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2. Direitos Humanos: Conceitos e Efetividade 14

1.5. Críticas aos Direitos Humanos 38

Se a idéia de direitos humanos tem avançado através dos tempos, inclusive dentro da área do direito, civil e internacional, da política e da economia, Sen (2000) e outros autores concordam que a retórica dos direitos humanos está em franco processo de aceitação, por governantes e cidadãos. No entanto, essa defesa dos direitos humanos coexiste com criticas, e ceticismo. Nas palavras do próprio Sen, “Suspeita-se que exista uma certa ingenuidade em toda a estrutura conceitual que fundamenta a oratória sobre direitos humanos”. (SEN, 2000, p. 261).

De acordo com este autor, são três as correntes de crítica aos direitos humanos. A primeira, que é chamada de crítica da legitimidade, diz respeito ao fato de que muitos discursos de defesa aos direitos humanos podem estar confundindo os princípios que orientam o sistema legal com o resultado da prestação judicial que delineia um direito no tempo, no espaço, ou seja, dá um direito bem definido.

O argumento principal é o de que os direitos humanos são valores, que permeiam o ordenamento jurídico, mas não são propriamente leis; são pré- institucionais, não existem sem o Estado, que os garante. Como bem coloca o autor,

Encontramos em comum [nos críticos dessa vertente] a insistência em que os direitos sejam vistos em termos pós-institucionais como instrumentos, em vez de como uma pretensão ética prévia. Isso colide com a idéia básica dos direitos humanos universais. (SEN, 2000, p. 263).

Sem (2000) argumenta que raciocinar desta forma é desconsiderar que a reivindicação de legalidade que está presente quando se fala em direitos humanos corresponde à importância ética de reconhecer certas pretensões a todos os seres humanos. Além disso, os direitos humanos podem, muitas vezes, “invocar

efetivamente um direito humano em contextos nos quais até mesmo sua imposição legal pareceria imprópria” (SEM, 2000, p. 264), dada a dificuldade de generalização das situações concretas quotidianas de aplicação do principio ético em uma lei, como por exemplo, o direito ao respeito.

A segunda corrente está relacionada com a coerência da forma assumida pela ética e política dos direitos humanos. Direitos somente são definidos, por um lado, se existirem, correlatamente, deveres, do outro. Quando se diz que todos os seres humanos têm direito à habitação, quem é o devedor do outro lado (o que Sen chama de dever específico de um agente)? Essa é a crítica da coerência.

A principal questão aqui envolvida é a de que, como levar a sério o discurso de direitos humanos, como pensá-los realizáveis, se ao direito subjetivo enunciando não corresponde um dever subjetivo?

A observância dos direitos humanos, sem dúvida, é facilitada quando esses direitos são veiculados sob uma regra definidora de direito, identificando o dever exigível da outra parte sem nenhuma incerteza. A dificuldade de concretização é maior, de acordo com Barcellos (2003), quando os direitos nascem sob forma de princípios26 (por exemplo, a dignidade da pessoa, a valorização do trabalho, entre outros). Sen (2000) refuta a crítica da coerência colocando que, ainda que essa abordagem possa ser correta em muitos casos, mas, em geral, quando se fala em direitos humanos, esses são pretensões, poderes ou imunidades que seria bom que todas as pessoas possuíssem, são benefícios que as pessoas deveriam poder acessar. O autor concorda que postos dessa maneira, existe probabilidade de que os direitos não venham a se concretizar, mas segundo ele, “sem dúvida somos capazes de distinguir um direito que a pessoa tem e não se cumpriu e um direito que uma pessoa não tem”. (SEN, 2000, p. 265). Ou seja, dentro desta linha de raciocínio, os críticos podem até acertar quanto à probabilidade de não concretização dos direitos enunciados, e, no entanto, não provêm uma alternativa ao discurso dos direitos.

26 Quando os direitos são assim especificados, de acordo com Barcellos (2003) duas são as conseqüências dentro do ordenamento jurídico: a primeira ocorre no campo da interpretação; quer dizer, os princípios (constitucionais) orientam a interpretação das normas em geral, inclusive das normas constitucionais, sendo que o intérprete sempre deve escolher aquela opção que realiza melhor o efeito pretendido pelo princípio pertinente; a segunda diz respeito ao fato de que são considerados inválidos (revogados) todos os atos ou normas que contrariem o princípio em questão.

Finalmente, a terceira corrente diz respeito ao universalismo dos direitos humanos. Existem culturas nas quais é socialmente aceitável a violação da integridade física da pessoa, por exemplo, em um ritual de passagem da infância para a idade adulta. Dentre aqueles que se filiam à crítica da cultura, estão aqueles que argumentam que não existem valores universais – todos os valores são definidos dentro do contexto cultural de uma determinada sociedade. Em outras palavras: não se pode desconsiderar as diferentes culturas, nem os diferentes níveis de desenvolvimento econômico quando se pensa em garantia e concretização dos direitos humanos. (SEN, 2000).

Além dessa primeira vertente crítica, mais abstrata, existe um argumento, desta vez, mais específico, muito utilizado, de que os direitos humanos são uma construção do ocidente liberal. Isso prejudicaria a absorção destes direitos, bem como sua promoção e proteção em países com culturas diferentes da ocidental. Sem (2000) discute esse argumento em termos de confrontamento do Ocidente e do Oriente: existe uma presunção de teóricos ocidentais de que a liberdade política e a democracia são características fundamentais e antigas da cultura ocidental, quando o mesmo não ocorre com a cultura ocidental. Além disso, para responder a essa critica, ele separa o valor em si (por exemplo, liberdade pessoal), da distribuição eqüitativa de valor entre os indivíduos de determinada sociedade (igualdade de liberdade). Para este autor, o valor liberdade, para utilizar o mesmo exemplo, não se confunde com a igual liberdade de todos os indivíduos da sociedade. Para ele, uns são mais livres (substantivamente) que outros, e essa realidade não é um privilégio do oriente, acontece também no ocidente.

A Conferência de Viena, em 1993, abraçou o universalismo, rechaçando o relativismo cultural. A Declaração de Viena, em sua parte operativa, admite que os contextos históricos, étnicos e religiosos devem ser levados em conta, mas é dever dos Estados promover e proteger todos os direitos humanos, independentemente dos respectivos sistemas.

Para finalizar, acrescentamos a perspectiva de Sen (2000), de que o universalismo estabelece parâmetros de comparação, que são de considerável poder para determinar o conteúdo da expressão “direitos humanos”. Em primeiro lugar, porque estabelece um valor ideal com o qual pode-se identificar, por comparação, situações de exclusão, opressão e dominação. Em segundo lugar, esse ideal dá inspiração legal para o direito de resistência a esses tipos de sujeição,

quer dizer, o contraste entre o ideal de inclusão e a realidade de desigualdades é o motor de muitas lutas pela mudança. Na verdade, os direitos humanos exercem um papel construtivo na gênese de valores e prioridades dentro de uma sociedade.