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2.3 Fundamentos para proposição da Teoria da Prática de Pierre Bourdieu para

2.3.1 A crítica de Pierre Bourdieu às dualidades das ciências sociais

A crítica às dualidades das ciências sociais e ao “[...] funcionamento classificatório do pensamento acadêmico” (BOURDIEU, 2010a, p.41) de Pierre Bourdieu solicita ao leitor disposição para reflexão sobre novo ponto de vista e possíveis quebras de paradigmas.

Desde o início de suas pesquisas na Argélia, nos anos 60, Bourdieu se nega a assumir as visões predominantes nas ciências sociais (WACQUANT, 2006) e busca, na filosofia ,auxílio para propor uma sociologia capaz de se aproximar do mundo social, ao invés de se

transgressão ou a ruptura com as formas de pensar intelectualista e tudo que ela encobria de

violência contra a ordem social [...]” (BOURDIEU, 2010b, p.16), o que lhe permitiu

gradualmente constituir nova forma de compreensão de práticas sociais.

Em toda a sua obra, ele defendeu que as dualidades das ciências sociais decorrem de falsas oposições provocadas pela visão substancialista do mundo social e que a classificação em várias escolas deriva da lei fundamental do campo científico, que é a disputa pelo monopólio da autoridade de impor visões parciais da realidade social como critério de verdade (BOURDIEU, 1983). O modo de pensar substancialista entende o fenômeno social como tendo essência derivada da objetividade ou da subjetividade.

Para a superação desse modo de pensar, segundo o próprio autor, foram fundamentais, na sua formação, as contribuições de Gaston Bachelard e Ernst Cassirer que o auxiliaram a compreender as concepções relacionais da realidade social (BOURDIEU, 1996a).

Bachelard (1996) havia examinado as implicações epistemológicas das revoluções que as teorias da relatividade e da mecânica quântica provocaram na física e na química. Baseando-se nas novas formas de enfrentamento do objeto de pesquisa na química e na física, ele afirmou que o cientista, ao constituir o seu objeto de observação, não está mais olhando de fora, mas participando do fenômeno e alterando o objeto de pesquisa. Essa mudança implicou a percepção de limitações do pensamento idealista e substancialista para o novo conhecimento científico. O autor reconhece essa característica também no universo social e combina a imaginação dos idealistas (racionalismo) com a experiência dos empiricistas (VANDENBERGHE, 2010), para propor a emergência do novo conhecimento científico. Trata-se de conhecimento científico que aborda o fenômeno social como tecido de relações das quais o cientista é parte integrante (BACHELARD, 1996).

A concepção relacional é central na teoria de Pierre Bourdieu. Ele transpõe para a sociologia um modelo de pensamento que rompe com a visão de mundo substancialista e mecanicista. A natureza relacional do mundo social lhe dá o que o fato era para Émile Durkheim, o que o sujeito era para Max Weber, o que a dialética era para Karl Marx e o que o mito era para Claude Lévi-Strauss, sem ignorar nenhum desses elementos.

Segundo Pierre Bourdieu, a ignorância da formação relacional do mundo social levou estudiosos das ciências sociais a tratar as atividades ou preferências próprias de determinado momento particular como propriedades inscritas como essência do mundo social. Esse tratamento instalou as dicotomias favorecidas pelas interpretações dos clássicos das ciências sociais.

É nesse sentido que o autor interpreta as oposições presentes nas ciências sociais, entre teóricos e empiristas, entre subjetivistas e objetivistas, entre estruturalistas e fenomenologistas. Cita o estruturalismo que pretende descrever relações objetivas de forma independente das vontades individuais e a fenomenologia que busca compreender a experiência dos agentes em suas interações de forma independente das estruturas sociais.

Em toda a obra de Pierre Bourdieu, há referência à crença de que o progresso da sociologia exige a integração, sem recorrências a conciliações dos esquemas de pensamento constituídos pelos clássicos Durkheim, Weber e Marx22 (BOURDIEU, 2010a; 2007; 2004a; 2002;1996a;1996b;1983).

Com essas percepções fundadoras sobre as possibilidades de conhecer a realidade social, Pierre Bourdieu critica o monopólio da autoridade científica que algumas correntes consideram ter e as limitações sustentadas pelas oposições dessas correntes, segundo ele, fictícias do ponto de vista da ciência, mas sociologicamente reais no campo científico. Considera que os dados objetivos que as estatísticas oferecem como categorias do espaço social são apenas registros do espaço social visível em determinado momento histórico. Da mesma forma, os discursos dos sujeitos apresentados como realidade social, na abordagem subjetiva, escondem visões naturalizadas do mundo social de agentes que são constituídos pelo próprio mundo social (BOURDIEU, 2010a; 2007, 2004a). Para escapar a essas limitações, Pierre Bourdieu defende que as práticas dos agentes são derivadas do processo de formação recíproca entre a objetividade e a subjetividade.

Ao invés de compreender os fenômenos sociais por meio das relações entre estruturas objetivas, como faz a maioria das pesquisas (as positivistas-funcionalistas), ou pela identificação do que pensam os agentes que integram o espaço social, o autor propõe identificar a lógica fundadora do espaço social e verificar como essa lógica fundadora é absorvida na constituição recíproca entre agentes e estruturas.

Essa crítica auxilia na reflexão sobre possíveis efeitos de distorções que o “[...] ponto de vista escolástico [...]” (WACQUANT, 2002) introduz entre a vida social real e as observações que os cientistas produzem, ao “[...] tomar as coisas da lógica pela lógica das coisas [...]” (BOURDIEU, 2004a, p.79). O próximo item aborda a proposta que pretende objetivar a lógica dos fenômenos sociais de forma a realizar a superação das dicotomias das ciências sociais.

22 É possível, para completar o conjunto dos pressupostos que define as dualidades das ciências sociais, acrescentar Claude Lévi-Strauss, cuja ausência, na sua citação, pode ser debitada às repercussões da sua cisão com o estruturalismo. Tanto assim que, em sua obra, há referências consideráveis sobre a importância de Claude Lévi-Strauss em seu modelo e sobre as insuficiências que o levaram a superar o estruturalismo.

2.3.2 A proposta de Pierre Bourdieu para superação das dualidades para compreensão dos