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Importa agora fazer referência a uma categoria de casos que Roxin designa como “omissão por comissão”, cuja particularidade reside, precisamente, no facto de estarem em causa acções que seriam tratadas como se de omissões se tratassem, a nível de responsabilidade penal. Nestes casos, o tipo legal de crime é preenchido através de um comportamento que, não consubstanciando uma mera inactividade, se realiza mediante um verdadeiro comportamento activo.

Não pretendendo fazer aqui uma análise completa das várias situações que poderão integrar esta forma de realização do crime de omissão de auxílio, iremos apenas elencá- las, recordando os critérios que têm sido enunciados para subsumir determinados comportamentos ao crime do artigo 200.º.

Para o Autor, existem quatro hipóteses: a participação activa num delito de omissão; a omissio libera in causa; a interrupção de um processo de salvamento já iniciado pelo agente, e a interrupção de um tratamento médico.

A primeira ocorre com a instigação de alguém por outrem a não praticar a acção que lhe era imposta284; a segunda consiste na auto-colocação, por parte do agente, num estado de impossibilidade para cumprir a acção que lhe era imposta285; a terceira sucede quando o indivíduo se arrepende, no decorrer do processo de salvamento, acabando por inviabilizar a protecção dos bens jurídicos ameaçados286; enquanto a quarta e última hipótese surge em casos de medicina muito específicos, por exemplo, “não existindo mais motivos para prolongar o estado de morte cerebral”, o médico desligar o aparelho de suporte vital que mantinha o indivíduo a respirar287.

284 Exemplo seria alguém instigar outra pessoa a não proceder ao auxílio a que estava vinculado nos termos

do artigo 200.º C. Penal.

285 Exemplificando, será o caso de “um socorrista que se embriaga para não poder prestar auxílio num

acidente”. Nesse sentido GÜNTER STRATENWERTH, nota 5, p. 381, tradução nossa. Situação semelhante encontramos nos crimes por acção, na denominada actio libera in causa, em que o agente no momento em que actua se encontra em estado de inimputabilidade, mas tal só ocorre porque o mesmo se colocou deliberadamente nesse estado.

286 Exemplo desta hipótese será o caso de alguém que procede a um salvamento no mar, para tal utilizando

uma corda, e que a meio se arrepende acabando por impedir a situação. Diverso seria o caso em que, o agente já tivesse agarrado a corda de salvamento, situação em que se estaria verdadeiramente perante um crime comissivo.

287 Nesse sentido, ANDRÉ LAMAS LEITE, nota 25, p. 45. Situação diferente seria se fosse um terceiro a

88 Aqui chegados, importa referir que não parece levantar problemas a admissibilidade do preenchimento do tipo legal em questão através de um comportamento activo, particularmente quando esse comportamento se traduz na desistência da intenção de prestar o auxílio necessário288. Nestas circunstâncias, o comportamento do sujeito activo, pese embora a sua natureza positiva, poderia subsumir-se ao tipo constante do art. 200.º, dado entender-se que, configurando este preceito um tipo de carácter imperativo, esse comportamento fez fracassar o mandato289.

Recorrendo, ainda, a um critério lógico, poder-se-á dizer, com Gossel, que o «não prestar ajuda significa não só permanecer inactivo mas também o impossibilitar a ajuda por acção»290. E, nesta medida, caberia no âmbito do crime de omissão de auxílio todo o tipo de conduta em que se impediu que o auxílio se concretizasse, tal como a conduta do agente que impede a utilização de um meio necessário à acção de salvamento291. Do mesmo modo, poderia configurar uma omissão de auxílio a atitude do sujeito activo que destrói o meio material indispensável à prestação de auxílio292.

Contudo, as dificuldades surgem quando se impõe definir, entre os comportamentos aludidos, quais os que deverão ser classificados, não como simples omissões de auxílio, aos quais corresponderia a moldura penal contida no art. 200.º, mas como realizações do crime activo correspondente ao resultado que sobreveio para a vítima. Por outras palavras, quando é que é legítimo considerar, face às circunstâncias fácticas específicas, que se justifica a imputação ao agente do evento lesivo para bens jurídicos do sujeito passivo, a título comissivo.

O critério da causalidade, inicialmente escolhido, mostrou-se manifestamente insuficiente para colmatar as dúvidas que, entretanto, surgiram aquando da retirada de conclusões.

Desde então, foram sendo tidos em consideração outros critérios que postulam o percurso a seguir na caracterização das condutas cuja delimitação é mais duvidosa. Para um sector da doutrina, há que verificar se o agente actuou dolosa ou negligentemente, se a sua

288 Assim, o agente que dirige o seu barco ao local do rio onde se encontra um indivíduo prestes a afogar-

se, mas que, percorridos alguns metros, decide regressar à margem, ou, para utilizar o exemplo de escola, o agente que lançando uma corda à vítima num primeiro momento, a retira logo em seguida.

289 ROXIN, nota 31, p. 172. No mesmo sentido, Maurach.

290 De la teoria del delito de omision en dos estudos sobre la teoria del delito, Monografias Jurídicas, Ed.

Temis Bogotá, 1984, p. 66.

291 O barco ou o telefone para chamar uma ambulância.

292 Provocando, por exemplo, intencionalmente uma avaria no veículo destinado ao transporte do

89 actuação positiva se tem por socialmente adequada, lícita ou desculpável, e se, finalmente, se omitiu um comportamento esperado através do qual se teria evitado um resultado293.

Gossel coloca o acento principal na «criação de um perigo complementar para a vítima», determinando a imposição ao agente de uma obrigação especial de evitar o resultado294, enquanto Schmidt aponta como critério decisivo o «sentido social do acontecimento»295. Já Roxin postula a utilização de um critério jurídico numa perspectiva lógica e teleológica296.

Não pretendendo alargar o âmbito da investigação da presente dissertação, concluiremos apenas, com Maria Leonor Assunção, para a caracterização de uma conduta como sendo um crime de omissão de auxílio ou como sendo um crime de omissão por comissão é decisiva a determinação do significado ético-social da mesma conduta. Assim, deve ser levada a cabo uma análise cuidada das circunstâncias de facto conformadoras de um comportamento que, submetido a critérios de valoração ético-social, e tendo como referência o ordenamento jurídico-penal, permitirá fixar o grau de desvalor dessa mesma conduta297.

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