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4.3. Técnicas de Controle de Produção Normativa

4.3.2. Controle de legalidade

A produção normativa, além de fiscalizada quanto à constitucionalidade, é também submetida ao controle de legalidade. Neste caso, não estamos a falar de vícios decorrentes de infrações às normas de produção normativa veiculadas pela Constituição, mas de violações àquelas normas introduzidas no sistema do direito positivo mediante utilização de veículo introdutor do tipo lei.

É que os vícios de produção normativa podem ocorrer também por infringência das normas não contidas na Constituição.365 Isso se verifica, por exemplo, quando a criação de novas unidades normativas não atende às prescrições veiculadas por lei. Estamos a falar, então, de casos de ilegalidade.366

O controle da legalidade é instrumento de garantia de um dos princípios mais caros ao Estado de Direito, qual seja, a legalidade. No Brasil, não se pode cogitar do estabelecimento de relações jurídicas que não estejam previstas em lei.367 É o que está estampado no art. 5º, II, da Constituição: ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei . Como limite objetivo que é, este princípio desdobra-se no campo tributário,368 tendo a Carta Política assegurado a todos os contribuintes ser vedado às pessoas políticas investidas de competência tributária exigir ou aumentar tributos sem lei que o estabeleça (art. 150, I).

No exercício do controle da legalidade, pode o ato de produção normativa ser apanhado por aqueles mesmos vícios, ou seja, por infração à norma que estabelece a competência, por infração à norma que estabelece o procedimento e por infração à norma que delimita a matéria. Em todas as hipóteses, será necessária a produção de uma norma jurídica que constitua em linguagem competente o vício de ilegalidade.

365 GABRIEL IVO, Norma Jurídica: produção e controle. Tese (Doutorado em Direito) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2004, p. 150.

366 Conforme J. J. GOMES CANOTILHO, A directiva tradicional é bem conhecida: inconstitucional é toda a norma que viola os preceitos constitucionais; ilegal (ou ilícito, como, por vezes, se diz) é todo acto infralegal que contraria simplesmente «o direito da lei». Ainda hoje a distinção entre acto inconstitucional, violador do direito constitucional, e acto ilegal, violador do direito ordinário, serve para estabelecer a delimitação de competências entre jurisdição constitucional e tribunais ordinários (Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas, 1994, p. 207 destaques nossos). 367 PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso de direito tributário, 2005, p. 151-152.

368 Cf., acerca da legalidade e da legalidade tributária, ROQUE ANTONIO CARRAZZA, Curso de direito constitucional tributário, 2003, p. 213-347. Ainda sobre o tema, v. JÚLIO M. DE OLIVEIRA, O princípio da legalidade e sua aplicabilidade ao IPI e ao ICMS, 2006, p. 229-235.

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Esse controle alcança igualmente normas gerais e abstratas, gerais e concretas, individuais e abstratas e individuais e concretas. A ilegalidade, com relação às normas gerais e abstratas, qualquer que seja o vício, afeta a eficácia técnica da norma jurídica. Não há eliminação da norma geral e abstrata do sistema do direito positivo. O ordenamento brasileiro não prevê, para o exercício do controle de legalidade, a possibilidade do pronunciamento do Poder Judiciário ter eficácia contra todos e efeito vinculante.

Podemos concluir, então, que o texto normativo, a partir do qual a norma geral e abstrata é construída, não é atingido. Daí afirmarmos que, no controle de legalidade, a produção de norma jurídica que constitua em linguagem competente a ilegalidade de norma geral e abstrata opera sempre no plano das significações.

Na fiscalização da legalidade verifica-se se as normas construídas a partir de enunciados prescritivos veiculados por instrumentos introdutores de inferior nível hierárquico estão ou não em conflito com aquelas significações produzidas com base em enunciados prescritivos objetivados em diploma normativo do tipo lei, situada em patamar hierárquico superior.

Neste ponto, cumpre esclarecer que lei em sentido amplo é todo aquele instrumento introdutor de normas habilitado a inovar a ordem jurídica, estabelecendo regras validamente, conforme o art. 5º, II, da Constituição. Tratam-se dos chamados instrumentos primários,369 compondo este rol as leis complementares, as leis

ordinárias, as leis delegadas, as medidas provisórias, os decretos-legislativos (do Congresso Nacional) e as resoluções (do Congresso e do Senado).

Há, ainda, veículos introdutores de normas que não estão credenciados a inaugurar a ordem jurídica, mas a exercer função executiva dos comandos emanados da lei.370 Tem-se, aqui, os chamados instrumentos secundários,371 tais

como os decretos, as instruções ministeriais, as circulares, as portarias, as ordens de serviço, além de outros diplomas expedidos pelos órgãos da Administração, inclusive da Administração Tributária.

369 PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso de direito tributário, 2005, p. 56-75.

370 Sobre a lei e a faculdade regulamentar, ROQUE ANTONIO CARRAZZA, Curso de direito constitucional tributário, 2003, p. 326-346.

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Questão delicada, entretanto, remete à incompatibilidade entre normas jurídicas veiculadas, ambas, por instrumentos primários. É o que ocorre no conflito entre normas jurídicas introduzidas por lei complementar e por lei ordinária.372

Pensamos que a resolução da incompatibilidade dependerá de a lei ordinária ter fundamento de validade (a) direta e somente na Constituição, ou (b) também na lei complementar, hipótese na qual, em tese, existiria o vínculo de subordinação hierárquica.

Admitindo-se, por hipótese, que as normas introduzidas tanto pela lei complementar quanto pela lei ordinária encontrem fundamento de validade apenas na Constituição, então não haverá relação de subordinação hierárquica. No caso, não há que se falar no controle de legalidade, mas de constitucionalidade. Nesta hipótese, pode a lei ordinária, teoricamente, infringir norma de produção normativa veiculada pela própria Constituição, de modo que o aparente conflito com a lei complementar serviria como mero parâmetro para a aferição (ou não) do vício de inconstitucionalidade.373

De outro modo, se no caso em concreto existir relação de subordinação hierárquica, de forma que a lei ordinária tenha fundamento de validade também na lei complementar, pode haver efetivamente um conflito normativo374, a ser resolvido mediante o controle de legalidade. Neste caso, inclusive, pode ser decretada a ilegalidade das normas jurídicas construídas a partir de texto normativo veiculado por instrumento introdutor de inferior hierarquia.

372 Esse tema será mais detidamente analisado no próximo capítulo, quando trataremos da lei complementar. 373 Nesse sentido, o histórico julgamento do Supremo Tribunal Federal acerca da cobrança do chamado Imposto sobre o Lucro Líquido (ILL), prevista no art. 35 da Lei n. 7.713/88. Na oportunidade, decidiu-se (1) pela inconstitucionalidade da exigência no caso dos acionistas de sociedades por ações (S/A), (2) por interpretação conforme, pela constitucionalidade quanto aos sócios cotistas na hipótese do respectivo contrato social da sociedade prever a disponibilidade imediata do lucro líquido apurado, e (3) pela constitucionalidade com relação ao titular de empresa individual. Em todos os casos, a aferição de constitucionalidade ou não da Lei n. 7.713/88 (art. 35) tomou como parâmetro o disposto no art. 43 do Código Tributário Nacional que, neste particular, estaria a exercer papel de lei complementar, assim explicitando o fato gerador do imposto sobre a renda (Recurso Extraordinário n. 172.058-1/SC, Plenário, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, julgamento em 30.06.1995, DJ 13.10.1995).

374 A competência para o julgamento de conflito entre uma lei local (estadual, distrital ou municipal) e uma lei federal (complementar, por exemplo) competia ao Superior Tribunal de Justiça, conforme a antiga letra b do inciso III do art. 105 da Constituição Federal. Com a promulgação da Emenda Constitucional n. 45, de 30.12.2004, essa competência foi atribuída ao Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, III, d: Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: (...) III julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: (...) d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal (destaques nossos).

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Por último, é importante ressaltar que o controle de legalidade comporta, também, a fixação da validade de interpretações. O controle, então, viabiliza a conformação de normas gerais e abstratas de inferior hierarquia às normas gerais e abstratas de patamar superior. Por exemplo, existindo subordinação hierárquica entre normas veiculadas por lei complementar e normas introduzidas por lei ordinária, eventual conflito pode ser resolvido pelo controle de validade. Nesta hipótese, observados os limites semânticos impostos pelo elemento literal do texto normativo da lei ordinária, pode ser construído sentido que se ajuste (conforme) às normas veiculadas pela lei complementar.

Nesse sentido, há interessante precedente firmado em 2006 pelo Superior Tribunal de Justiça,375 conformando, no controle de legalidade, norma jurídica veiculada por lei ordinária com norma de hierarquia superior introduzida por lei complementar. Assim é que, em aproximação com a técnica da interpretação conforme à Constituição própria da jurisdição constitucional, o controle de legalidade permite a construção de significações a partir de enunciados prescritivos veiculados por lei ordinária que se conformem às normas veiculadas por lei complementar.