seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.

Pela análise do texto acima verifica-se que a regra é a do cabimento da reclamação constitucional quando diante de uma decisão ou ato administrativo que viole orientação sumular, no entanto, como anteriormente explanado, a Constituição Federal concedeu certa liberdade ao legislador ordinário para dispor sobre o mecanismo sumular vinculante, e com essa abertura a Lei da Súmula Vinculante estabeleceu uma restrição à propositura de reclamação constitucional em face de ato administrativo que aparentemente a viole.

Assim, a LSV em seu art. 7º, § 1º dispôs:

§ 1º. “Contra omissão ou ato da administração pública, o uso da reclamação só será admitido após esgotamento das vias administrativas.”

A LSV menciona em seu texto “omissão ou ato da administração” ao invés de ater-se ao texto constitucional que referiu-se à “ato administrativo”.

Tal discrepância não deve ser deixada de lado, pois a diferença de termos soa como uma tentativa da lei ordinária de ampliar o âmbito de cabimento da reclamação constitucional, pois os atos da Administração Pública podem abranger tanto os atos típicos, aqueles regidos pelo Direito público, quanto os atípicos, os regidos pelo direito privado.

Para TAVARES (2007)37 somente em face de atos administrativos que supostamente violassem enunciado sumular vinculante é que seria permitida a propositura de reclamação constitucional e, desta forma, torna-se necessária a redução do alcance deste dispositivo da LSV através de uma declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto com o objetivo de evitar-se permitir reclamações ao S.T.F. em face de atos da administração que não aqueles regidos pelo Direito público.

Porém, questão que se apresenta igualmente importante é a do contencioso administrativo mitigado, isto é, o esgotamento das vias administrativas como pressuposto para propositura da reclamação constitucional.

A possibilidade de reclamação constitucional frente a atos administrativos ou decisões que violem súmula vinculante objetivou resguardar a observância dos enunciados sumulares e consequentemente reduzir o número de processos endereçados ao Supremo Tribunal Federal.

Especificamente sobre esta questão TAVARES (2007) disserta:

“A abertura da reclamação constitucional para as hipóteses de descumprimento de súmula vinculante (aqui sempre referida como reclamação constitucional por descumprimento) era, paradoxalmente, a melhor solução para impor a certeza da observância da súmula vinculante, proclamada ao som ensurdecedor de uma bomba-relógio

prestes a explodir a organização e a capacidade de trabalho que ainda restam ao STF” (TAVARES, 2007, pág. 84).

Diante desse cenário que de um lado apresentava um novo mecanismo destinado à redução da inflação processual no âmbito do Supremo Tribunal Federal e de outro a possibilidade de recorrer de atos administrativos e decisões que supostamente contrariassem enunciado de súmula vinculante através de reclamação constitucional endereçada ao STF, vislumbrou-se o risco de ineficácia da súmula vinculante, especialmente por uma possível propositura massificada de reclamações constitucionais em face de atos administrativos.

Nesse sentido TAVARES (2007):

“Isso era particularmente preocupante em virtude do cabimento da reclamação quando do descumprimento de súmula por ato administrativo, nos amplos termos previstos na Constituição após EC 45/2004. Até então, a reclamação cingia-se ao âmbito judicial. Com mais de 5.500 municípios, além dos estados-membros e da União, produzindo, diariamente, toneladas de atos administrativos na inércia de sua burocracia, não seria um pensamento cerebrino imaginar uma catástrofe aproximando-se rapidamente” (TAVARES, 2007, pág. 84).

Em face desse risco a LSV buscou conter a multiplicação de reclamações constitucionais em face de atos administrativos que violassem súmula vinculante estabelecendo um pressuposto, qual seja, o esgotamento das vias administrativas para só depois abrir a possibilidade de reclamação constitucional.

Muitos podem levantar a questão de que a vinculação dos enunciados sumulares e o estabelecimento de pressupostos para propositura de reclamação constitucional ferem o direito ao acesso ao Judiciário. Porém,

parece tal entendimento estar chocando-se frontalmente com a interpretação valida do que realmente significa acesso “ilimitado” ao Judiciário.

TAVARES (2007) tece relevantes considerações sobre essa questão:

“Neste ponto, é preciso reafirmar que acesso “ilimitado” ao Judiciário não pode ser confundido como acesso “ilimitado” ao STF enquanto Justiça Constitucional concentrada ou final. A idéia de acesso à Justiça Constitucional deve ser compreendida e proporcionada exclusivamente pelo modelo de controle difuso-concreto (cf. TAVARES, 2005ª: 409), não por uma ilimitada actio popularis direta ao STF. A capacidade operativa de um Tribunal Constitucional ou de uma Corte Suprema que desempenhe a função desse Tribunal em dado ordenamento (como o STF) deve partir da adoção da tese de “jurisdição constitucional como bem escasso” (WAHL, WIELAND, 1997: 12-35).

Assim, apresenta-se pertinente os apontamentos de TAVARES com os quais aqui se corrobora, vez que conter as reclamações constitucionais em face de ato administrativos foi medida adequada e legítima adotada pela LSV que teve seu fundamento de validade na Constituição Federal de 1988, tendo em vista que a massificação de tais instrumentos impugnatórios tornaria inócuo o mecanismo da súmula vinculante no que tange ao controle numérico de processos endereçados ao Supremo Tribunal Federal.

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