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Contos Seis e Sete – Experiências do campo que constituem pessoas

4. EXPERIÊNCIA, ESPAÇO E HISTÓRIA

4.2 Um e vários contos

4.2.5 Contos Seis e Sete – Experiências do campo que constituem pessoas

Produzido a partir da entrevista com Violeta e Begônia. Trabalham juntas no setor de histórico escolar, atualmente na SEDUC. Violeta iniciou sua carreira em uma escola multisseriada e também foi diretora em uma escola polo (seriada) por um bom tempo. Depois retornou à cidade, e mais tarde foi trabalhar na SEDUC. Já ocupou diversas funções, entre elas a responsabilidade do patrimônio, da manutenção das escolas, e agora com o histórico escolar. Begônia é uma estagiária, muito empenhada. Faz graduação em Pedagogia e acompanha o trabalho de Violeta. Begônia vem de uma família que morou no campo, e sua trajetória escolar iniciou em uma escola do campo multisseriada. Os contos também serão separados, respeitando a individualidade de ambas, apesar da entrevista ter sido realizada com elas juntas.

Conto Seis – Violeta:

No total dessas 100 [escolas], entre rural e urbana, diminuiu um horror, inclusive dessas brizoletas. O Padre Fidencio, que era brizoleta, eu sou apaixonada por aquela escola, e sabe onde tem uma brizoleta? No Santa Bárbara, para quem vai para o postinho, Santa Barbinha, perto de um posto de saúde, meio tombada, assim, de pé, mas não funciona, né, foi uma escola estadual, escola estadual do Santa Barbinha, e aí chama a atenção porque eu não conhecia. O Roque [Gonzáles] é dentro da Caieira, tu saia pelo Dagoberto, entrava na Vigor, e tinha o Roque [escola multisseriada]. [A escola Pedro Correa fica] no Rincão dos Seixas, onde a gente comprou um terreno na frente muito bonito pra fazer a escola na época, deu um problema no primeiro ano da administração do “C” [prefeito da época] e a escola fechou. Mas tinha um terreno lindíssimo, compramos do dr. “J”.

Não sei o que deu depois [com o terreno], porque depois eu me desliguei dessa parte do campo [na SEDUC], de lidar com a escola. Mas era um terreno muito bonito, um campo para construir uma escola, fazer um campo de futebol, muito bom. Não tinha protocolo [para fechamento das escolas do campo]. Era assim:

faltou clientela? Tinha as escolas polo Dagoberto Barcellos e Augusto Vitor Costa, vamos centralizar lá. A tia “I” [Secretaria de educação da época] era contra, mas quando iniciou o transporte escolar, era pago, os pais pagavam, não era uma coisa exorbitante, cada pai ajudava com um pouco, uma mensalidadezinha. [Sobre o fechamento das escolas] tem casos e casos, por exemplo, as escolas que eu presenciei, nós fomos no Bom Jardim, desde que eu entrei aqui, eu fui lá e tinha...

são escolas ótimas, no Bom Jardim funcionava a escola e um posto de saúde, e tinha escolas bem precárias, como o Miguelina Machado, era um chalezão de eucalipto, bem ventilado, tudo, mas era, não tinha banheiro, daí a gente fez um banheiro, era uma peça bem grande, e uma cozinha, quando fizemos o banheiro fechou. Eu acho, assim, que esses fechamentos, dependendo das condições da escola, foi bem triste, cada vez que eu ia fechar eu saia bem chateada, por que assim, por exemplo, lá no Seivalzinho [Escola Gabriel Gomes Lucas] a gente arrumou toda a escola, de material, trocou piso. Nós trocamos toda [a escola antiga, Cruzeiro do Sul, era chalé], era uma dificuldade para chegar lá [em torno de 25km da faixa], tinha alunos ali, mas tinha o Vitor [EMEF Augusto Vitor Costa], que era uma potência, e é até hoje, no caminho. Ai tinha uma profe, só que morava lá, só tinha ela. [Ficou difícil manter], diminuiu a clientela e a profe na época não tinha formação [superior], só tinha magistério, aí passaram para lá [Augusto Vitor Costa], inclusive os filhos dela era de lá. Uma escola que a gente fechou, uma maior judiaria, salas bem ventiladas, de material, banheiro de material, tudo de material. Aí ficou para o dono da propriedade [um doutor plantador de soja], para um centro comunitário [mas que não funcionou].

Legalmente poucas tem documentação. O que acontece, lá no teu sitio [por exemplo], tu constrói, “vou ceder” para a comunidade, no momento que terminar a escola, por falta de professor ou de aluno, geralmente de aluno, é tua [a escola, o prédio], não tem nenhum documento que diga que eu doei, volta pra ti. Não é da prefeitura, quase nenhuma, se tu procurar, todo o tempo que eu trabalhei aqui, não tem nenhum documento que diga. E tu sabe que hoje, trabalhando em outro

setor [histórico escolar], eu enfrento essa dificuldade, porque tu vem aqui e quer o teu histórico escolar pra se aposentar, o que acontece: eram escolas que funcionavam nas casas, com uma professora que juntava as crianças da comunidade, na tua casa que era maior, numa sala, e dava aula; quando a escola foi legalizada, ela tem o nome pelo decreto e tudo, mas quem estudou na casa não tem histórico. Aí o que acontece: tem que achar um professor que ainda esteja vivo para dizer “eu dei aula para o fulano em tais e tais anos e tais e tais séries”.

Aí faz um documento. [Se morreu o professor] fica difícil, perde os anos e tu não consegue fazer o histórico. E outra coisa que eu te digo: a gente fica bem triste, mas uma escola que fechou e eu presenciei aqui, o Theodora da Fonseca, muita falta de condição. Tinha clientela, mas, assim, forro com morcego, era uma coisa se tu fosse investir não valeria a pena, porque tinha escolas no caminho, tu entende? Aí eu acho justo. O transporte passa e leva, tem o Nossa Senhora, o Patrício [escolas seriadas urbanas]. Eu fui uma que questionei bastante, porque não achava o porquê de investir bastante, trocar todo o forro da escola, sempre tinha um problema. A água não era potável, o seu “L” ajudou ali e assim um desleixo dos professores, um ou dois, mas assim não tinha... no geral era cruel.

Por exemplo, a comunidade não era participativa, como é lá no José Luís Moreira [escola multisseriada ativa], que é uma comunidade muito, muito participativa.

Agora tem escolas que a comunidade não ajuda [elas querem o prédio], e eles se beneficiam, né. Uma no Bom Jardim que a gente fechou, no lado do posto, a mulher da casa ficou de dona, só que na época, por falta de conhecimento, continuou com a luz no nome da prefeitura, e aí quando a gente foi ver tinha um excesso de luz, a mulher tinha máquina de lavar e tudo, vamos dar jeito de ir na RGE, na AES sul, vamos desligar, essa luz, porque a água era de poço. [Das reuniões com a comunidade sobre o fechamento] eu nunca participei, mas faziam, havia bastante relutância porque tinha a questão política, pega um vereador, vai lá, como foi o Padre Fidêncio, a única que eu fui foi essa. O resto, eu vi, tem escolas que fecharam na melhor condição possível, e tinha umas péssimas, uma escola, descendo aqui a Pedra do Segredo, primeira que eu fui.

Era deplorável, era um chalezão que tinha as tabuas afundadas, que a professora tinha que andar em volta, assim, no meio da sujeira. No dia que eu cheguei com o “A” [coordenador pedagógico na época], eu quase morri, era copinho, era aqueles copinhos azul, atirado na volta, era uma que não tinha condições de funcionar, essa, tu sente, mas agora tinha outras pra fora que eu fui, bah, essa que eu te falei, a gente trocou tudo, e várias escolas a gente arrumou, mas fechou.

Aí eu ficava bem triste, é doído. Última que eu fui que não era do município [sobre o prédio que fica para o dono do terreno]. Uma vez um advogado, do Lídia Pessoa [escola multisseriada do campo desativada], veio um advogado de Porto Alegre conversar comigo e me disse,” olha, se vão utilizar, tudo bem eu doei enquanto foi necessário, agora se não for mais usar eu vou recolher o material, tudo”. Ainda eu disse, “gente vamos desmanchar o chalé, são tabuas boas de eucalipto”. O que aconteceu? Botaram fogo, uma briga de vizinhos, tinha uma briga, uma mulher vinha aqui me incomodar que queria mudar e eu dizia, “gente isso não é mais da prefeitura, a gente não pode mais resolver”, ai vinha outro que queria também. Aí arrancaram [a caixa] da luz e botaram fogo. Claro, a mulher

queria morar e era bem rústico, mas muito bem conservado, um material muito bom. Peças grandes. [Fechou] por falta de aluno, a gente tinha feito um banheiro lá, bem bom sabe. Então, assim, de acordo com a necessidade e, por exemplo, com a condição de trabalho, porque tu sabe, a gente não vai falar da nossa classe, mas tem professores que deixam a desejar, e as crianças estando em escolas como o Vitor e o Dagoberto... quando eu comecei no Dagoberto era só até a 5ª série, em 84. A gente não tinha água, um problema sério, a dona da água quando embrabecia... [a água era emprestada] do seu “B”, vizinho dali. Se um dia o filho deles incomodasse ou tivesse castigo, eles iam lá e desligavam a água. E a gente vivia assim. Ainda bem que eu sempre tive respaldo da firma né [Empresa de calcário Dagoberto Barcellos]. Eu iniciei numa escola chamada Clareira na Mata, perto da calçada de Dom Pedro. Fiquei 15 dias lá. Nunca na vida tinha trabalhado, não tinha merenda, o fogão à lenha, só tinha uma doméstica e uma profe que dava aula pra todos, multisseriada e um pai que ficava montado a cavalo na porta escola para cuidar se a professora tava dando aula (risos). Imagina, eu nunca tinha trabalhado na vida, saí de casa com um filho de 9 meses, esperei 3 anos e não conseguia [contrato], ia pra lá bege de fome, não tinha nada, nada.

Nunca comi tanta goiaba na minha vida. As crianças levavam goiaba, era a merenda. Tinha uma Kombi que pegava a gente, eu saia às 7h e voltava às 13h.

mas isso foi só 15 dias [ia desistir, mas fui para o Dagoberto Barcellos], trabalhei 12 anos. Tinha até a 5ª série, depois foi legalizando até fechar o ensino fundamental [completo]. Mas eram precárias as condições, não tinha água, tudo era muito sucateado, era só as salinhas da parte debaixo, não tinha tudo o que tem. Na minha administração construí a parte de cima. [para ir trabalhar na escola] tinha passagem, vale transporte, que não dava para comprar a metade das passagens pro mês. Mas todo mundo ia, se dividiam. Na zona rural todos eles tem [uma outra cultura]. Todos ajudavam, iam capinar, cercar de tela. Os pais eram bem participativos, depois, quando fui pra cidade, a mudança foi um absurdo. A educação das crianças, bah. E esses uniformes todos, ou a empresa patrocinou, ou os pais podiam comprar e a escola ajudava os que não conseguiam. Desde chuveiro coloquei no banheirinho perto da cozinha pra dar banho nas crianças. A assistência social nessa época nem existia, e nem sei se hoje participam na escola rural. Era um todo né, era psicóloga, de tudo um pouco.

Era crianças que suspeitávamos de abuso, era crianças com casos de abandono.

Uma vez eu peguei uma assistente social, mas ela não me acompanhou. Isso eu aprendi na zona rural, tu ser mais humana. “Bah, essa rodou, o que será que aconteceu? Vamos fazer um estudo”, tinha essa preocupação, assim como eles também tinham de se abrir conosco. [das trocas na escola] eu me lembro do meu filho trocar merenda, trocava Danoninho com bolo frito. Ele levava o Danoninho e já sabia que ganhava bolinho.

Conto Sete – Begônia:

Estudei no Roseno Celestino [escola multisseriada estadual]. Eram duas professoras. Uma profe trabalhava com 1º e 2º ano, e a outra com 3º, 4º e 5º. No 5º, na época, éramos três alunos e aí, como ela repartia o quadro e passava metade para o 3º, metade para o 4º, encostava as três classes nossa e dava o caderno dela para copiar. Ela ainda existe, a professora “T”. Estudou eu e meu irmão, e a minha irmã estudou até o 2º ano, porque depois fechou a escola. Era bem pertinho [da nossa casa]. Quando terminei a 5ª serie eu tinha 12 anos. Daí o pai e a mãe não tinham condições financeiras de nos trazer na cidade para estudar, não queria deixar nós morar com ninguém. Eu fiquei 5 anos sem estudar.

Quando eu voltei no Dagoberto, o primeiro ano, o pai era muito cricri. Não deixou eu estudar, só meu irmão. Daí de tanto eu chorar pra estudar, deixou eu estudar, ele não queria que viajasse no transporte. Aí ele deixou, meu irmão rodou, depois fomos colegas e fizemos a 6ª, 7ª e 8ª série. [Nesse tempo sem estudar] fiquei em casa, limpando, ajudando nas tarefas domésticas. Não queriam que eu morasse com uma tia na cidade, aí nós voltamos a estudar e terminamos no Dagoberto Barcellos. [Depois, no ensino médio, viemos] pra cidade, morar na casa da tia, só que meu irmão estudou 2 semanas e não quis mais, aí eu conheci meu marido, estudei 3 semestres e casei. Aí depois voltei a estudar [Educação de Jovens e Adultos]. Mas lá achei muito diferente [escola polo], porque as matérias eram separadas. Na escola [Roseno Celestino] era uma professora pra tudo. Lá a gente não tinha um caderno pra cada matéria, na hora de estudar era uma bagunça. Tinha que tá procurando. Mas era muito legal, a gente brincava bastante, as professoras eram muito boas. Quem incomodava tinha o canto do castigo, dependendo da criança ficava sem recreio. [Apesar disso] as professoras sempre eram compreensivas, por a gente morar pra fora. Os livros que tu tinha acesso eram os livros que tinham na biblioteca da escola, a gente não tinha acesso a outros livros, só o que tinha na escola. Em trabalhos de pesquisa não podia ser uma pesquisa muito extensa, porque não tinha material suficiente.

Tínhamos a horta no fundo da escola. Quando eu comecei, com 6 anos, não era valendo, porque tinha que se matricular com 7 [anos], mas eu fui. Uma escolinha bem antiga de madeira, um chalezinho azul. Pegou fogo, daí eles construíram outra escola que está lá até hoje, há muitos anos. A gente tinha atividade na horta, depois do recreio a gente ficava na sala de aula, depois levava pra plantar na horta, tinha árvore de fruta, pessegueiro, bergamoteira, tinha bastante essas coisas. A água era do poço, tinha que ser tirada com balde, com corda, aí depois o pai foi presidente [CPM] da escola e ele fez uma festa para arrecadar dinheiro e botar uma bomba a gasolina, porque na época não tinha luz, pra tirar água do poço e nós usar, até no banheiro, porque não tinha banheiro. Era patente, né.

Depois sim, quando chegou a luz, daí melhorou. [Quando colocaram a rede de luz] eu já tinha 15 anos quando a luz foi pra Varzinha. Sério. Foi uma festa [em casa]. A gente tinha as chamadas obrigações, desde pequenos. Eu e meu irmão sempre tivemos. A obrigações eram muitas. A gente só tinha água encanada para tomar banho, que o pai botou de um poço, lavar a louça e roupa. Porque pra fazer comida e tomar, tinha q ir na fonte buscar. Aí minha obrigação era carregar a bendita água da fonte. Eu ia à cavalo, eu trazia uma colhera, tu sabe o q é colhera?

Amarra duas coisas juntos e amarra uma corda. Eu enchia dois tarrinhos de água

de 5 litros, amarrava eles e colocava na garupa. Aí colocava duas vezes essas colheras, aí enchia um tarro de 20l, montava no cavalo. Eu tinha 11 anos. Ai montava no cavalo, ia puxando a corda, ainda bem que o cavalo era mansinho, ia puxando, puxando, e vinha aquele tarro de 20l, botava adiante e ia. Tinha que fazer várias viagens pra poder dar a água. No verão, às vezes, tinha que ir 4 vezes na fonte. Mas daí eu ia de manhã cedo por causa do sol né. Tirava leite das vacas, dava comida pras galinhas, pros porcos, varria o terreiro. Era isso que fazia. Daí o pai dividia as tarefas, metade pra mim, metade pra ele [meu irmão]. Aí depois que meu irmão ficou maior, meu pai sempre trabalhou com negócio de fazer mangueira, sabe. O mano trabalha [alambrador] com isso até hoje, aprendeu o ofício, e aí nós tinha as obrigações e brincávamos na hora que dava. Brincava quando ficávamos junto, eu, o mano, os primos, nós tínhamos nossas casinhas com boneca, comidinha com pedacinho de sabão, fazia bolo, pintava. As vezes a mãe dava comida de verdade, fazia fogo. E nós fazia bem feitinho e comia. Não tinha geladeira, a carne era charqueada. Tínhamos criação de ovelha, gado, porco, galinha. A gente levava as chamadas merendas, o que tinha em casa. Um pão com figada, rosca branca. [Na escola] tinham crianças que não tinham nada para comer. Daí a gente dividia os da gente. [A escolarização] da minha mãe, os meus tios só tem até a 5ª série, porque era até o ano que iam as escolas rurais. A mãe sempre ajudava o pai. Porque o pai ia pro serviço, por exemplo, tirava um mês fazendo uma mangueira, às vezes a mãe ia junto. [Eu e o mano] ficávamos de caseiro. Como a nossa casa era perto da vó, então ficávamos na avó, tinha a chave da casa, ia lá de manhã, dava comida pros porcos, tirava leite, dava comida pros bichos e voltava pra posar na vó. Aí eu fazia o pão, um monte de coisa, porque às vezes eles tiravam 15, 30 dias, dependendo da localidade e do serviço.

O pai fazia serviço em outros municípios. O pai era bem rígido, porque ele foi criado sem pai nem mãe. A minha vó morreu ele tinha 10 anos. Com 11 anos meu vô faleceu. Veio morar na Varzinha com um tio, passou um ano e mataram o tio.

Aí ele ficou morando com os pais da tia emprestada dele. Se criou nessa fazenda, saiu quando completou 22 anos, que foi quando ele casou com a mãe. O pai, nessa fazenda, fazia o serviço de campo. Cuidar do gado, das ovelhas, tosar... [o pai] era como peão, porque era um trabalho pesado e ele nunca teve salário, e ele dizia que não tinha coisa mais triste que uma criança chegar numa festa e ver todo mundo comendo e ele não tinha pra comer. Ele era rígido, mas era muito bom, tudo que podia dar ele dava (choros). A criação da época era assim.

[Quando o pai levava a mãe para trabalhar] A mãe ia pra lá, porque o pai tinha 3, 4 peões para ajudar, e a mãe ia pra arrumar o acampamento e fazer a comida pra não perderem tempo. Tinha vezes que eles ficavam em alguma casinha nas próprias instalações da fazenda, ou, se era no campo, tinha que armar barraca.

Eu já fui muitas vezes, pra nós era de outro mundo, mas chegava lá, de uma forma ou de outra, acabava ajudando. O alambrado, mesmo, sou a mais velha, o pai botava o arame, colocava as tramas, e como era mais alta eu amarrava em cima e o mano embaixo, pra terminar mais rápido. [Na escola multisseriada que estudava não tinha uniforme] Muitas crianças que tinham menos condições que a gente e iam de pé no chão. Aí tu imagina no verão, aquelas rosetas. E iam.

Muitas vezes sabe o que nós fazia? A gente ficava com pena, eram dois meninos,

eu ficava de pé no chão na frente do colégio, o mano levava minha chinela ou meus tênis, eles calçavam e iam pro colégio, ele chegava sentava e o mano levava pro outro. Eram dali. Casa de pau a pique22. [Eles sobreviviam] De plantação. E o campinho que eles tinham era menor que aqui [referenciando ao espaço da SEDUC]. Uma casinha com santa fé, colchão de palha, iam a pé, sem calçado.

Muitas vezes a mãe deles fazia pra eles as roupas com saco de farinha, pegava, lavava e comprava potinho de tinta, tingia e fazia as bermudinhas, e com cordão atava na frente. [E estamos falando de trinta anos atrás]. Muito pouco tempo, e, olha, se tu bobear e ir lá fora, ainda tem gente que vive numa situação bem precária. Pra ti ter uma ideia, quando foi a luz, há 30 anos atrás, era uma contribuição, tu pagava um valor X para levarem a rede até o campo, mas tu tinha que dar o dinheiro. E quem não tinha não chegou a luz, a rede passava na frente do campo, não chegou na casa. Agora, uns 10 anos atrás, com a luz pra todos, aí as pessoas que não tinham ligado naquela época, ligaram, porque era de graça.

Na época ficaram sem luz. A mãe e o pai compraram geladeira, freezer, essas coisas, e as pessoas que não tinham levavam os litrões de água pra congelar e beber gelado. Se carneavam, pra não fazer charque de toda a carne, pediam pra deixar lá em casa. A mãe botava o nome da pessoa e congelava. Todo mundo dividia [comunidade], alguém sempre compartilhava uma coisa. Lá no colégio sempre faziam festa da Páscoa, festas da comunidade, no Capão de mato23. As mães organizavam, pegavam as cascas de ovo, colocavam amendoim, rapaduras, na cestinha. Faziam a festa da Páscoa, Natal. Eu falo pro meu filho, sinto falta da minha infância, apesar de todo o trabalho, eu fui feliz. Não me arrependo. Quando eu vim pra cidade, estudava de noite. Aí eu namorava meu marido. Como meu irmão foi embora pra fora, eu fiquei. Casamos, paramos de estudar. Ficamos sem estudar uns 4 ou 5 anos. Aí voltei a estudar quando já tinha filho, íamos eu e ele pro EJA, fiz o técnico de administração e o magistério, e agora estou terminando a faculdade.