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Contextualização e problematização dos agrocombustíveis no Brasil

Jean Pierre Leroy*

1 HOBSBAWM, Eric .J. A Era das Revoluções 1789 – 1948. Paz e Terra, 4a ed., Rio de Janeiro, 1982. P.187-191

2 HOBSBAWM, Eric .J. Era dos Extremos O breve século XX 1914-199. Companhia das Letras, 2a ed., São Paulo, 1995. P. 255. * Coordenador do Projeto Brasil Sustentável e Democrático/Fase

padrão de consumo, mas de reverter drasticamente - e acrescentaria: tragicamente – o padrão de produção e de consumo.

O organizador deste livro foi um dos primeiros a fazer uma aproximação da questão energética no Brasil sob o ponto de vista da sustentabilidade democrática3.

Seu estudo, depois de empreender uma crítica radical ao modelo energético brasileiro e ao cenário futuro businesss as

usual, iniciava uma reflexão sobre o que

poderia ser a “sustentabilidade energética” no nosso país. Muito se caminhou e a energia renovável ganhou as manchetes e entrou no vocabulário usual. No entanto, não é por acaso que sua aceitação na prática se restringe quase que exclusivamente à energia hidroelétrica e à de biomassa. Há tempos que a matriz energética brasileira está principalmente calcada na energia hidroelétrica e o mercado dessa energia é extremamente interessante, para as construtoras de obras e de equipamentos, e para as vendedoras de energia. Quanto à energia de biomassa, o Brasil soube, quando da primeira crise do petróleo, aproveitar da sua condição de grande produtor de cana de açúcar para encorajar o carro funcionando com etanol e, com o alerta climático geral e a previsão de esgotamento das jazidas de petróleo, entrar com vontade na produção de biodiesel.

Estará assim o Brasil no caminho certo? Como essa vontade, e mesmo esse entusiasmo para energias renováveis, se combinam com a aposta no crescimento a qualquer custo? Este crescimento, na maioria das áreas no qual ele se apóia - agronegócio, siderurgia, montadoras de automóveis, petroquímica, papel-celulose, etc, é manifestamente insustentável do ponto de vista sócio-ambiental. As energias

renováveis por si só são indicativas de alguma mudança no modelo de desenvolvimento existente ou este modelo pode absorvê-las? Pode-se buscar um elemento da resposta no tratamento dado aos pequenos empreendimentos. Este livro mostra como custou para criar o Proinfa e como é difícil viabilizar pequenos empreendimentos, distantes (ainda) do mercado; como é difícil aceitar a produção descentralizada e autônoma de energia quando a produção e a distribuição de energia são vistas antes de tudo como mercado e não como serviço.

Assim, a primeira questão a colocar quando se fala de energias renováveis é se são sustentáveis, se elas se inserem dentro de uma concepção de desenvolvimento e de sociedade sustentáveis. Por isso, recupero aqui uma reflexão coletiva desenvolvida durante alguns anos no quadro do Projeto Interinstitucional Brasil Sustentável e Democrático4. Nos acostumamos a falar

de desenvolvimento sustentável, seguindo, conscientemente ou não, a definição do Relatório Brundtland: “O desenvolvimento sustentável é “aquele que

atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades”. Essa definição serviu de

referência para a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento - Unctad, a Rio 92. Satisfazer as necessidades? Ótimo, não posso ser contra. Mas quais são essas necessidades? Quem as define?

A Agenda 21 respondeu implicitamente. Nela, o desenvolvimento sustentável é entregue aos cuidados do mercado, como anuncia o seu capítulo 2, pudicamente intitulado “Cooperação

3 BERMANN, Célio e MARTINS, Oswaldo Stella. Sustentabilidade Energética no Brasil. Limites e possibilidades para uma estratégia

energética sustentável e democrática. Projeto Brasil Sustentável e Democrático. Cadernos Temáticos No 1. Rio de Janeiro, Fase, 2000.

4 Sob o patrocínio do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento - FBOMS, esse

internacional para acelerar o desenvolvimento sustentável dos países em desenvolvimento e políticas internas correlatas”5 que vai, portanto, definir

quais são as necessidades, tendo alguns critérios para norteá-lo: redução da pobreza e melhoria do meio ambiente. Sabemos que o mercado se orienta pela busca do lucro, que os desejos do consumidor são orientados em grande parte pelo mercado, e que ele se preocupa com o meio ambiente somente quando a pressão dos consumidores assim o exige. No fundo, a definição Brundtland e a Agenda 21 nos convidam, com algumas ressalvas, a continuar com o modelo de produção e de consumo atuais. Este modelo, claro, é convidado a se adaptar, produzindo novas tecnologias poupadoras de recursos naturais e energia, com as quais se abrem novas fontes de lucros para a indústria de bens de capital dos países mais industrializados.

Sustentabilidade não é algo dado. Porque os donos do poder econômico e político definiriam de antemão o que é bom para todos? Não são as suas estratégias de manutenção da dominação que reforçam os mecanismos de exclusão e de reprodução das desigualdades, assentadas em boa parte sobre o saque dos recursos naturais e o do meio ambiente? Os países industrializados manifestam uma hipocrisia sem igual quando propõem ao mundo seu modelo de desenvolvimento, quando sabem que a extensão desses privilégios ao mundo inteiro é impossível, já que ele supõe justamente a manutenção de parte da humanidade na iniqüidade. E nós, aqui, não sabemos também que os miseráveis nunca chegarão a possuir os bens de consumo ditos necessários no atual padrão de consumo? Não sabemos que a

perseguição desse desenvolvimento supõe a reprodução dessa mesma desigualdade? O seminário que deu origem à Rede Brasileira de Justiça Ambiental, na sua Declaração Final, definiu injustiça ambiental como “o

mecanismo pelo qual sociedades desiguais, do ponto de vista econômico e social, destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento às populações de baixa renda, aos grupos raciais discriminados, aos povos étnicos tradicionais, aos bairros operários, às populações marginalizadas e vulneráveis”. Não

se faz omelete sem quebrar os ovos! Quando se constata que são os que nos levaram a essa situação os que dizem promover o desenvolvimento sustentável, a circunspeção sobre o conceito de “desenvolvimento sustentável” se impõe. O capitalismo fez dele um oximoro, unindo duas palavras que, juntas, formam uma contradição. Entendemos a sustentabilidade não como algo dado, mas como um projeto a construir, o projeto de uma outra sociedade. Portanto, um projeto de democracia. Se uma minoria atrelou e subordinou a sustentabilidade ao mercado e à ideologia que o sustenta, outros grupos sociais e classes podem lutar para que outros valores se imponham à consciência da humanidade.

Definimos sustentabilidade como “o processo pelo qual as sociedades administram

as condições materiais da sua reprodução, redefinindo os princípios éticos e sociopolíticos que orientam a distribuição de seus recursos naturais”6. Como processo, a sustenta-

bilidade não é algo pré-estabelecido, mas é uma construção social. Não dá para dizer ‘alcançamos a sustentabilidade’ ou ‘se mudamos isso e aquilo, vamos atingi-la’. É uma permanente procura ativa de melhores condições de vida, “em inter-

5 Câmara dos Deputados. Comissão de defesa do consumidor, Meio ambiente e minorias. Agenda 21 Conferência das Nações Unidas

sobre o meio ambiente e o desenvolvimento. Brasília, Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 1995.

6 LEROY, Jean-Pierre et alii. Tudo ao mesmo tempo Agora. Desenvolvimento, sustentabilidade, democracia: o que isso tem a ver com

relação constante com as condições do meio ambiente e do planeta”, deveríamos

acrescentar à nossa definição. Nessa redefinição entram os princípios éticos da não dominação e da convivência com a natureza, a moderação no uso dos bens materiais, a absoluta predominância do valor de uso sobre o valor de troca, o princípio da precaução e o de responsabilidade, o da solidariedade e da equidade, o senso dos limites, etc.

Uma outra reflexão, ao retomar de outra forma essas idéias, poderá talvez ajudar a entender o nosso propósito. Nos anos 90 do último século, o Instituto alemão Wuppertal, num projeto em conjunto com outras organizações como Amigos da Terra e Misereor, elaborou o conceito de espaço ambiental, decorrente da “capacidade de sustentação” do planeta. Essa capacidade de sustentação faz com que devamos nos contentar com um espaço de consumo definido entre o sobre consumo ecologicamente não sustentável no teto e, no piso, a privação socialmente não sustentável7. Elaborada na Europa, a noção

se situa dentro do marco atual modelo de produção e de consumo, entre produzir e consumir menos, no Norte, e mais, no Sul. Ela “deixa clara uma concepção de sustentabilidade expressa em quantidades”

8 e não em qualidade. Quer dizer: “Não

basta perguntar quanto dos recursos se está utilizando se não se pergunta também ‘para que?’ e ‘para quem?’”9. Ao espaço ambiental,

com seu máximo (abaixo do consumo de matéria e energia que faria o teto voar, o planeta não suportar) e seu mínimo (acima da “linha da pobreza”) opusemos a idéia de “linha de dignidade”10. Que tipo de

consumo seria digno, não só para os de baixo, mas para todos, sendo uma

indignidade estar tanto abaixo quanto acima dessa linha imaginária e evidentemente flutuante, já que é fruto de uma construção social?

Quantidade ou qualidade? Aqui está a nossa primeira preocupação: que a oferta de energia renovável, em particular a bioenergia, se resuma a uma estratégia do capital surfando na nova onda ambiental e não mais do que isso. Quando se oferece sob o selo da sustentabilidade carros e caminhos que possam utilizar etanol ou biodiesel, não mudamos nada no modelo de desenvolvimento. Este continuará baseado sobre o modelo de transporte individual e o uso intensivo de recursos naturais. Mesmo poupando combustíveis fosseis, continuamos gastando energia para produzir aço e veículos. Pouca coisa nos distingue do século XIX e do salto que deu, quando o comércio começou a se mundializar. Encontramos mais uma “solução” para evitar enfrentar a questão de fundo: de um lado, a reorientação para o transporte coletivo e as ferrovias, hidrovias e navegação de cabotagem; e do outro, a imperiosa necessidade de reduzir os circuitos de produção e comercialização, extremamente energívoros e destruidores das economias locais e regionais.

Uma segunda preocupação prende- se à histórica e sempre presente tragédia agrária brasileira. O programa biodiesel do governo federal merece ser reconhecido. Qual governo, antes deste, investiu tanto na agricultura familiar? A intenção de aproveitar o momento para fazer com que uma parte do campesinato se aproveite da demanda potencialmente explosiva de energia renovável era e é louvável. Porém, é possível que essa estratégia ajude os

7 SPANGENBERG, Joachim H. Critérios integrados para a elaboração do conceito de sustentabilidade. Projeto Brasil Sustentável e

Democrático. Cadernos de debate No 3. Rio de Janeiro: Fase, 1999, p.21.

8 ACSELRAD, Henri. Sustentabilidade e desenvolvimento: modelos, processos e relações. Projeto Brasil Sustentável e Democrático.

Cadernos de debate No 4. Rio de Janeiro: Fase, 1999, p.17.

9 Id. Ibid.

10 PACHECO, Tânia (org.). Seminário Linha de dignidade construindo a sustentabilidade e a cidadania. Rio de Janeiro, Fase/Projeto Brasil

pequenos produtores e assentados a enfrentar o avassalador movimento de concentração de terra e de capital no campo e o mercado e a “mistura explosiva” que a combinação de agronegócio e de biocombustíveis representa11? Vale ressaltar que, mais do

que o biodiesel, o carro chefe das energias renováveis é o etanol. A produção da cana de açúcar passa longe da democratização da terra e da sustentabilidade12. Vastas

extensões de terra contínua estão sendo subtraídas aos ecossistemas naturais; a queima da cana e o uso de agrotóxicos continuam. Mais famílias estão sendo compelidas a sair da roça. A exploração da mão de obra se sofisticou. O famélico morador do engenho nordestino é substituído no corte pelo bóia-fria atlético turbinado com anabolizantes.

A produção do biodiesel escapa hoje em boa parte do programa governamental, e começa a trilhar o mesmo caminho insustentável da cana. A soja não tem uma grande eficiência energética. Seu óleo é um sub-produto e o farelo, o principal produto, utilizado para alimentação animal, o que elevou o Brasil ao posto de segundo maior produtor e exportador mundial13. Mesmo assim, os

produtores de soja em particular, se posicionam fortemente também como produtores potenciais de biodiesel. Se a eficiência energética do óleo de soja é baixa, a eficiência dos lobbys do agronegócio poderá suprir essa carência. A publicação do GT Energia do FBOMS, já citada, reproduz e comenta uma esclarecedora declaração do Sr Antônio Ernesto de Salvo, presidente da Confederação da Agricultura-CNA: “Não somos contra o apoio que se dá à agricul-

tura familiar, entendemos que é neces- sário, mas não podemos aceitar que se criem castas privilegiadas para um ou outro segmento da cadeia produtiva” 14.

Não há dúvida que essa flagrante injustiça será reparada. O caderno +Mais! da Folha de São Paulo de 21 de janeiro de 2007 exibia uma foto e uma manchete sugestivas. A legenda da foto nos informa que “o Presidente Lula e o governador Blairo Maggi (ambos com um largo sorriso) exibem provetas com biodiesel extraído da soja na inauguração de uma usina em Barra do Bugre”. A foto estampada corresponde na medida exata à manchete: “Embriaguez bioenergética”. Não será desta vez, quando a combinação do ideal desenvolvimentista e da política de estabilização macro-econômica exige apoio irrestrito às classes produtoras e exportadoras que a mão beneficente do Estado vai desampará-las. O peso na balança do Programa Biodiesel de um lado, e do outro, do agronegócio, é bastante desigual.

A mesma relação entre o renovável e o sustentável deve ser feita com a hidroeletricidade. Há alguns anos uma Comissão mundial convocada pelo Banco Mundial condenou as grandes barragens como insustentáveis. A Professora Andréa Zhouri, estudiosa dos impactos sociais e ambientais dos empreendimentos hidroelétricos em Minas Gerais, chama a atenção para a insustentabilidade socioambiental dessas barragens. De Balbina a Barra Grande, não faltam escândalos para nos lembrar o estrago ambiental que causam essas barragens. No plano social, soma-se mais de um milhão de pessoas atingidas diretamente. Os estudos de Célio Bermann mostram que

11 NORONHA, Sílvia; ORTIZ, Lúcia (coordenação geral) e SCHLESINGER, Sergio (coord. editorial). Agronegócio e biocombustíveis: uma mistura explosiva. Impactos da expansão das monoculturas para a produção de bioenergia. GT Energia do Fórum Brasileiro de

ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – FBOMS. Rio de janeiro: Núcleo Amigos da Terra, 2006.

12 Ver RODRIGUES, Délcio & ORTIZ, Lúcia. Em direção à produção de etanol de cana de açúcar no Brasil .São Paulo: Amigos da Terra

Brasil e Vitae Civilis, outubro 2006. Disponível em: www.vitaecivilis.org.br/anexos/etanol_sustentabilidade.pdf

13 Ver SCHLESINGER, Sergio. Soja:. O grão que cresceu demais. Rio de Janeiro: Fase, 2006. 14 NORONHA, Silvia, op. cit, p. 9.

uma parte ponderável da energia elétrica é destinada a indústrias eletro-intensivas que produzem poucos empregos e exportam, através da energia, nossa água. Quando o setor de alimentos e bebidas fornecia em 2000, 884.901 empregos e consumia 15.732 GWh de eletricidade, o de alumínio primário gerava 14.877 empregos e consumia 19.951 GWh. A siderurgia, por sua vez, fornecia 50.365 empregos por um consumo elétrico de 15.541 GWh15.

Entraram no Programa de Aceleração do Crescimento–PAC, as hidroelétricas de Santo Antônio e Girau, no rio Madeira, em Rondônia e de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará. A Alcoa, que começa a explorar uma mina de bauxita no município de Juruti, no oeste do Pará, já manifestou a sua intenção de construir uma planta industrial de refino da bauxita e uma de fabricação de alumínio, à condição que Belo Monte seja construída. As nossas vantagens comparativas são impressionantes: minério em abundância, menos pressão sobre as empresas para que cumpram rigorosas normas ambientais, energia altamente subsidiada, incentivos fiscais. Vale reconhecer a importância e o sucesso do programa Luz para Todos, mas a discrepância entre o tratamento dado a grandes empresas e às pequenas e médias empresas brasileiras e ao consumidor doméstico é enorme.

Preocupa a intenção manifestada pelo governo de orientar parte da produção de álcool etanol e de biodiesel para a exportação. A União Européia acaba de publicar seu novo plano energético, que impõe colocar na sua gasolina e no seu diesel 10% de biocombustível até 2020. Observadores estimam que a Europa não terá condição de produzir biomassa em quantidade suficiente para atender às exigências colocadas pelas novas normas, sem colocar em risco o seu abastecimento

alimentar. No problem! O Brasil está a seu serviço; e não só ele, como se informou em Davos. O professor Mário Ferreira Presser, coordenador do Curso de Diplomacia Econômica da Universidade de Campinas (Unicamp), disse à Agência Brasil que “isso tem vários atrativos: contempla os africanos, os europeus, o Brasil. Resolve a questão do clima, da pobreza e da liberação do mercado de açúcar e álcool”16. O Brasil exportaria parte do seu

álcool e do seu biodiesel e venderia sua tecnologia. O avanço da pecuária e da soja sobre o cerrado e a floresta amazônica em particular, nos fazem imaginar o impacto que tal dinâmica teria, tanto sobre os ecossistemas quanto sobre a sua população de pequenos produtores e agroextrativistas sobrevivente.

Mesmo que a tendência dominante no governo esteja clara, o Programa Biodiesel, fomentado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, de um lado, e, do outro, o apoio aos lobbys do agronegócio manifestado pelo Ministério da Agricultura mostram a disputa de projetos que permeia ainda governo e sociedade. Importa por isso apoiar as políticas públicas voltadas para as energias alternativas, para que não se subordinem à lógica do mercado e mantenham seu caráter público, num duplo sentido: o de criar mecanismos de redução das desigualdades que não sejam meras medidas compensatórias, e o de ter uma visão de futuro, para além dos interesses imediatos. As energias renováveis e sustentáveis oferecem condições de responder a esses dois parâmetros da ação pública. Elas supõem uma visão descentralizada da geração e da distribuição de energia. Elas abrem a possibilidade de inovação, já que estamos ainda no início. Vemos aqui uma rica possibilidade de desenvolvimento de

15 BERMANN, Célio. Exportando a Nossa Natureza. Produtos intensivos em energia: implicações sociais e ambientais. Cadernos sobre

Comércio e Meio Ambiente No 1. Brasil Sustentável e Democrático. Rio de Janeiro: Fase, 2004.

tecnologia apropriada própria; a geração de empregos em número bem maior do que o fornecido no sistema atual; um efeito de sinergia a ser criado localmente entre a geração e a distribuição e empreendi- mentos agroindustriais e industriais locais. Somos convidados a sair do “pensamento único” sobre o nosso desenvolvimento. Porque chamar de desenvolvimento somente o que aparece no balanço comercial e no PIB? Incentivar o aquecimento de água com energia solar, micro-solução de fácil e barata implantação, não vai por si só incrementar os indicadores econômicos, mas evitariam a construção de uma hidroelétrica de bom tamanho, que esta, sim, constaria do PIB. Micro-usinas de geração hidroelétrica, ou de produção de energia de biomassa ou eólica para comunidades, isoladas ou não, embora possam ser um instrumento poderoso de desenvolvimento local, ainda são consideradas como experiências totalmente marginais, para as quais nem existe marco regulatório. O ambiente começa a mudar. Os Programas analisados neste livro abrem um caminho. A permanente campanha das organizações sociais e ambientalistas que questionam o modelo energético atual, confortadas agora com as primeiras projeções do painel internacional de cientistas sobre “nosso futuro comum”, produzirá, com o apoio da opinião pública enfim sensibilizada, outras mudanças. Concretamente, se multiplicam as iniciativas, tais como a das “cidades solares” 17, incentivando

prefeituras a investir no aquecimento solar. No Pará, organizações da sociedade civil, junto com pesquisadores e políticos locais, discutem com o Programa Luz para Todos e a Eletronorte, um Projeto de Medida Provisória que “dispõe sobre a

instituição de Sistema Integrado de Produtores Independentes de Energia e as condições de comercialização com a distribuidora em sistemas isolados” 18.

Evidentemente que, por si só, esse tipo de iniciativas não resolve a situação. Mas elas têm que ser vistas como parte de um novo movimento de abordagem da crise energética. Esperamos que no final do século, um novo Hobsbawm possa escrever: “2007, o ano em que, frente à catástrofe ambiental anunciada, a humanidade buscou se reconciliar consigo mesma e com o planeta terra”.

17 Ver www.vitaecivilis.org.br

Los agrocombustibles son biocombustibles procedentes de cultivos cuyo destino es exclusivamente energético y, cada vez más, forrajero aprovechando los subproductos. La definición propuesta por la Vía Campesina, red de organizaciones campesinas de todo el mundo que ha ela- borado y difundido el concepto de sobera-