Já no que diz respeito aos estudos de Vygotsky (1984), o jogo é conside- rado um estímulo à criança no desenvolvimento de processos internos de construção do conhecimento e no âmbito das relações com os outros. O autor, que se aprofundou no estudo do papel das experiências sociais e culturais com base na análise do jogo infantil, afirma que no jogo a criança transforma, pela imaginação,
os objetos produzidos socialmente. Vygotsky (1984) aponta, tam- bém, que toda atividade lúdica da criança possui regras. A situação ima- ginária de qualquer tipo de brinque- do já contém regras que demonstram características de comportamento, mesmo que de maneira implícita. Para ele, o jogo é o nível mais alto do desenvolvimento no pré-escolar e é por meio dele que a criança se move cedo, além de desenvolver o compor- tamento habitual na sua idade.
Nesse sentido, o autor des- taca que o jogo é fundamental para o desenvolvimento cognitivo, pois o processo de vivenciar situações imaginárias leva a criança ao desen- volvimento do pensamento abstrato, quando novos relacionamentos são criados no jogo entre significações e interações com objetos e ações.
Frequentemente, no cotidia- no infantil, observamos crianças re- presentando situações que descrevem
O jogo propicia
interações e
atua na zona de
desenvolvimento
proximal, possibilitando
à criança vivenciar
situações que a levam a
comportamentos além
dos habituais.
Para a criança de 0 a 3
anos o objeto se sobrepõe
ao significado. A criança
precisa ver, tocar e
manipular os objetos.
Para a criança de 4 a
6 anos o significado se
sobrepõe ao objeto. A
criança vivencia papéis
e situações do seu
cotidiano por meio das
brincadeiras.
Enfim, o jogo é ação
colocada em prática.
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suas relações com os outros. Por exemplo: quase toda criança acompa- nha um adulto fazendo café. Ao tentar imitar essa ação, a criança vai além do que vivenciou quando da observação do adulto, pois não ape- nas representa toda a ação de passar o café, mas também o serve, ofere- ce outros alimentos, pergunta se está agradando, estabelecendo, assim, um diálogo significativo no meio social.
Com as teorias de Piaget (1976) e Vygotsky (1984), entende- mos que é necessário refletir sobre o papel do professor ao utilizar o lú- dico como recurso pedagógico, que lhe possibilita o conhecimento so- bre a realidade lúdica de seus alunos, bem como sobre seus interesses e suas necessidades. Paralelamente, no processo de ensino-aprendizagem o jogo deve ser visto como um meio de estimular o desenvolvimento cognitivo, social, afetivo, linguístico e psicomotor e de propiciar apren- dizagens específicas.
Assim, ao utilizar o jogo como recurso pedagógico na escola, o educador deve considerar a organização do espaço físico, a escolha dos objetos e dos brinquedos e o tempo que o jogo irá ocupar em suas ati- vidades diárias. Esses aspectos são definidos como requisitos práticos fundamentais para o trabalho com o lúdico como recurso pedagógico.
Os estudos aqui apresentados apontam que a atual perspectiva sobre os jogos infantis pode levar educadores e pesquisadores da edu- cação a incentivarem a prática do jogo como forma de proporcionar a aprendizagem e o desenvolvimento infantil. Uma vez fazendo parte do planejamento escolar, os jogos deixariam de possuir um caráter secun- dário e passariam a ser pedagogicamente aceitos.
Por que o jogo pode ensinar?
Pare
e
pense
A prática pedagógica contextualizada com os jogos, além de con- tribuir para a adaptação dos educandos ao grupo e ao meio, prepara-os
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para viver em sociedade e questionar os pressupostos das relações sociais tais como estão colocadas. Nesse sentido, atende às concepções peda- gógicas atuais que propõem formar sujeitos reflexivos, que problemati- zem as questões sociais e as transformem com criticidade e tolerância.
Contudo, a reflexão do futuro educador que irá atuar na educa- ção infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental deve passar pela ideia de que o trabalho pedagógico nesses níveis de ensino atualmente enfrenta um grande desafio, que é o resgate das diferentes linguagens relacionadas ao conhecimento estético-sensorial-expressivo, verbal e não verbal, para se contrapor aos processos de escolarização que priori- zam unicamente a aprendizagem das letras e dos números. De acordo com essa perspectiva, Junqueira Filho (2005) destaca a separação exis- tente entre a educação infantil e os anos iniciais do ensino fundamen- tal no que diz respeito ao processo de ensino-aprendizagem, pois as áreas de conhecimento são reconhecidas quando a criança entra nos primeiros anos escolares e isso se percebe porque a metodologia utiliza- da reforça as atividades como elemento principal na sistematização do conhecimento. As linguagens e o brincar encontram muitas barreiras para articularem as práticas pedagógicas do professor em sala de aula.
Assim, o entendimento sobre os aspectos favorecidos pelo lúdi- co como recurso pedagógico vem ao encontro da necessidade de simbo- lização das vivências cotidianas pela criança, facilitando que diferentes linguagens, verbais e não verbais, socializadas e ideologizadas, trans- formem-se em um instrumento do pensamento. Os estudos apontados anteriormente destacam o homem como um sujeito que interpreta o mundo a partir da subjetividade do pensamento em suas relações afe- tivas e cognitivas, construídas dentro de um contexto cultural e social. Entende-se que o pensamento é formado por relações e que o homem pensa por meio de símbolos, construídos nas relações dialéticas com o mundo cultural, social e físico.
Ao tratar desse assunto, Vygotsky (1984) defende que a criança necessita de tempo e espaço para identificar e construir sua própria realidade e o faz por meio da prática da fantasia. O autor sustenta que a imaginação em ação, ou o brinquedo, é a primeira interação da criança
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Ilustração: Andre Figueiredo Muller
no âmbito cognitivo que lhe permite ultrapassar a dimensão perceptiva motora do comportamento. Na infância, a utilização das linguagens expressivas subjetivas dá forma às vivências cotidianas e as transforma em pensamento, em uma construção dialética, sistematizando os pro- cessos psicológicos elementares em processos complexos. A criança, ao passar por esse processo, apropria-se da cultura, tornando-se parte dela. É a representação simbólica que possibilita a interiorização do mundo.
Qual é a importância das brincadeiras no ambiente escolar?
Pare
e
pense
Nessa perspectiva, ao observarmos as crian- ças em momentos livres, fica evidente que o jogo está presente na escola, independente da mediação do professor. Porém, quando a expressão lúdica da criança é mediada de maneira a intervir no seu pro-
cesso ensino e aprendizagem, essa expressão pode garantir seu direito a uma educação que respeite seu processo de construção do pensamento, permitindo-lhe a vivência nas linguagens expressivas do jogo como ins- trumento simbólico da leitura e da escrita de mundo. Assim, a utilização do lúdico como recurso pedagógico, apoiado nas dimensões reflexiva e esté- tica da construção do conheci- mento infantil, possibilita ao educador a melhoria do traba- lho pedagógico em sala de aula.
Ao trabalhar com o lú- dico como recurso pedagógico, podemos observar ainda o quanto a experiência escolar tem influên- cia na imagem que a criança faz de si
Realmente,
brincar é
coisa séria!
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mesma, sendo, pois, muito importante que o professor esteja preparado para lidar com as mais variadas situações, sem causar danos à criança que pretende ajudar. Na realidade, o que percebemos é que, muitas ve- zes, diante das mínimas dificuldades e por não saber como resolvê-las, os educadores encaminham os alunos para especialistas.
Nesse contexto, a capacitação adequada do professor contribui- ria para que muitas dificuldades pudessem ser sanadas no âmbito da escola, configurando um processo educativo de qualidade e facilitador de uma aprendizagem significativa.
Como organizar o espaço e o ambiente para os jogos e as brincadeiras?
Pare
e
pense
Os estudos de Kishimoto (2008) apontam a necessidade da cria- ção de espaços como sala de jogos e outros locais que permitam às crian- ças ter mais liberdade e possibilidades diferentes nos seus movimentos. As áreas de jogos exteriores podem ser anexas a salas de atividade na escola, influenciando favoravelmente a sensibilidade da criança. Os es- paços livres das escolas, como áreas de jogo e pátios de recreação, podem ser organizados de modo que sua disposição não perturbe o aprendi- zado nem a circulação fácil entre esses espaços e as salas de atividades.
Brincar, brincar...
Como o jogo pode ser planejado e quando o jogo pode ser espontâneo?
Pare
e
pense
A passagem da atividade espontânea à atividade planejada ocorre graças à existência de um ambiente adequado, no qual a criança possa atender à sua necessidade de movimento, bem como investir na ativi- dade de exploração de objetos, brinquedos e espaço. As brincadeiras
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permitem à criança uma forma de exploração mais centrada nas quali- dades do objeto. Essa forma de atenção acontece, inicialmente, definin- do-se melhor as condições exteriores do espaço em que se desenvolve a ação. A criança sente quando brinca com seu corpo, descobre suas ca- racterísticas corporais e estabelece relações coerentes entre as diferentes partes de seu corpo na relação vivida no espaço. A criança o percebe e o representa, o que lhe permite ampliar o universo de explorações dos aspectos imitativos e simbólicos. A criança, principalmente de 0 a 5 anos, quando na educação infantil, tem a possibilidade de prolongar a experiência sensorial e perceptiva, permitindo-lhe associar um símbolo verbal a objetos e brinquedos, o que desenvolve a área perceptivo-mo- tora, assim como no domínio do espaço (Kishimoto, 2008).
Já a criança de 6 a 11 anos, ou mais especificamente a criança que está nos anos iniciais do ensino fundamental, utiliza de todos esses procedimentos para construir sua aprendizagem. Criativa, gosta de ati- vidades inovadoras; curiosa, necessita de explorar objetos, problematizar, utilizar diferentes recursos tecnológicos para responder às suas inves- tigações. Lida com suas emoções, expressando-as por meio de gestos, posturas e da linguagem falada e escrita. Gosta de desenhar, o que a faz interagir com o seu universo simbólico, representando assim cená- rios do cotidiano familiar, escolar e social. Porém, muitas vezes essas crianças ainda apresenta insegurança, o que demonstra ao lidar com re- gras, e nesses momentos é fundamental a mediação do adulto, apoiando, questionando, escutando e ajudando a refletir sobre suas atitudes, seus conceitos, seus preconceitos e suas consequentes ações perante si e ao outro (Friedmann, 1996).
Nesse sentido, você, educador, ao organizar o espaço e os mate- riais utilizados para os jogos, pode propiciar uma ação educativa ade- quada às necessidades da criança. Tal ação possibilita que as dificul- dades escolares na área da leitura, da escrita e do cálculo possam ser diminuídas e não tenham consequências negativas para a criança.
A seguir, apresentaremos as diferentes concepções sobre o lúdi- co como recurso pedagógico à luz dos trabalhos de Kishimoto (2008) e Friedmann (1996).
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