• Nenhum resultado encontrado

Capítulo II — Desenvolvimento da linguagem

2.2 Contribuições sobre o desenvolvimento da linguagem por Ana Teberosk e Emília

Em 1974 Ferreiro e Teberosky iniciaram pesquisa sobre a “Psicogênese da língua escrita”, com objetivo de alcançar seus aspetos linguísticos-significativos da alfabetização e demonstrar os equívocos mais comuns advindos da interpretação desvirtuada desta teoria, bem como suas consequências. A investigação teve com ponto de partida a conceção da aquisição do conhecimento que alicerça a atividade do sujeito em interação com o objeto em demonstrar que a criança — antes mesmo de chegar a escola, tem ideias e faz hipóteses sobre o código escrito —, relatando os estágios linguísticos que vivenciam até a aquisição da leitura e da escrita.

Em nota preliminar dessa edição as autoras anunciam a perspetiva adotada para a realização da sua pesquisa, quando afirmam que:

“(...) pretendemos demonstrar que a aprendizagem da leitura, entendida como questionamento a respeito da natureza, função e valor deste objeto cultural que é a escrita, inicia-se muito antes do que a escola imagina, transcorrendo por insuspeitados caminhos. Que além dos métodos, dos manuais, dos recursos didáticos, existe um sujeito que busca a aquisição de conhecimento, que se propõe problemas e trata de solucioná-los, segundo sua própria metodologia (...) insistiremos sobre o que se segue: trata-se de um sujeito que procura adquirir conhecimento, e não simplesmente de um sujeito disposto ou mau disposto a adquirir uma técnica particular. Um sujeito que a psicologia da lecto-escrita esqueceu (...)” (Ferreiro; Teberosky, 1986, p. 11).

Assim, Ferreiro e Teberosky desenvolveram sua pesquisa com fundamentos psicolinguísticos quando recapitulam o construtivismo, deixando claro que a Teoria Piagetiana acumulava pesquisas insuficientes para dar conta da linguagem, tendo assim um papel secundário na constituição das competências cognitivas — desta forma fazendo com que buscassem na Psicolinguística fundamentos para a investigação da Psicogênese na língua escrita.

Importante salientar a perceção de Ferreiro e Teberosky (1986), que preserva o entendimento Piagetiano, onde o sujeito encontra-se no ponto de partida e com foco

central de sua própria aprendizagem e autor do seu próprio conhecimento — ou seja, um sujeito cognoscente.

“O Sujeito que conhecemos através da teoria de Piaget é um sujeito que procura activamente compreender o mundo que o rodeia, e trata de resolver as interrogações que este mundo provoca. Não é um sujeito que espera que alguém que possui um conhecimento o transmita a ele, por um ato de benevolência. É um sujeito que aprende basicamente através de suas próprias ações sobre os objetos do mundo, e que constrói suas próprias categorias de pensamento ao mesmo tempo que organiza seu mundo” (idem, p. 26).

Os níveis estruturais da linguagem escrita segundo Ferreiro e Teberosky (1986), descreve os níveis e as principais características das hipóteses sobre linguagem escrita descrito pelas crianças.

Ao passar por diversas etapas durante o processo de aquisição da linguagem escrita, a criança cria hipóteses regulares que dependem de suas experiências, evoluindo de uma etapa para outra quando a anterior for posta em conflito.

O código de escrita alfabética possui um percurso onde a criança para atingi-la passa por 4 (quatro) níveis, tendo o «pré-silábico» como o primeiro que se destaca pelo seu caráter inicial e formador dos elementos que desenvolverão os demais em etapas distintas.

2.2.1 Primeiro Nível – Pré-silábico

Neste nível a atividade do escrever é reproduzir traços típicos da escrita que a criança identifica como forma básica da mesma, ou seja, as crianças através da observação das formas podem produzir uma série de grafismos separados na tentativa de imitação da letra de imprensa, como podem produzir grafismos ligados buscando imitar a letra manuscrita.

Em sua totalidade as escritas se assemelham muito entre si, o que não impede que a criança as considere diferentes, visto que a intenção subjectiva que presidiu a sua realização era diferente. Com essas características, torna-se claro que a escrita não pode

funcionar como veículo de transmissão de informação, pois cada um pode interpretar sua própria escrita e não as dos outros.

A tendência da criança é refletir na escrita algumas correspondências figurativas entre escrita e os objetos referidos. Assim, espera que a escrita dos nomes dos objetos e pessoas seja proporcional ao tamanho e não ao comprimento do nome, com menos ou mais letras. “A escrita é uma escrita de nomes, mas os portadores desses nomes têm, além disso, outras propriedades que a escrita poderia refletir, já que a escrita do nome não é ainda a escrita de uma determinada forma sonora” (Ferreiro & Teberosky, 1999, p.198). Vários autores denominam esta a formulação de hipóteses quantitativa do referente, sendo a de correspondência que se estabelece entre os aspetos quantificáveis do referente e os aspetos quantificáveis da escrita.

Pode ocorrer também o uso de números misturados às letras. Estas inversões são voluntárias e testemunham um desejo de exploração ativa dessas formas dificilmente assimiláveis. Neste nível a leitura do escrito é sempre global e as relações entre as partes e o todo estão muito longe de serem analisadas.

2.2.2 Nível 2 – Hipótese Silábica

A criança neste nível apresenta um progresso gráfico mais importante onde identificamos uma forma mais definida dos grafemas, que se aproxima cada vez mais das letras do alfabeto. Porém, o facto conceitual mais interessante é o que se segue trabalhando com a hipótese da quantidade mínima de grafismos para escrever algo e com a hipótese da variedade de grafismos.

A quantidade e a variedade de grafemas na escrita de cada palavra são exigências que se mantem, no entanto ao contrário do que acontecia no primeiro nível as crianças passam a notar que para poder ler as palavras que possuem significados diferentes deve haver uma diferenciação objetiva nas escritas; é assim que, quando lhes solicitam que escrevam diversas palavras, elas produzem escritas diferentes — muitas vezes como dominam poucas letras do alfabeto recorrem à variação da posição das letras para expressarem significados diversos.

Assim, nesta hipótese, a criança consegue superar um enorme problema que é a decisão de quantas letras seriam necessárias para grafar uma palavra e a quantidade de

letras utilizadas para a sua formação passará a ser associada aos sons da fala produzida, ou seja, cada emissão sonora será representada por uma única letra, o que tornará a escrita silábica.

Esse avanço realizado pela criança em seu modelo de escrita ocorre inicialmente sem um valor sonoro, todavia conforme for aumentando seu repertório sonoro e seu conhecimento sobre a escrita, ela começa a lançar escritas com valor sonoro. Registra-se, ainda, a transição da leitura global para uma leitura silabada.

2.2.3 Nível 3 - Silábico alfabético

No terceiro nível evolutivo, registra-se um grande avanço da criança na construção da escrita, sentindo-se mais confiante por descobrir que pode escrever com lógica. Apesar de todo esse avanço existe um momento de grande conflito, pois a criança precisa negar a lógica do nível silábico. O valor sonoro torna-se imperioso e a criança começa a acrescentar mais letras, devido ao maior contato com materiais escritos e a sua perceção de que a quantidade de letras que utilizava anteriormente não é mais suficiente para a escrita das palavras.

A criança já consegue fazer a correspondência letra/som, usa o eixo qualitativo e quantitativo, assim como compreende que existe uma relação entre escrita e fala. Aqui o papel do professor é essencial para ajudar essa criança a chegar ao nível alfabético através de atividades dirigidas.

2.2.4 Nível 4 – Alfabético

Neste nível a criança consegue ler e expressar graficamente o que pensa ou fala, compreendendo a organização do código, conhece o valor sonoro convencional de todas ou de grande parte das letras, juntando-as para formar sílabas e palavras faz distinção entre letra, símbolo, palavra ou frase.

Às vezes, a criança ainda não consegue dividir as frases convencionalmente (gramaticalmente), e sim, de acordo com o ritmo frasal. É importante destacar que nesse momento a criança escreve foneticamente, ou seja, faz relação entre som e letra, mas não

domina as regras ortográficas. Exemplo: escreve “caza” ao invés de “casa”, “xuva” ao invés de “chuva” ou ainda “calidade” para “qualidade”.

Ferreiro & Teberosky (1986) descrevem todo o caminho na representação por parte das crianças sobre o que é a escrita, tendo seu início na representação semântica e culminando numa representação fonética.