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4 GÊNESE DO CAMPO CONTROLE INTERNO DO PODER EXECUTIVO

4.2 As condições sociais para a segregação entre controle interno e gestão pública no

4.2.1 O controle interno instituído pela CF/1967 e a lógica de controle definida pelo

O golpe militar de 1964 não provocou ruptura com a proposta de reforma administrativa, cuja discussão havia sido iniciada no Governo João Goulart por meio da Comissão Amaral Peixoto, e nem com a mudança indicada na Lei n. 4.320/1964 para os mecanismos de controle da administração pública.

Em relação à reforma, o governo, com o aceite dos próprios relatores da proposta - Gustavo Capanema e Amaral Peixoto - retirou o projeto de lei e formou a Comissão de Estudos Técnicos para a Reforma Administrativa (Comestra) encarregada de propor novo projeto de reforma para a administração pública. Na Comissão, três visões competiram entre si: a visão conservadora, centralizadora e burocratizadora de Simões Lopes, a visão liberal de Roberto Campos e a gerencialista de Hélio Beltrão (GAETANI, 2003).

Hélio Beltrão era favorável à reforma alinhada ao movimento internacional de

liberation management, que defendia descentralização e a liberação dos gestores de controle

burocráticos ex-ante, com valorização do controle de resultados. Roberto Campos, como liberal, considerava que a reforma deveria se pautar na redução do tamanho e função do Estado e na centralização da tomada de decisões e do controle por um núcleo dirigente. Essas alterações poderiam inibir o comportamento autointeressado de políticos e burocratas, cujas atuações representavam frequetemente a criação de dificuldades, pelos primeiros, para a venda de facilidades pelos segundos.

Ao final de quase um ano de trabalho, a Comissão se dissolveu em meio à disputa entre Beltrão e Roberto Campos, dado que Lopes, vencido pelos dois, já havia deixado a Comissão anteriormente (GAETANI, 2003).

Quanto à alteração proposta pela Lei n. 4.320/1964, com previsão de criação de controle interno pelo Poder Executivo e fim do controle prévio pelo Tribunal de Contas da União (TCU), o que se seguiu foi forte reação desse órgão se contrapondo à mudança. O Tribunal lutou contra o fim do controle prévio sobre a execução orçamentária e financeira do Poder Executivo, a despeito das dificuldades que enfrentava, inclusive de desproporcionalidade entre capacidade institucional e competências legais que o obrigava, por exemplo, a soluções tais como aprovação de processos por decurso de prazo. Essa posição fica evidenciada pela reação ao projeto de carta constitucional publicado em outubro de 1966, conforme citação de Silva (1999, p.5).

Perde o Tribunal, por inteiro, o controle dos atos da gestão financeira, segundo os princípios consagrados no Direito Constitucional do País, com fundamento na jurisdição preventiva, na expressão de Rui Barbosa; perde a competência de julgar a legalidade de contrato, das aposentadorias, reformas e pensões; perde a atribuição de acompanhar, passo a passo, a execução orçamentária; perde a competência de manter controle direto sobre as contas dos responsáveis por dinheiros e outros bens públicos... O Poder Executivo passa, portanto, a exercer as funções até então deferidas ao órgão de fiscalização e controle das finanças do Estado, erigindo-se, de instituição fiscalizada, em instituição fiscalizadora, através de controle interno.

Para o Tribunal, a perda da competência de controle prévio conduziria à impossibilidade de efetivo controle sobre a despesa pública, dado que a ação fiscalizadora deve se antecipar à ação do administrador, objetivando coibir o mau uso do dinheiro público. Verifica-se que, ao contrário dos auditores independentes americanos, que propuseram a constituição de controle interno como condição para ampliação da segurança para emissão de seus pareceres, em organizações complexas, no Brasil, o TCU fez uma defesa corporativa de competências. Não compreendeu o movimento internacional relativo ao tema emergente de controle interno e se colocou como opositor à proposta da Lei.

O efeito das disputas entre os pontos de vista neoinstitucionalista de Roberto Campos e gerencialista de Hélio Beltrão, bem como da reação do TCU ao fim do controle prévio, pode ser avaliado à luz dos fatos subsequentes. Segundo Gaetani (2003), o texto base para a reforma administrativa da administração pública, instituída pelo Decreto-Lei n. 200, de 25/2/1967, e apoiada pelas mudanças incluídas na CF/1967, promulgada em 24/1/1967, foi redigido por Teixeira Dias, homem da confiança de Roberto Campos.

De forma conciliadora, os normativos acolheram os pontos de vista que se enfrentaram. Os princípios de descentralização administrativa e da delegação de responsabilidades decorreram da influência de Hélio Beltrão, enquanto Roberto Campos

influenciou a centralização, em núcleo sistêmico, das principais funções administrativas - planejamento, orçamento, administração financeira, logística e controle - sob a coordenação direta do Poder Executivo Federal.

O TCU, por outro lado, foi contemplado na CF/1967, que definiu a constituição de um controle interno também integrado ao controle político. Ambos os controles foram previstos por artigos constantes de capítulo referente ao Poder Legislativo, mesmo a estrutura de controle interno sendo parte integrante do Poder Executivo. No caput do art. 71, está definido que a fiscalização financeira orçamentária da União será exercida pelo Congresso Nacional, por meio do controle externo e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo

[...]Da Fiscalização Financeira e Orçamentária

Art 71 - A fiscalização financeira e orçamentária da União será exercida pelo Congresso Nacional através de controle externo, e dos sistemas de controle interno do Poder Executivo, instituídos por lei.

§ 1º -O controle externo do Congresso Nacional será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas e compreenderá a apreciação das contas do Presidente da República, o desempenho das funções de auditoria financeira e orçamentária, e o julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por bens e valores públicos.

§ 2º - O Tribunal de Contas dará parecer prévio, em sessenta dias, sobre as contas que o Presidente da República prestar anualmente. Não sendo estas enviadas dentro do prazo, o fato será comunicado ao Congresso Nacional, para os fins de direito, devendo o Tribunal, em qualquer caso, apresentar minucioso relatório do exercício financeiro encerrado.

§ 3º - A auditoria financeira e orçamentária será exercida sobre as contas das unidades administrativas dos três Poderes da União, que, para esse fim, deverão remeter demonstrações contábeis ao Tribunal de Contas, a quem caberá realizar as inspeções que considerar necessárias.

§ 4º - O julgamento da regularidade das contas dos administradores e demais responsáveis será baseado em levantamentos contábeis, certificados de auditoria e pronunciamentos das autoridades administrativas, sem prejuízo das inspeções referidas no parágrafo anterior.

§ 5º - As normas de fiscalização financeira e orçamentária estabelecidas nesta seção aplicam-se às autarquias (BRASIL, 1967).

Observa-se que os sistemas de controle interno do Poder Executivo são apresentados como meios para o Congresso Nacional exercer o controle político sobre o próprio Poder Executivo. No entanto, não fica estabelecida, nos parágrafos seguintes, a relação entre o Congresso Nacional e os sistemas de controle interno. O art. 72, ao definir as competências do sistema de controle interno (diferente de sistemas conforme indicado no art. 71) inclui o apoio à eficácia do controle externo, conforme a seguir

Art. 72 - O Poder Executivo manterá sistema de controle interno, visando a: I - criar condições indispensáveis para eficácia do controle externo e para assegurar regularidade à realização da receita e da despesa;

II - acompanhar a execução de programas de trabalho e do orçamento; III - avaliar os resultados alcançados pelos administradores e verificar a execução dos contratos (BRASIL, 1967a).

Dessa forma, verifica-se que a CF/1967 integrou os conceitos de controle político, controle externo e controle interno, alinhando o controle interno ao externo, localizando no primeiro a competência de realizar o controle prévio sobre as despesas públicas. Essa medida não deve ser analisada de forma dissociada da reação do Tribunal à perda da competência de controle prévio da administração pública, pois obrigou o Poder Executivo a constituir um ponto de apoio ao controle externo, interno a suas estruturas para compensar aquele órgão pelas supressões de competência relativas ao controle prévio. Assim, a definição constitucional privilegiou uma concepção de controle político para o controle interno a ser constituído pelo Poder Executivo Federal.

O Decreto-Lei n. 200/1967 instituiu o controle como função administrativa. Sem mencionar o termo controle interno ou sistema de controle interno, o normativo estabelece dois níveis de controle na administração pública. No primeiro nível, define o controle dos gestores dos órgãos e das entidades públicas sobre os atos praticados em suas esferas de competência. Como segundo nível, propõe a coordenação centralizada do Ministério da Fazenda sobre a administração pública, por meio da gestão dos sistemas de administração financeira, da contabilidade e da auditoria e, como terceiro nível, estabelece o controle do uso de recursos públicos (bens e dinheiros) pelo sistema de auditoria

Art. 13 O contrôle das atividades da Administração Federal deverá exercer-se em todos os níveis e em todos os órgãos, compreendendo, particularmente: a) o contrôle, pela chefia competente, da execução dos programas e da observância das normas que governam a atividade específica do órgão controlado;

b) o contrôle, pelos órgãos próprios de cada sistema, da observância das normas gerais que regulam o exercício das atividades auxiliares;

c) o contrôle da aplicação dos dinheiros públicos e da guarda dos bens da União pelos órgãos próprios do sistema de contabilidade e auditoria (BRASIL, 2007b)

A previsão é de controle da execução das metas pelas chefias competentes, da legalidade pelos órgãos próprios de cada sistema (administração financeira, contabilidade e auditoria) e da fidelidade na aplicação dos dinheiros públicos, controle a ser exercido pelos órgãos dos sistemas de contabilidade e auditoria. Integrando essas competências, o Decreto- Lei institui as Inspetorias Gerais de Finanças, conforme art. 23

Art. 23. Os órgãos [...] têm a incumbência de assessorar diretamente o Ministro de Estado e, por fôrça de suas atribuições, em nome e sob a direção do Ministro, realizar estudos para formulação de diretrizes e desempenhar funções de [...] inspeção e contrôle financeiro, desdobrando-se em:

[...]

II - Uma Inspetoria Geral de Finanças.

§ 2º A Inspetoria Geral de Finanças, que será dirigida por um Inspetor-Geral, integra, como órgão setorial, os sistemas de administração financeira, contabilidade e auditoria, superintendendo o exercício dessas funções no âmbito do Ministério e em cooperação com a Secretaria Geral no acompanhamento da execução do programa e do orçamento (BRASIL, 2007b).

A obrigação constitucional de prover o Tribunal de Contas da União com informações relativas à administração financeira, patrimonial e de créditos dos órgãos da administração pública direta e indireta foi definida, nos termos do art. 25, 75, 81 e 82, como responsabilidade ministerial e de todos os agentes ordenadores de despesas. Em especial, definiu como competência do sistema de auditoria a certificação da regularidade dos atos praticados por esses agentes, antes do encaminhamento das contas ao Tribunal

Art . 25. A supervisão ministerial tem por principal objetivo, na área de competência do Ministro de Estado:

[...]

XI - Transmitir ao Tribunal de Contas, sem prejuízo da fiscalização deste, informes relativos à administração financeira e patrimonial dos órgãos do Ministério.

Art. 75. Os órgãos da Administração Federal prestarão ao Tribunal de Contas, ou suas delegações, os informes relativos à administração dos créditos orçamentários e facilitarão a realização das inspeções de contrôle externo dos órgãos de administração financeira, contabilidade e auditorias. Art. 81. Todo ordenador de despesa ficará sujeito a tomada de contas realizada pelo órgão de contabilidade e verificada pelo órgão de auditoria interna, antes de ser encaminhada ao Tribunal de Contas.

Art. 82. As tomadas de contas serão objeto de pronunciamento expresso do Ministro de Estado, dos dirigentes de órgãos da Presidência da República ou de autoridade a quem estes delegarem competência, antes de seu encaminhamento ao Tribunal de Contas para os fins constitucionais e legais. § 1º A tomada de contas dos ordenadores, agentes recebedores, tesoureiros ou pagadores será feita no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias do encerramento do exercício financeiro pelos órgãos encarregados da contabilidade analítica e, antes de ser submetida a pronunciamento do Ministro de Estado, dos dirigentes de órgãos da Presidência da República ou da autoridade a quem êstes delegarem competência, terá sua regularidade certificada pelo órgão de auditoria.

Ao comparar as visões de controle interno entre a Constituição Federal e o Decreto- Lei identifica-se a conciliação de interesses entre agentes institucionais. O Decreto-Lei n. 200/1967 instituiu a noção de controle como processo que permeia a gestão, criando as secretarias gerais dos ministérios, como setoriais de planejamento e orçamento, e

transformando as contadorias em Inspetorias Gerais de Finanças (IGF), pelo Decreto n. 61.386/1967, como setoriais dos sistemas de administração financeira, contabilidade e auditoria. O auxilio ao TCU encontra-se mencionado especificamente em artigos que definem a responsabilidade de supervisão ministerial e da obrigação de prestação de contas dos gestores federais e, em especial, vinculado ao sistema de auditoria, sob a responsabilidade das IGF.O próximo item identifica, nas estruturas e nos agentes, consequências relevantes dessa conciliação para a noção de controle interno decorrente dessas definições.

4.2.2 As disputas para (re)definição da estrutura e da competência das estruturas de controle