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Contextos de vida: contributos para o desenvolvimento da identidade vocacional

CAPÍTULO 2- IDENTIDADE VOCACIONAL: CONTRIBUTOS E PERSPETIVAS

2.2. Contextos de vida: contributos para o desenvolvimento da identidade vocacional

A visão internacional proposta no modelo Life Design encara em simbiose a construção do Eu (Guichard, 2005, 2009) e de carreira (Savickas, 2005), “integrando-as com outras ideias construtivistas e compatibilizando-as com “as realidades/possibilidades” da pós-modernidade” (Silva, 2011, p.10). Com efeito, o novo modelo de construção de vida engloba, em simultâneo, o desenvolvimento do sujeito Eu a par de uma ocupação ou de um trabalho que este realize. Esta relação de desenvolvimento dual tem implícitas as relações interpessoais que se estabelecem e o contexto sociocultural em que se desenrolam, na apropriação de uma identidade vocacional.

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De acordo com Bruner (1997), os indivíduos constroem significado através dos sistemas simbólicos e dos modelos que integram o seu contexto sociocultural. Nas suas palavras há:

(…) duas exigências intimamente relacionadas com o estudo do si-mesmo. Uma delas é que tais estudos devem focalizar os significados em cujos termos o si-mesmo é definido tanto pelo indivíduo como pela cultura na qual ele participa. (...) A segunda exigência, então, está em sintonia com as práticas nas quais os significados do si-mesmo são atingidos e colocados em uso. Esta, com efeito, nos oferece uma visão mais distribuída do si-mesmo. (Bruner, 1997, p. 101)

Para Bruner (1997) o Eu, consequentemente a identidade, é o resultado de um processo de construção sociocultural de significados. Segundo Vieira e Henriques (2014, p.164), “Cada cultura possui uma representação do que significa pessoalidade, de modo que o significado do self é negociado entre o indivíduo e a cultura na qual ele está inserido”. Esta noção de construção do Eu foi, anteriormente, preconizada por Vygotsky, em 1929, o qual propôs que “qualquer função psicológica superior foi externa- significa que ela foi social; antes de se tornar função, ela foi uma relação social entre duas pessoas” (Vygotsky, 2000, p.24). De modo que, o que é externo e cultural é sinónimo de social, sendo a interiorização das relações interpessoais a base da estrutura social na formação da identidade (Vieira & Henriques, 2014).

De acordo com Rogoff (2008), desde a infância os indivíduos vão apropriando ou adotando “formas culturais” através da relação entre identificação e participação com os outros, que se constituem como modelos sociais na apropriação de uma identidade. Contudo, a apropriação não é simplesmente um processo de cópia ou de assumir um padrão estilístico (Hundeide, 2004). É igualmente um processo prático de aprendizagem que envolve indivíduos na participação ativa e guiada em atividades culturalmente organizadas e valorizadas, tendo como finalidade “(…) o desenvolvimento da participação experiente na atividade com pessoas menos experientes. (…)” (Rogoff, 2008, p. 61). Como por exemplo, a aprendizagem de um ofício, que exige a participação de indivíduos numa atividade cultural organizada, ou como outros tipos de relações de participação existentes na escola e na família, com profissionais experientes, que fazem com os indivíduos descubram qual o trabalho ou atividade se adapta às suas capacidades e interesses, auxiliando-os a alcançar os seus objetivos de vida e, eventualmente, identificando-os com uma vocação (Armishaw, 2007).

57 A apropriação de uma identidade remete para o processo das relações interpessoais, diante de uma atividade comum, na qual se estabelecem posições e constroem significados. Rogoff (2008) refere que é um processo pelo qual os indivíduos, através do envolvimento em atividades, aprendem significados com base nos acontecimentos experienciados. Com isto, preparam-se para lidar com os acontecimentos posteriores de forma autónoma, adquirindo um estilo de vida ou uma identidade. Neste sentido, quando um indivíduo se envolve em atividades, por processos de participação, reificação e tipificação, este negoceia significados sobre a sua experiência nesse contexto particular, e sobre a posição que ocupam nesse grupo ou comunidade de prática (Wenger, 1998). Por conseguinte, certos estilos de vida tornam-se numa experiência de identidade, como por exemplo as experiências de vida dos jovens delinquentes, descritas como ciclo de vida e trajetórias alternativas que não envolvem apenas as características individuais, como personalidades criminosas, mas essencialmente a relação que estes indivíduos têm com os pares e as experiências do seu contexto sociocultural e de formação inicial de identidade (Hundeide, 2004).

Contudo, tendo em conta algumas investigações (e.g., Caspi, Roberts, & Shiner, 2005; Klimstra, Hale, Raaijmakers, Branje, & Meeus, 2009; Roberts & DelVecchio, 2000; Roberts, Walton, & Viechtbauer, 2006) que referem que as maiores alterações da personalidade ocorrem entre a adolescência e a idade adulta e que a identidade é um conceito moldável, particularmente porque se desenvolve ao longo de toda a trajetória de vida dos indivíduos (Erikson, 1950, 1963), sendo, por isso, fruto das relações e das atividades que se experienciam, a todo o momento é possível um (re)posicionamento na construção e na atribuição de novos significados para a (re)construção identitária.

A “aquisição de conhecimentos e competências é frequentemente parte da identidade individual, quer para os outros como para o próprio indivíduo. Conhecimento e competências de algum tipo identificam quem se é como pessoa.” (Hundeide, 2004, p. 103). Com efeito, a educação/formação tem, por isso, o papel de ajustar a aprendizagem específica e trabalhar as atitudes, bem como as perspetivas de futuro, permitindo que o indivíduo se envolva ativamente nos processos de (re)construção identitária. A relação entre a educação/formação e os indivíduos proporciona o processo de mudança individual que promove o desenvolvimento em ambas as vertentes, a pessoal e a social (Vygotsky, 1991).

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Em concordância, Etienne Wenger (1998) enuncia que a identidade individual toma maior desenvolvimento quando em interação com os outros em atividades de grupo, concretamente em comunidades de prática. Importa salientar que uma comunidade de prática é um grupo (in)formal de pessoas que partilham uma preocupação ou especial gosto por um tema, e aprofundam o conhecimento desse tema através de um processo de interação contínua (Wenger, 1998). Este grupo de pessoas envolvidas no mesmo tema, constitui-se voluntária e mutuamente em atividade, em contexto social e cultural comum, reconhece que a conexão entre a sua participação com a dos outros dentro da comunidade empreende conjuntamente conhecimentos, valores, modos de ser, agir e de se relacionar com o outro, que são essenciais para realizar a atividade. Esses conhecimentos estão intimamente conectados à prática dos membros dessa comunidade (Wenger, 1998).

Como os indivíduos interagem dentro das comunidades, põe em evidência como eles tentam compreender as suas ações práticas e a dos outros de modo a torná-las significativas. Logo, a apropriação de uma identidade aparece como um conceito que expressa características singulares que se constroem e desenvolvem na ação de relacionamento com os outros. Wenger (1998) reconhece a importância das comunidades de prática, onde os indivíduos (e.g., alunos, formandos) estão inseridos num processo de pertença e de aprendizagem. Nas suas palavras, a aprendizagem é um processo de formação da identidade, em que:

a aprendizagem transforma quem nós somos e o que podemos fazer. É uma experiência de identidade. Não é apenas uma acumulação de conhecimentos e informações, mas um processo de transformação - para tornar-se uma certa pessoa ou, inversamente, para evitar tornar-se uma certa pessoa. Mesmo aprendendo o que fazemos inteiramente por nós mesmos contribui para tornar- nos num tipo específico de pessoa. Nós acumulamos habilidades e informações, não em abstracto como fins em si mesmo, mas a serviço de uma identidade. (p. 215)

A perspetiva sociocultural, com enfoque na teoria de aprendizagem e interação social parecem ser uma abordagem importante para reflexão a ter em consideração no decorrer deste trabalho. Pelo que, considerando a educação institucionalizada veiculada nos centros educativos, com espaço educativo e de formação, como uma comunidade de prática e que os indivíduos interagem dentro dessa comunidade, a identidade de cada indivíduo posiciona-se na comunidade e nas relações que se estabelecem entre os

59 indivíduos (e.g., pares, professores, formadores, psicólogos). A aprendizagem individual é feita através do desenvolvimento de modos de participação com os outros (Freire, Carvalho, Freire, Azevedo, & Oliveira, 2009). Com efeito, quando um indivíduo se envolve com outro(s) numa prática, a sua experiência desenvolve novas e futuras formas de participação no grupo ou comunidade e consequentemente, (re)constrói a sua identidade.

2.3. Contexto institucional dos centros educativos: contributos para o