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1 DESCREVENDO O CASO ENEM: OS DESAFIOS EM SER MAIS

1.3 A crise de 2009 com o novo Enem

Primeiramente, é fundamental tratar de um fato marcante que ocorreu no ano de 2009 e que foi amplamente divulgado na impresa, quando o Enem teve que ser cancelado. O caso teve origem na Plural Gráfica, em São Paulo, em cujo parque

insdustrial ocorria a impressão de cerca de 9,7 milhões de provas que seriam aplicadas nos dias 03 e 04 de outubro daquele mesmo ano.

A Gráfica Plural foi sub-contratada pelo Consórcio Nacional de Avaliação e Seleção – Connasel, que foi o vencedor do procedimento licitatório realizado pelo Inep no mencionado ano, sendo, então, o principal responsável por toda a operação de aplicação do exame à época. Vejamos um pequeno trecho da matéria publicada na imprensa, que elucida bem o que ocorreu:

[...] O Ministério da Educação cancelou na madrugada desta quinta-feira (1º) a prova do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), que seria aplicada neste final de semana em todo o país (03 e 04 de outubro). Há suspeita de fraude e de que o conteúdo da prova tenha vazado. Ainda não há nova data para a prova. A decisão foi tomada pelo ministro da Educação, Fernando Haddad, após ter sido alertado pela reportagem do jornal 'O Estado de S. Paulo' sobre a quebra do sigilo do exame. Um homem, de acordo com a reportagem, tentou vender uma cópia da prova ao jornal por R$ 500 mil. "Há fortes indícios de que houve vazamento, 99% de chance", afirmou o presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), Reynaldo Fernandes, por volta da 1 hora da madrugada desta quinta (1), por telefone (PORTAL UOL – EDUCAÇÃO21, 2009).

Até 2009, uma única empresa era responsável por todo o processo de produção do material, bem como pelo armazenamento, pela distribuição, pela aplicação, pelo processamento dos cartões respostas, pela correção das redações e pela consolidação da base de dados com os resultados. Isso quer dizer que a Gráfica Plural foi subcontratada pelo Consórcio Connasel, que era de fato o detentor ou responsável por todo o controle da operação.

Este modelo, a partir do qual tudo se concentrava em uma única responsabilidade logística, em certa medida, afastava das equipes técnicas do Inep o papel de exercer o monitoramento etapa a etapa, já que em toda a operação, as ocorrências inerentes ao processo eram acobertadas por um “olhar” restrito e limitado.

O caso demonstrou que a operação logística, tal como vinha sendo conduzida, estava exposta à tomada de decisões fechadas, pouco compartilhadas e com um forte viés personalista de gestão; ou seja, o modelo tradicional em que o exame vinha sendo realizado até então foi concebido para uma escala muito menor e aquém dos desafios que se apresentaram após o novo Enem, de 2009 em diante.

21 Disponível em: <http://educacao.uol.com.br/ultnot/2009/10/01/ult105u8763.jhtm>. Acesso em: 12 mar. 2015.

O resultado foi que o Consórcio Connasel não conseguiu levar o Enem até sua conclusão, gerando uma crise no mencionado ano. Por outro lado, houve uma reação rápida do Inep, que organizou uma força tarefa institucional com parcerias em todos os segmentos do governo federal e das unidades federadas. Como medida emergencial, recorreu à contratação direta de instituições com experiência na realização de exames, tais como a Fub/UnB/CESP, a Fundação Cesgranrio, o FNDE22 com a logística do programa nacional de livros didáticos, a gráfica de segurança, o Ministério da Defesa (Exército, Marinha e Aeronáutica), a Secretaria de Segurança Pública e a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, também chamado de Correios. Enfim, em 60 dias, todo o material foi reprocessado e o exame foi realizado.

Não existe razão para crer que o caso de 2009 foi excepcional, a não ser pelo fato de ter emergido dele um novo modelo para as contratações dos exames e das avaliações do Inep. O aumento da complexidade na gestão da operação logística também impactou no aumento dos requisitos necessários para a prestação dos serviços voltados para a realização do Enem.

Em todo empreendimento sujeito a risco existe um trade-off23 entre risco e retorno. Significa dizer que, na mera conversão do problema das contratações para a linguagem matemática, a soma dos fatores (escala-complexidade-sigilo- segurança) passou a orientar a decisão de contratar não somente pelo critério do menor preço, mas sim pela melhor qualificação técnica, a fim de garantir o menor risco ao evento.

Disso resultou a incorporação de mudanças estruturais no formato das contratações, com a prestação de serviços para a realização do Enem em objetos separados, ou seja, impressão gráfica, armazenamento e distribuição, além da aplicação das provas e o processamento dos resultados. Cada processo era operacionalizado por empresas e instituições distintas, porém controladas por uma

22 O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), autarquia federal criada pela Lei nº 5.537, de 21 de novembro de 1968, e alterada pelo Decreto-Lei nº 872, de 15 de setembro de 1969, é responsável pela execução de políticas educacionais do Ministério da Educação (MEC). Disponível em: <http://www.fnde.gov.br>. Acesso em: 30 mar. 2016.

23 Expressão utilizada na literatura econômica para designar situações de escolha entre opções conflitantes, porque a escolha de uma coisa em relação à outra implica não usufruir dos benefícios daquilo que não é escolhido. A intenção em utilizar esta expressão coloca-se no sentido de que, nos processos licitatórios tradicionais, busca-se o menor preço e, no caso do novo modelo de contratação do Enem, o que está em questão é garantir a melhor qualificação técnica e o menor risco em sua realização.

metodologia desenvolvida pela equipe técnica do Inep de monitoramento de processos e gestão de riscos. Isso foi feito para substituir o modelo das contratações realizadas até 2009, quando era suportável que, em uma única licitação, todo o serviço fosse contratado e realizado por um único consórcio, formado exclusivamente para cuidar da produção gráfica até a divulgação dos resultados.

Em resumo, o Inep passou a considerar os riscos associados ao processo logístico de realização do Enem, na medida em que percebeu que sua complexidade operacional é proporcional à sua escala, dimensão e, principalmente, ao valor da informação presente na prova antes de sua realização. É o que veremos nas seções seguintes.