• Nenhum resultado encontrado

4 REPERCUSSÕES DO CONCEITO DE TRANSTORNOS GLOBAIS DO

4.5 Estudos de Casos

4.5.1 Caso T Autismo na escola regular: o encontro com o desconhecido

4.5.1.4 A criança e os colegas

A partir dos registros acadêmicos realizados, observa-se que, desde a sua inserção na escola, no ano de 2007, houve alterações substanciais no comportamento da criança. Observa- se nele evoluções permanentes. Inicialmente, este comportamento era referido como impulsivo e inconstante, sujeito a variações entre o isolamento e o alheamento em relação às outras pessoas, e o uso de agressividade para relacionar-se com elas, sobretudo com os colegas de quem o aluno não aceitava auxílio. Com o passar do tempo75, T vai sendo descrito nestes instrumentos como uma criança que consegue manter um comportamento mais adequado e mais aberto à socialização, aceitando ajuda de um colega (aluno Y, colega de T desde a Educação Infantil) nas atividades direcionadas pela professora em sala de aula. Também passa a utilizar-se de linguagem gestual para conseguir expressar seus sentimentos e intenções.

De todos estes instrumentos avaliativos disponibilizados na pasta de registro acadêmico do aluno entre os anos de 2007 e 2010, destacamos novamente algumas observações referentes ao ano de 200876, quando são notadas as observações dos professores

74

Não foi objetivo de nossa pesquisa entrevistar os colegas dos alunos em questão em nossa pesquisa. Portanto, durante a realização da pesquisa de campo, não nos ocorreu sobre a importância de realizar entrevistas com estas crianças. Neste sentido, os dados recolhidos provêm então de breves observações sobre momentos específicos de encontro da criança com os colegas ou com outras crianças na escola.

75

Ressaltam-se os relatórios semestrais de 2007 e os relatórios anuais dos anos de 2008 e 2009.

76

Assim como ocorre no item A criança e a aprendizagem, o ano de 2008 também se mostrou revelador dos avanços do aluno.

de que as evoluções do aluno acontecem de forma descontínua e que a aquisição de habilidades sociais, assim como as questões relativas à aprendizagem formal, seguem o mesmo padrão, com grande componente imitativo aos colegas. Logo, estas anotações traduzem como a sua evolução na escola estaria atrelada ao convívio com os colegas em diversos espaços da escola. Diante da dificuldade de expressão verbal de T, como são as reações da criança diante de seus colegas? Qual é a receptividade da criança a eles? Como as crianças interagem com T? Estas foram questões que nortearam nossas observações.

Durante a realização da pesquisa de campo, em três ocasiões foi possível observá-lo em atividades conjuntas com outras crianças:

a) ambiente 1: sala de aula em momento de aula formal (aula de artes); b)ambiente 2: sala de informática em momento de atividade livre; e c) ambiente 3: pátio da escola na hora do recreio.

Assim como foi possível identificar nos relatórios acadêmicos, durante as observações em questão percebe-se que as interações da criança com o ambiente sempre se alternam a momentos de reclusão, em que ele parece apenas observar o que se passa à sua volta. Por outro lado, observa-se que, em sala de aula, T sempre é convidado a participar das atividades com os demais alunos, sendo mais frequentemente solicitado pelo colega Y que, em sala de aula, assenta-se perto dele e lhe presta assistência quando necessário.

Da observação realizada neste ambiente, destaca-se o momento em que os alunos aprendiam a fazer uma pequena caixa de papel, orientados pela Professora 1. Durante esta atividade, observa-se que a interação da criança com os colegas somente é realizada quando ele é solicitado. Assim, observam-se as passagens em que, no decurso desta atividade, uma colega se aproxima e pede a T uma tesoura emprestada. Ele a responde, reagindo positivamente, fazendo um gesto com as mãos como quem autoriza o empréstimo. Em seguida, a Professora 1 se aproxima e ele mostra a ela a caixinha produzida, demonstrando satisfação. Observa-se também que, na mesma ocasião, ele reagiu com um bater de palmas espontâneo, em comemoração ao anúncio feito por um colega, de que a luz elétrica da escola havia voltado após algumas horas de interrupção. Em seguida, todos os colegas comemoram junto com T.

Na observação realizada em atividade livre, desenvolvida na sala de informática pela Professora 577, os alunos consultavam sites e desenvolviam jogos pelo computador de acordo com o interesse de cada um. Agrupavam-se em duplas ou trios, para consulta às máquinas,

77

Trata-se de uma professora de conteúdo específico da turma que, neste dia, cobria a ausência da Professora 1 da escola.

pois não havia computadores disponíveis para todos. Todos os alunos desenvolviam atividades, enquanto T aguardava a sua vez de mexer em um computador, junto a algumas meninas que realizavam um jogo de vestir bonecas. Pouco tempo depois, o colega Y o chama para se juntar a um grupo de meninos e fazer uso do computador. T e a Monitora de Apoio à Inclusão se mobilizam para isto e ele começa a participar da brincadeira, a partir da intervenção do colega que lhe pergunta o que ele quer. Sem nada dizer, T dirige-se ao colega, tocando-lhe ligeiramente o ombro e acenando para a tela do computador. Em seguida, os colegas incentivam-no a jogar. Ele responde a este chamado e passa a manipular o computador num jogo de corrida. Os outros meninos o assistem na brincadeira. Sendo assim, na maioria das vezes, as interações sociais da criança são provocadas por algum colega ou grupo de colegas. Logo, se provocado, T reage de forma adequada e pertinente à situação ou, se está presente em um ambiente em que há pessoas que não fazem parte de seu convívio diário, ele convoca a Monitora de Apoio à Inclusão para interagir especificamente consigo, assim como pudemos detectar na observação relatada a seguir.

Na hora do recreio, T foi encontrado ao lado de uma mesa em que estavam outros meninos jogando tapão. Um funcionário da escola se aproximou e T fez um sinal para que ele fosse embora, emitido o som “Oxgoti”, traduzido naquele momento por algumas pessoas que estão por perto como “chiclete”. “É ‘sai, chiclete’?”, perguntam. O funcionário então pergunta se ele quer chiclete e ele repete os gestos e o som, permanecendo assim até que o rapaz saia de perto. Em seguida, a criança coloca-se na mesma postura de corpo do grupo de crianças que desenvolvia o jogo e, debruçando sobre a mesa, observa-as, mas não apresenta interação espontânea com elas. Expressando-se, a criança bate na mesa, imitando o movimento do jogo desenvolvido pelas crianças, mas não estabelece com eles nenhum contato direto. T percebe o jogo e, aponta-o para a Monitora de Apoio à Inclusão, expressa satisfação. Em seguida, volta- se para a sua própria brincadeira imitativa, repetindo a mesma sequência algumas vezes. Desta forma, observamos que, assim como lhe é próprio, T não interage diretamente com o grupo. Nota-se que sua interação com o meio nesta ocasião novamente se fez através da Monitora de Apoio à Inclusão.

Salienta-se que, tal como o aluno Y, algumas destas crianças com quem observamos T são suas colegas desde o início de seu processo de escolarização, e, assim como pudemos perceber, aparentemente elas não traçam limites distintivos com ele. Em sua maioria, elas o chamam a participar e interagem com ele, oportunizando situações e criando condições para que ele participe das atividades. Desta maneira, pode-se dizer que a criança encontra-se

adaptada ao ambiente da escola e encontra nos colegas um suporte importante, na medida em que o laço estabelecido entre eles possibilita que T interaja e, a seu modo, se expresse.