O quadro da arquitetura brasileira do período, já estudado na análise do papel de Levi na historiografia, é de convivência de inúmeros raciocínios, entre eles, os que tentam introduzir as vanguardas modernas. Mesmo que panoramicamente ‐ o que pressupõe uma inevitável superficialidade ‐ me parece interessante fazer um levantamento dessas iniciativas, contemporâneas às obras examinadas de Levi.
Cronologicamente, a primeira é a de Gregori Warchavchik, já referida neste trabalho algumas vezes, mas sempre se restringindo à
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residência do arquiteto83, a conhecida Casa da Rua Santa Cruz, São
Paulo, 1927/28.[112]. Lendo o manifesto Acerca da Arquitetura
Moderna (1925) ‐ também já citado ‐ onde as referências aos textos de
Le Corbusier são literais, cria‐se a expectativa de que os projetos repitam essa referência. Mas não é o que acontece. Desde a sua própria residência e no conjunto de obras do final da década de 20 e começo de 30, em São Paulo, a familiaridade muito mais forte é com as vanguardas alemãs e, particularmente, com Walter Gropius.
Na casa Max Graff84, também conhecida como casa da Rua Mello
Alves, de 1929[113], é marcante a semelhança com o repertório de
Gropius. A movimentação dos volumes, solidamente apoiados no chão, o uso das aberturas e a maneira de manipular as marquises, tudo remete às casas dos professores da Bauhaus.
83 Casa do arquiteto, Rua Santa Cruz, São Paulo, 1927. Arquiteto Gregori Warchavchik. 84 Casa Max Graff, Rua Mello Alves, São Paulo, 1929. Arquiteto Gregori Warchavchik.
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Warchavchik está, também, preocupado com a fabricação em série dos componentes da habitação. Nesse sentido, numa oficina no fundo da sua casa, desenvolve protótipos de caixilhos, luminárias, móveis, tentando ‐ paradoxalmente ‐ de maneira artesanal demonstrar as possibilidades da produção industrial em série.
A produção em série de casas também foi objeto das suas
preocupações. Prova disso são as casas econômicas em série85, na Rua
Barão de Jaraguá, de 1929 [114] e as casas econômicas em série86, na
Rua Dna. Berta, de 1930 [115]. Nas duas, o partido dos sobrados
geminados formando prismas retangulares, com diferenciação nas casas de esquina, remetem às experiências alemãs.
85 Casas em série, Rua Barão de Jaraguá, São Paulo, 1929. Arquiteto Gregori Warchavchik. 86 Casas econômicas em série, Rua Dna. Berta, São Paulo, 1930. Arquiteto Gregori Warchavchik.
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A Casa Modernista87 da Rua Itápolis, em 1930 [116], ganhou esse nome
por conta de exposição ao público, que foi montada com o intuito de mostrar a população paulistana como morava o “homem moderno”. A
87 Casa Modernista, Rua Itápolis, São Paulo, 1930. Arquiteto Gregori Warchavchik.
[115] Casas econômicas em séri, Rua Dna. Berta, São Paulo, 1930. Arquiteto Gregori
Warchavchik. Vista panorâmica.
[114] Casa econômicas em série, Rua Barão de Jaguara, São Paulo, 1929. Arquiteto Gregori
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casa estava decorada com obras de Tarsila do Amaral, Regina Gomide Graz, Oswaldo Goeldi, Menotti Del Picchia, Lasar Segall, John Graz, Jenny Klabin Segall, Antonio Gomide, Esther Bessel, Emiliano di Cavalcanti, Cícero Dias, Celso Antonio, Victor Brecheret e Anita Malfati, ou seja, todo o grupo de artistas comprometido com a introdução das questões modernas na provinciana São Paulo da década de 20.
Figuravam também obras de Jacques Lipschitz, Sonia Delaunay e objetos procedentes de Paris e Dessau. O caráter didático ia mais longe: na biblioteca figuravam obras de Alcântara Machado, Álvaro Moreyra, Affonso Schmidt, Arthur Carneiro, Ascenso Ferreira, Augusto Meyer, Brasil Gerson, Cassiano Ricardo, Felippe d’Oliveira, Graça Aranha, Guilherme de Almeida, Manuel Bandeira, Mario de Andrade, Menotti Del Picchia, Motta Filho, Osório César, Oswald de Andrade, Plínio Cavalcanti e Plínio Salgado.
[116] Casa Modernista, Rua Itápolis, São Paulo, 1930. Arquiteto Gregori Warchavchik. Vista
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O projeto aprofunda e solidifica as questões que Warchavchik vinha trabalhando. Aqui, o prisma cúbico só perde a integridade com as duas marquises em fachadas diferentes, que formam verdadeira alavanca, imprimindo grande dinamismo. A primeira corre paralela à fachada frontal, ultrapassando‐a para apoiar‐se em pilar linear. A segunda nasce perpendicular à fachada lateral e também se apóia em pilar linear, além de marcar e proteger o acesso. Esses diferentes níveis são complementados por um jardim em patamares que vai vencendo terreno até a rua. O paisagismo deste e de todos os jardins desta série é de Mina Klabin Warchavchik, que introduz as cores e as formas da flora tropical como rico contraponto ao branco predominante nos projetos do marido. Consta que acompanhando Warchavchik na sua estadia no Rio de Janeiro, no começo da década de 1930, Nina teria introduzido o jovem Burle Marx nesse raciocínio. As fotos da época deixam claro o quanto a casa é inaugural no novo loteamento do Pacaembu, onde ela é construída, tanto no sentido da ocupação quanto nas características do projeto, estranhas às sedes de chácaras que deram origem aos novos lotes. O mesmo acontece com a casa da Rua Bahia88 [117], distante alguns
quarteirões da casa da Rua Itápolis. Os membros do Congresso da
Habitação, posando à frente da casa, em maio de 1931, dão uma
mostra da novidade em que ela se constitui. Talvez aqui, mais do que em qualquer outra casa de Warchavchik, tenhamos a convivência de vários repertórios: Gropius ‐ mais visível na fachada para a rua, marcado pela abertura vertical que ilumina a escada ‐ e Le Corbusier ‐ mais visível na fachada posterior com suas janelas horizontais e seus terraços sobre pilotis [118]. As duas referências são, no entanto, harmonizadas com sucesso. O mesmo se observa nas plantas [119], que tira partido com inteligência da inclinação do terreno. No interior, o espaço da sala de jantar tem teto luminoso [120], de vidros
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granitè, opalino, opaco, amarelo e vermelho, com clara referência ao De Stijl. Os móveis embutidos, também desenhados pelo arquiteto, dialogam com a produção da Bauhaus. O jardim apresenta‐se agora na parte posterior do lote e outra vez vence o desnível em patamares.
118] Casa da Rua Bahia, São Paulo, 1930. Fachada posterior.
[[117] Casa da Rua Bahia, São Paulo, 1930. Vista frontal com membros do “Congresso de
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[120]
Casa da Rua Bahia, São Paulo, 1930. Teto Luminoso da sala de jantar.
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Em 1931, chamado por Lúcio Costa para lecionar Composição de
Arquitetura na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro,
convoca para seu assistente o jovem arquiteto Affonso Reidy, então com 20 anos de idade. No mesmo ano constrói a casa da Rua
Toneleiros89 [121], conhecida como a primeira casa modernista do Rio.
Nela podemos observar todos os procedimentos já apontados, aos quais se acrescenta ‐ neste caso ‐ o uso de patamares para vencer a declividade do terreno, na implantação da casa e não nos jardins. Também esta casa é objeto de exposição pública na época de sua inauguração. Sobre ela, Abelardo de Souza comenta que as mais altas
personalidades do mundo oficial e artístico compareceram, estando entre elas o famoso arquiteto Frank Lloyd Wright. Tal foi o interesse
desse arquiteto pela obra de Warchavchik, que ele compareceu por mais de uma semana, acompanhado por grande número de alunos de arquitetura, para discutir os vários detalhes e novidades construtivas que a casa apresentava.
89 Casa de Rua Toneleiros, Rio de Janeiro, 1931. Arquiteto Gregori Warchavchik.