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1.3 Política habitacional no governo Lula e Dilma: continuidade da

1.3.1 Criação do Ministério das Cidades

A criação do Ministério das Cidades (MCID) aloca quatro grandes áreas fundamentais para o desenvolvimento do país através da reorganização das secretarias de Habitação, Transporte e Mobilidade, Saneamento Ambiental e Programas Urbanos, além da Secretaria Executiva. Passou a abrigar também o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) e, como órgãos associados, a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) e a Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre S.A. (Trensurb). Faz parte ainda dessa estrutura o Conselho Nacional das Cidades, em tese, mecanismo de controle social da política urbana.

A criação deste novo Ministério em 2003 define a importância que a articulação entre a questão habitacional e urbana deveria assumir, a partir da inédita possibilidade de se planejar e articular a ação urbana, ao buscar, em tese, a definição de uma política nacional de desenvolvimento urbano em consonância com os demais entes federativos (município e estado), demais poderes do Estado (legislativo e judiciário) além da participação da sociedade.

A missão, conforme define o próprio MCID, é “garantir o direito à cidade a todos os seus habitantes, promovendo a universalização do acesso à terra urbanizada e à moradia digna, ao saneamento ambiental, à água potável, ao trânsito

22Pretende-se evitar nesta pesquisa descrever os processos decorrentes de escândalos a que esse

governo ou partidários praticaram ou foram expostos, apesar da relevância nos desdobramentos históricos e políticos nacionais, por entender que eles não interferem na adoção das medidas afetas à habitação, mesmo sabendo que em alguns momentos decisões políticas e econômicas foram precipitadas em função de acalmar a repercussão das denúncias.

e à mobilidade com segurança, e ao meio ambiente saudável, por meio da gestão democrática” (Conferência das Cidades, MCID).

Bonduki (2008), reconhece “pela primeira vez no país, a possibilidade de se planejar e articular a ação urbana”, observando que:

O Ministério, segundo a proposta, não deveria ter uma função executiva, mas de coordenação de toda a política urbana e habitacional no país, estruturando e implementando o Sistema Nacional de Habitação, elaborando o Plano Nacional de Habitação e estabelecendo as regras gerais do financiamento habitacional. Da mesma forma, Estados e Municípios deveriam criar, caso já não tivessem, secretarias de desenvolvimento urbano e habitacional, órgãos de gestão regional e local da política habitacional. (BONDUKI, 2008).

O Ministério das Cidades, bem como o Conselho Nacional das Cidades tiveram inspiração e origem a partir do Projeto Moradia23, organizado em Parceria com a Fundação Djalma Guimarães. Concluído em maio de 2000, apresentou soluções concretas para o problema do déficit habitacional brasileiro, partindo do conceito de “moradia digna”.

O Projeto Moradia partia do pressuposto de que era fundamental a dinamização do mercado habitacional para a classe média, que deveria ser atendida pelos recursos alocados no Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), deixando de utilizar recursos alocados no FGTS, que seria destinado para as faixas de renda mais baixas. Propunha ainda medidas para ampliar o mercado habitacional privado, visando gerar condições favoráveis para que este setor pudesse atender gradativamente os setores médios, mas ainda com rendas baixas.

Assim, foram adotadas duas medidas importantes, sendo que a criação da Lei 10.391, aprovada em 2004, por iniciativa do Ministério das Cidades, da Fazenda e de empresários ligados ao financiamento, à construção e comercialização da moradia de mercado, foi primeira medida principal para ampliar o mercado, com o objetivo de dar segurança jurídica e econômica ao mercado privado bastante frágil em função da alta inadimplência.

A segunda medida principal foi determinada para as faixas da Habitação de Interesse Social (HIS), ampliando os recursos e os subsídios “desafiando a

23 A Coordenação geral do Projeto Moradia foi da arquiteta e ex-deputada estadual Clara Ant, com a

camisa de força do forte contingenciamento nos gastos federais”, conforme Ermínia Terezinha Menon Maricato, secretária de habitação do Ministério das Cidades (2003-2005). Nessa perspectiva o governo federal dispõe em 2005, de mais de 10 bilhões de reais, o maior orçamento desde o início dos anos de 1980, para financiamento habitacional, com recursos originários de várias fontes: OGU, FAT, FAR, FDS, Tesouro Nacional, mas em especial por meio do FGTS recuperado e apresentando excelente desempenho.

Maricato (2005) retoma uma importante questão que vem desde a extinção do BNH ao expor que:

O desafio de gastar esses recursos tem sido enfrentado pela Caixa Econômica Federal que está implementando mudanças já que não foi preparada, nos anos anteriores, para dar prioridade ao segmento social e nem para realizar um orçamento tão significativo. (MARICATO, 2005). Reconhecendo o avanço, ainda assim Bonbuki (2008) também sinaliza uma fragilidade na estrutura organizacional do Ministério das Cidades:

[...] é necessário ressaltar que uma das suas debilidades é sua fraqueza institucional, uma vez que a Caixa Econômica Federal, agente operador e principal agente financeiro dos recursos do FGTS, é subordinada ao Ministério da Fazenda. Em tese, o Ministério das Cidades é o responsável pela gestão da política habitacional, mas, na prática, a enorme capilaridade e poder da Caixa, presente em todos os municípios do país, acaba fazendo que a decisão sobre a aprovação dos pedidos de financiamentos e acompanhamento dos empreendimentos seja sua responsabilidade. (BONDUKI, 2008).

A subordinação do Ministério das Cidades ao Ministério da Fazenda coloca a Caixa, importante agente operadora e gestora do FGTS dotada de permeabilidade em todo território nacional, como instituição que define parte da política habitacional do país, para o bem ou para o mal, em que pese sobre o Banco sua missão de instituição econômica, o que por princípio a distancia de instituição voltada para o interesse social, embora esteja revestida deste argumento.

Além da habitação os recursos do FGTS são destinados também para aplicações nas áreas de saneamento e infra-estrutura e constituem-se em recursos onerosos, ou seja, recursos que devem ser retornados ao fundo na forma estipulada pelo Conselho Curador do FGTS (CCFGTS).

Os recursos provenientes do OGU, considerados recursos não onerosos, são provenientes de dotações orçamentárias da União, destinadas ao fomento das

políticas públicas com repasse direto aos poderes públicos estaduais, municipais e ao Distrito Federal. Por serem recursos não onerosos alguns técnicos preferem utilizar o termo ”a fundo perdido”, o que certamente remete ao conceito de “dinheiro que não precisa ser devolvido”, ou como preferem os estudiosos da questão habitacional: recursos caracterizados como subsídio, significando uma quantia que o Estado arbitra ou subscreve para obras de interesse público.

O Fundo de Desenvolvimento Social (FDS) aporta recursos para a viabilização do Programa Crédito Solidário, destinado ao financiamento de projetos de investimento de interesse social nas áreas de habitação popular, sendo permitido o financiamento nas áreas de saneamento e infraestrutura, bem como equipamentos comunitários, desde que vinculados aos programas de habitação.

O FDS tem por finalidade o financiamento de projetos de iniciativa de pessoas físicas e de empresas ou entidades do setor privado, vedada a concessão de financiamentos a projetos de órgãos da administração direta, autárquica ou fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios ou entidades sob seu controle direto ou indireto. Nos programas vinculados à habitação são recursos não onerosos, provenientes da aquisição compulsória de cotas de sua emissão pelos fundos de aplicação financeira, na forma da regulamentação expedida pelo Banco Central do Brasil; da aquisição voluntária de cotas de sua emissão por pessoas físicas e jurídicas; e do resultado de suas aplicações.24

A Caixa é agente operadora e financeira dos recursos destinados ao fomento habitacional e do desenvolvimento urbano como o FAT, FAR, OGU, BID, BIRD e do FGTS, conforme dito anteriormente, o FGTS predomina como a principal fonte de recurso, utilizado no fomento habitacional sem subsídio até 2005, o que segundo Bonduki (2008), levou a:

Uma restrita alteração no perfil de renda da população atendida, apenas atenuada pela criação, em 2004, de programas emergenciais, com dotações orçamentárias reduzidas, como o PEHP – Programa Especial de Habitação Popular –, que permitiu apoiar um restrito número de empreendimento e pela utilização, com regras novas, do PSH – Programa de Subsídio Habitacional –, um mecanismo criado no último ano do governo FHC para apontar recursos do orçamento. (BONDUKI, 2008).

O subsídio é recorrentemente citado como alternativa para o enfrentamento da questão habitacional para baixa renda, assim como a necessidade de uma política habitacional que considere os imóveis vazios como alternativa para minimizar o déficit habitacional, ainda que para Bonduki (2008) a ampliação da produção de mercado é a estratégia que poderá conferir um real enfrentamento do déficit habitacional, explicando que:

[...] se o setor privado não produzir moradias para as faixas de renda média e média baixa, este segmento, que tem mais capacidade de pagamento, acaba por se apropriar das habitações produzidas para a população de baixa renda. (BONDUKI, 2008).

Essa apropriação já foi observada anteriormente, quando não se resguardavam mecanismos que garantissem acesso da população de menor renda – necessários para garantia dos financiamentos – e a classe média com maiores condições, menos frágil do ponto de vista de garantia de renda, teria então condição de acesso àquilo que originalmente foi pensado para a população de menor renda Isto é histórico e remonta às políticas habitacionais anteriores, justificando a preocupação de Bonduki, uma vez que essa afirmação volta em discurso durante os primeiros anúncios do Programa de Aceleração do Crescimento, quando Bonduki (2008), explicita outra preocupação e alerta que:

[...] se ocorrer um boom imobiliário sem que haja uma adequada regulação do mercado de terras e sem que a cadeia produtiva da construção civil esteja em condições de fornecer os insumos necessários, existe forte risco de se gerar efeitos negativos, sobretudo para a produção de habitação de interesse social. Nas atuais condições, não está descartada uma forte elevação dos valores da terra e dos insumos da construção que terão como desdobramento uma maior dificuldade de atender aos setores que dependem da produção de habitação social. (BONDUKI, 2008).

Com o boom imobiliário a população de baixa renda poderia ficar de fora da produção habitacional reproduzindo o processo de exclusão territorial já verificado ao longo das décadas. O contributivo para temer o boom imobiliário deve- se também à crise americana que tem origem no sistema de hipotecas da habitação, que dificilmente teria reprodução no Brasil pelo fato do sistema hipotecário ser diferente do americano, entretanto, a crise americana vem abalar os rumos da economia brasileira, exigindo reação do governo Lula, conforme veremos adiante.

Esses temores são compartilhados por Carlos Leite (2008) ao analisar o crescimento do mercado imobiliário por outro viés, alertando que o sucesso do setor de construção civil:

Promove o crescimento do mercado imobiliário e da construção civil como um todo, o que é bom, mas deixa de se atrelar num processo completo exitoso. O resultado é a inserção acelerada de peças num tabuleiro despreparado para recebê-las. É uma pena que num raro momento de crescimento econômico, a construção de nossas cidades não acompanhe o ritmo de suas unidades construídas. No Brasil, por diversas razões históricas, o sucesso privado não corresponde ao sucesso público. (LEITE, Revista AU, Nº 173, p.19, 2008).

Leite (2008) expressa a possível previsão de que o crescimento do setor imobiliário venha novamente favorecer a classe média e alta da população deixando de atender a população de renda familiar até 3 salários mínimos, como já mencionado a que concentra maior demanda habitacional, e que as estruturas urbanas, viárias, rodoviárias, de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto, soluções caras e demoradas, sejam relevadas neste processo de crescimento do mercado imobiliário.