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No período pré-capitalista, as crises eram causadas por catástrofes naturais, epidemias ou guerras, ou seja, se configuravam como crises de subprodução e escassez de alimentos. A partir da segunda metade do século XVIII e primeira metade do século XIX, com a 1ª Revolução Industrial, houve um período de transição, com crises mistas ou conjugadas. Havia a ocorrência de baixa produção agrícola, mas começou-se a perceber também uma superprodução industrial: os países começaram a produzir em grande escala, mas ainda não haviam expandido tanto seus mercados consumidores.

A teoria econômica em vigência no século XIX era o liberalismo, inspirado nas ideias de Adam Smith. De acordo com a doutrina, o capitalismo funcionava em ciclos, em que um período de apogeu era seguido de uma recessão, que se regulava e dava lugar a um novo período

de crescimento econômico. Em momentos de recessão, não devia ser feita nenhuma intervenção, pois a autorregularão do mercado garantiria que o retorno do equilíbrio, como uma ‘mão invisível’. Os Estados se regulavam de acordo com essa teoria, deixando o mercado fluir livremente (NOGUEIRA-MESSARI, 2005).

Na segunda metade do século XIX, começaram a se aprimorar as tecnologias de comunicação e transporte. O setor financeiro, então, passou a se integrar mundialmente e, dessa forma, a crise que se iniciou em 1873 foi impactante por ter gerado efeitos em escala global. Nos Estados Unidos, as ferrovias foram um elemento-chave para compreender o seu desenvolvimento econômico. A partir de 1860, a malha ferroviária cresceu vertiginosamente, chegando a cerca de 320 mil quilômetros de trilhos na virada do século XIX para o século XX, o que contribui para o crescimento de grandes empresas e conglomerados (KARNAL, 2007).

As corporações, então, começaram a formar monopólios e também se percebeu o aumento das aplicações nas bolsas de investimentos. Segundo Karnal (2007, p.154):

As depressões econômicas acabaram, curiosamente, por consolidar o poderio das grandes empresas e corporações, expondo as desvantagens da competição acirrada que se praticava. Entre 1869 e 1898, estima-se que cerca de 13% da renda nacional foi aplicada na expansão da indústria e esse grande investimento de capital espelha a ascensão dos bancos de investimento, centralizados em Wall Street, Nova York. Após a Guerra Civil, no período de reconstrução, os Estados Unidos vivenciaram um breve período de prosperidade, com aumento das exportações agrícolas, crescimento das ferrovias, desenvolvimento das comunicações e aumento do número de imigrantes. O mercado financeiro caracterizou-se por altas taxas de juros, incentivando a aplicação nas bolsas. Contudo, esse momento de alta foi abruptamente interrompido em setembro de 1873, com a supervalorização das ações ferroviárias e de construção. A empresa financeira Jay Cook & Co. foi à falência e, em seguida, outras também acompanharam seu caminho (WELLS, 1937).

O pânico se espalhou e foi agravado com a quebra da bolsa de Viena que, quando atingiu a economia britânica, gerou uma crise em escala mundial. A depressão persistiu até o final da década, com altos índices de deflação12 observados nas principais economias globais. Houve uma pequena recuperação econômica entre 1880 e 1882, mas a queda de preços continuou até 1896 (WELLS, 1937).

A principal causa da crise foi o descontrole financeiro, conforme elucida Wells (1937, p.623, tradução elaborada pela autora):

Em retrospecto, parece que as crises ocorreram em grande parte devido aos excessos financeiros que haviam caracterizado os cinco ou seis anos que precederam 1873. Os governos e indivíduos pegavam emprestado para financiar empresas de quase todos os tipos, especialmente de construção de ferrovias. Os Estados Unidos, Turquia, Egito e América do Sul foram fornecidos com fundos da Inglaterra, que emprestou mais de 1,5 bilhões de dólares no breve período de 1870 a 1874 […].

Com relação à abordagem dos partidos, analisando as Plataformas de 1876, é perceptivo o comportamento acusatório do Partido Democrata na questão, ressaltando diversas vezes a necessidade de reforma do governo federal: “reforma é necessária para estabelecer uma moeda sólida, restaurar o crédito público e manter a honra nacional” (DEMOCRATIC NATIONAL CONVENTION, 1876, tradução elaborada pela autora). No tocante econômico, os democratas denunciam, especialmente, a “imbecilidade financeira” (DEMOCRATIC NATIONAL CONVENTION, 1876, tradução elaborada pela autora), a incapacidade de avançar em direção a uma reconstrução em onze anos de administração e altas tarifas protecionistas.

Exigimos um sistema jurídico de preparação pelas economias públicas, por reduções oficiais e por financiamento prudente, que deve permitir à nação em breve assegurar ao mundo inteiro de sua perfeita capacidade e perfeita disponibilidade de atender a qualquer de seus compromissos, ao chamado, o credor tem direito a pagamento. (DEMOCRATIC NATIONAL CONVENTION, 1876, tradução elaborada pela autora)

A solução para a crise, para os democratas, seria a elaboração de um sistema de controle financeiro oficial com vistas a garantir o pagamento dos empréstimos. A plataforma toda fala em mudança de governo e de partido, com a crise tendo acentuado a ineficiência da administração republicana. Há uma grande presença de tópicos econômicos, no entanto, o enfoque é ressaltar as falhas do governo de Grant em minimizar os efeitos da depressão (DEMOCRATIC NATIONAL CONVENTION, 1876). Na Plataforma do Partido Republicano, em contrapartida, não há muito destaque para as questões financeiras. O item 4 do programa é o que há maior referência ao assunto, conforme abaixo:

No primeiro ato de Congresso, assinado pelo presidente Grant, o governo nacional assumiu-se de modo a remover qualquer dúvida de sua finalidade de cumprir todas as obrigações para com os credores públicos […]. Prosperidade comercial, moral pública, e o crédito nacional demandam que essa promessa seja cumprida por um contínuo e processo constante de pagamento em espécie. (REPUBLICAN NATIONAL CONVENTION, 1876, tradução elaborada pela autora)

As eleições desse ano foram extremamente acirradas e controversas; o candidato republicano era Rutherford Hayes e o democrata, Samuel Tilden. Sinaliza-se, observando ambas as plataformas e o posterior resultado do escrutínio, que a crise econômica teria gerado impactos na hegemonia do Partido Republicano, sólida desde a vitória de Lincoln e a Guerra de Secessão.

A incapacidade do governo de dar respostas satisfatórias à depressão gerou descontentamentos da população, o que se refletiu nos votos populares recebidos por Tilden, que venceu o adversário republicano por 4.288.191 a 4.033.497. Porém, no Colégio Eleitoral, Hayes venceu com a diferença de um voto, por 185 a 184. Os democratas contestaram o resultado e foi criada uma Comissão Eleitoral para atestar a validade das eleições. No entanto, permaneceu a vitória de Hayes.

Imagem 4 – Resultado das eleições de 1876

Fonte: 270 To Win (2016d). Tradução e adaptação pela autora.

Tabela 4 – Resultado das eleições de 1876

Candidato Vice Partido

Político Votos populares

Votos eleitorais Rutherford B. Hayes William Wheeler Republicano 4.033.497 48% 185 50,1% Samuel Tilden Thomas

Hendricks Democrata 4.288.191 51% 184 49,9%

Total 8.411.618 100% 369 100%

Fonte: The American Presidency Project (2016e). Tradução e adaptação pela autora.

A análise apenas dos números não é suficiente para compreender os impactos. Avaliar as plataformas e a condução do processo eleitoral permite perceber um descontentamento com a forma de conduzir a política do Partido Republicano. Sendo assim, a preponderância da

Partido

Democrata Republicano

agremiação no poder durante praticamente toda a segunda metade do século XIX não é completamente inquestionada, tendo sido alvo de críticas que se estenderam aos votos populares. Contudo, o Partido Democrata, com Grover Cleve1and nos mandatos de 1883-1886 e 1893-1897 também recebeu críticas pela incapacidade de gerenciar a crise, que só obteve seu fim com o crescimento da colonização imperialista. A principal diferença dos dois partidos é em relação às tarifas protecionistas, que os republicanos defendem, enquanto que os democratas condenam. Essa divergência se perpetuará também ao longo da primeira metade do século XX, conforme será abordado nos próximos capítulos.

CAPÍTULO 2

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