• Nenhum resultado encontrado

Contexto sócio-econômico e político do extrativismo do babaçu

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (páginas 31-40)

CAPÍTULO 1 OS ELEMENTOS DA CONSTRUÇÃO DO ESTUDO

1.3 Contexto sócio-econômico e político do extrativismo do babaçu

As palmeiras de babaçu constituem uma floresta secundária que cobre mais de 18 milhões de hectares nos estados do Maranhão, Piauí, Pará, Tocantins, Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais e Rondônia. Mas é nos estados do Maranhão, Sudeste do Pará, Tocantins e Piauí que o extrativismo se desenvolve como atividade econômica e com ações de mobilização política realizada pelas quebradeiras de coco babaçu. Dentre esses estados, o Maranhão destaca-se com a maior densidade de palmeirais, em torno de 10 milhões de hectares (ALMEIDA, 1995, p.195) e com maior volume de produção e comercialização de amêndoas (ver gráfico 4, página 37), assim como é também no Maranhão que se encontra o maior contingente de extrativistas.

O extrativismo do babaçu é praticado principalmente por mulheres. Porém, também há homens que realizam a atividade em pelo menos algumas de suas etapas. As jovens iniciam cedo o ofício, geralmente com idade de 07 anos, ao lado da mãe. Os filhos, a partir dos 07 anos, e até a idade dos 15 a 17 anos, geralmente, ajudam na coleta e transporte dos cocos.

A situação fundiária que envolve os extrativistas é bastante diversificada, a grande maioria das mulheres encontra-se sem acesso a terra, são sem-terra. Existe uma parcela de mulheres extrativistas em assentamentos rurais, outras em situação de posse, outras na condição de pequenas proprietárias e uma parcela menor em áreas de reservas extrativistas.

A forma de acesso ao coco ainda é, na maioria dos casos, restrita, pois a maior parte das terras nos 04 principais estados em que a atividade do extrativismo do babaçu tem expressão econômica (Maranhão, Piauí, Tocantins e Pará), estão em áreas privadas e, portanto, o acesso aos babaçuais é proibido. Há povoados onde as mulheres conseguiram o livre acesso pela luta na marra9 e há municípios onde conseguiram o livre acesso através de

leis municipais10.

A forma de trabalho é determinada pela relação com a terra e com o babaçu. Se as terras onde tem ocorrência de palmeiras de babaçu são áreas de posse, de assentamento, pequenas propriedades, reservas extrativistas ou outra forma que indica domínio por parte das famílias camponesas, as famílias dessas áreas e geralmente das circunvizinhas têm livre acesso aos babaçuais e, portanto, o trabalho é livre. Existem exceções à essa regra, especialmente onde houve loteamento de áreas comuns. É também livre quando mesmo em terras privadas dominadas por fazendeiros foi conquistado o livre acesso ao babaçu, seja através de leis municipais e/ou da luta para libertar o coco. Quando o babaçu está em terras privadas e não é permitido às mulheres o livre acesso, o trabalho delas também não será livre, pois as quebradeiras de coco são obrigadas a manter relações de obediência ao proprietário das terras ou ao arrendatário do coco.

9 Luta na marra representa as diversas formas de enfrentamento com fazendeiros, realizado por mulheres e

homens para garantir o acesso a terra e/ou ao livre acesso ao babaçu.

10 No artigo de ANDRADE E FIGUEIREDO (2004), encontra-se a descrição do processo em que se deram estas

A forma ao produto também varia. Geralmente, na situação privada as quebradeiras

de coco são obrigadas a repassar a metade da produção de amêndoas para o proprietário ou para o arrendatário. Além disso, são obrigadas a vender para o proprietário ou arrendatário a outra metade, e ainda não podem usar a casca para produzir o carvão11.

Ao tratar sobre o extrativismo do babaçu, estou falando de uma atividade econômica que envolve a coleta e a quebra do coco babaçu e a venda das amêndoas. Na relação com o mercado desenvolve-se também a produção de carvão com a queima da casca e a extração do mesocarpo (parte do fruto da qual se obtém uma farinha usada para mingaus, bolos e remédios caseiros) para fins comerciais. Atualmente, o setor industrial que trabalha com o babaçu é principalmente a indústria de oleaginosas, que produz o óleo que é repassado para o setor de cosméticos e limpeza que produz sabões, sabonetes, batons, e vários outros produtos de beleza e higiene. É também utilizado, em pequena escala, na indústria de refinamento de óleos de cozinha e produção de margarinas.

O extrativismo do babaçu está diretamente ligado ao uso doméstico de vários outros subprodutos como a palha e os talos usados nas construções e coberturas de casas nos povoados rurais e no uso culinário - produção de azeite e leite para temperar a comida. Adicionalmente, há também o uso agroecológico do estrumo da palmeira para canteiros.

Há utilizações do babaçu ainda não exploradas economicamente, que poderiam ser desenvolvidas com apoio governamental. Há estudos científicos que mostram o potencial do babaçu, por exemplo, para produção de biodiesel e de prestação de serviços ambientais das florestas de babaçu no seqüestro de carbono. Porém, falta investimentos que valorizem essa potencialidade do babaçu e, principalmente, que apóie iniciativas geridas pelas famílias agroextrativistas.

11 Para aprofundar sobre a situação de sujeição das quebradeiras de coco babaçu veja o artigo intitulado “As

quebradeiras de coco babaçu e a luta pelo fim da sujeição no campo” (ARAÚJO, CARVALHO e MAGALHÃES, 2004).

O trabalho de coleta e quebra do coco babaçu enfrenta vários obstáculos, inclusive a existência de outras atividades econômicas que ameaçam o extrativismo do babaçu. A importação de óleos similares como o de palma e o de copra. O óleo de palmiste originado do fruto do dendê e vindo da Malásia, já foi o principal concorrente do óleo de babaçu e por muitas vezes provocou grande queda nos preços das amêndoas. Isso levou muitas

quebradeiras de coco a não mais realizarem a atividade de forma comercial, pois os preços não compensavam o trabalho realizado.

Da mesma forma, ameaçando a existência do extrativismo do babaçu, a pecuária extensiva provoca sérios danos aos babaçuais. Com a argumentação de que o cavaco do

coco12 fere o casco da pata do gado, os fazendeiros realizam grandes derrubadas de palmeiras para evitar que as quebradeiras de coco utilizem o fruto, deixando cavacos no pasto..

Atualmente, a existência dos principais concorrentes do extrativismo do babaçu decorre das políticas de globalização adotadas pelo governo brasileiro. Três principais atividades econômicas na era da globalização colocam em risco a existência da atividade de exploração do babaçu. Essas atividades geram produtos que se constituem como commodities em plena ascensão no mercado nacional e internacional13: 1) a pecuária industrial, que atualmente independe de subsídios ou do capital governamental, pois é uma atividade vinculada ao capital empresarial internacional; 2) grandes plantações privadas de dendê no Estado do Pará, também implantadas em regime empresarial de grande porte; e 3) as crescentes plantações privadas de soja de caráter empresarial que tendem a ocupar áreas anteriormente abertas pela pecuária extensiva. As três atividades têm relação direta com a

12 Cavaco de coco são pedaços de endocarpo, parte dura do coco, ou mesmo de casca do coco que se ficarem nas

pastagens são tidos pelos proprietários como prejudiciais ao gado.

13 Na cartilha “Povos e Pueblos: Lidando com a globalização, as lutas do povo extrativista pela vida nas florestas

devastação das floretas de babaçuais e ameaçam a existência social, econômica e ambiental do extrativismo do babaçu.

Gráfico 1 Quantidade de gado (cabeças)14

O gráfico 1 nos permite acompanhar a ascendência da pecuária nos quatro estados onde o extrativismo do babaçu tem expressão política através da organização das

quebradeiras de coco babaçu. O estado do Pará se destaca no avanço da pecuária. Isso representa maior devastação da vegetação amazônica.

Gráfico 2 Quantidade de soja (toneladas)15

14 Fonte: IBGE 2002

O gráfico 2 demonstra que no estado do Maranhão os plantios de soja crescem rapidamente. Os dados mostram a devastação da vegetação nativa, que no Maranhão é predominante de florestas, de babaçu. Os plantios de soja avançam ocupando áreas de pastagens degradadas, impedindo a regeneração dos palmeirais e a pecuária avança para novas áreas causando novas devastações.

Gráfico 3 Quantidade de coco de dendê (t) 16

No Pará, um outro produto que compete com o babaçu tem ascendência. O dendê é um produto que concorre com o babaçu principalmente em relação à produção de óleo vegetal destinado para a fabricação de cosméticos. Originando os óleos de palma e palmiste, o dendê, em grandes plantações e com uso de tecnologias de ponta voltadas ao mercado em todas as etapas do seu aproveitamento, torna-se o principal concorrente do babaçu no mercado de óleos.

O gráfico 4 mostra a posição em que se encontra a produção de amêndoas de babaçu.

16 Fonte: IBGE 2002

Gráfico 4 Quantidade de babaçu (t) 17

Observamos nos gráficos elaborados a partir de dados do IBGE que enquanto as

commodities, gado, soja e dendê, ascendem em volume de produção e comercialização, há uma redução do volume de amêndoas de babaçu comercializadas. As commodities estão vinculadas a um reduzido número de ricos grupos empresariais, enquanto que a atividade econômica com o babaçu representa mais de 300 mil extrativistas que utilizam esse produto como importante fonte de renda para o sustento básico da família. E é exatamente nos estados de maior ocorrência de palmeiras de babaçu, onde a atividade de produção de amêndoas é o trabalho predominante das mulheres quebradeiras de coco babaçu, que as commodities ameaçam sua existência.

Em 1960, a produção de amêndoas de babaçu/ano no Maranhão chega a 100 mil toneladas (PORRO, MESQUITA e SANTOS 2004; p. 24). Porém, o gráfico 4 mostra que desde 1990 iniciou-se um processo de queda no volume de amêndoas comercializadas e que não se tem conseguido retomar a índices anteriores, como o volume de comercialização registrado em 1980.

As palmeiras de babaçu representam uma grande floresta secundária, resta-nos indagar até quando. Segundo PORRO, MESQUITA e SANTOS (2004, p.11) “Não há dúvidas de que a presença e dominância da palmeira conhecida como babaçu (Attalea speciosa, anteriormente classificada como Orbignya phalerata) em áreas de sucessão secundária 17 Fonte: IBGE 2002 0 20 40 60 80 100 120 1980 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

consiste na mais importante característica ecológica da região”. Os autores estão se referindo ao estado do Maranhão.

O surgimento dos babaçuais como floresta secundária predominante está diretamente relacionado à ação humana na exploração das florestas primárias existentes anteriormente nessas regiões. Com os constantes desmatamentos, fossem para a colocação da roça18 ou para as pastagens19, características da atividade econômica rural na região do Mearim, surgiram com forte predominância as palmeiras de babaçu, que antes estavam dispersas na floreta nativa. Sucedendo a retirada das matas nativas, há então a formação de grandes densidades de palmeiras de babaçu, o que “deve-se à tolerância do babaçu ao fogo, à rigidez do fruto e à capacidade de regeneração da espécie” (PORRO, MESQUITA e SANTOS, 2004, p.56).

É a partir da década de 60 que se intensificam no estado do Maranhão os incentivos governamentais para empresas agropecuárias ou para pecuaristas individuais. Acelera-se com a pecuária extensiva o desmatamento da floresta nativa e os babaçuais surgem com grande força tornando-se a vegetação predominante.

As políticas governamentais adotadas no estado desde meados de 1960 levam ao agravamento da situação fundiária no campo maranhense, pois os planos de desenvolvimento do estado prevêem a ampliação da pecuária em regiões que estavam ocupadas por famílias camponesas. A “Lei Estadual de Terras de 1969”, também conhecida como “Lei de Terras do Sarney”, do então governador de estado José Sarney, promove concentração de terras, a

18 Roça nessa região se caracterizam pelo plantio de culturas anuais, principalmente do arroz, feijão e milho e

mandioca, mas em todo roçado geralmente se encontra consorciado, com as culturas principais, uma diversidade de outras culturas como maxixe, quiabo, melancia, abóbora, melão, batata doce. Roça, segundo Porro, “pode ser um termo utilizado para designar uma área de produção, onde se pratica o cultivo de culturas anuais através de técnicas de corte e queima. Aberturas na floresta primária ou capoeiras, que variam de 0.3 ha a mais de uma dezena de hectares, são feitas no intuito de se aproveitar os nutrientes provenientes da queima de matéria orgânica a partir de recursos florestais. Porém, a roça não é apenas um lugar físico, onde grupos sociais estabelecem seus plantios agrícolas. Roça é também um símbolo que dá significado à auto-identificação de um povo. Entre esses significados, a roça expressa um dinâmico sistema em que se baseiam relações sociais específicas, dentro da unidade doméstica, entre as unidades, e entre elas e a sociedade em geral”. (Porro, 1997 p.25).

19 Áreas de plantio de capim para criação de gado. Na região essas pastagens formam grandes extensões de terra

extinção de centenas de povoados rurais e o início de violentos conflitos agrários no Maranhão.

No Médio Mearim maranhense, os conflitos pela terra entre camponeses e fazendeiros que detinham títulos elaborados ficticiamente em cartórios agravam-se a partir de meados dos anos 70 (ALMEIDA e MOURÃO, 1975; PORRO, MESQUITA e SANTOS, 2004) e tem seu auge na década de 198020, nos povoados visitados durante a pesquisa realizada para a produção desta dissertação.

20 Vide capítulo 1 dessa dissertação.

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (páginas 31-40)