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Cultura de paz: discutindo sua promoção

3. CULTURA DE PAZ: CONSTRUINDO UM MUNDO POSSÍVEL

3.1 Cultura de paz: discutindo sua promoção

Para entender melhor a proposta de implementação da cultura de paz e toda a sua complexidade, escolhi pontos fundamentais para uma introdução a essa empreitada. O primeiro refere-se à tarefa de problematização do conceito de violência, para promover sua desnaturalização, desenvolvendo também a concepção de que este foi e está sendo construído social e historicamente (MINAYO; SOUZA, 1999). Isto se torna necessário para que seja possível desmistificar e também evitar certas simplificações como, por exemplo, o mito de que a violência é insuperável e que sempre existiu. Isto também se faz necessário para se chegar à ampliação da compreensão sobre a paz, item que vou tratar detalhadamente mais adiante.

De acordo com Milani (2003), existem duas importantes funções que o estudo da polissemia do conceito de violência tem a oferecer. A primeira seria promover maior clareza e especificidade quando se trata de discutir estratégias para o seu enfrentamento. A segunda diz respeito à rejeição da ideia de que a violência é um ser abstrato, onipotente e teria um caráter insolúvel. Se compreendermos o conceito de violências construídas, este fenômeno poderá ser modificado, pois não é insuperável. Desta forma, é possível romper com o aspecto paralisante que por vezes o discurso sobre a violência acaba por gerar e, assim, construir ações positivas que viabilizem a promoção da paz.

Como assinala Abramovay (2003), é considerada manifestação de violência a intervenção física de um indivíduo ou grupo contra a integridade de outro(s) e também contra si mesmo – abrangendo desde suicídios, espancamentos de vários tipos, roubos assaltos e homicídios até a violência no trânsito, disfarçada sob a denominação de “acidentes”, além das diversas formas de agressão sexual. Compreende, igualmente, todas as formas de violência verbal, simbólica e institucional.

Para Jares (2007a), é importante estabelecer uma diferença entre violência direta e estrutural. A primeira é entendida como agressão física direta, a violência “tradicional”, mais facilmente identificada. O segundo tipo é indireto e menos perceptível, presente em determinadas estruturas sociais, sinônimo de injustiça social.

Um dos aspectos mais preocupantes gerado pelo incremento da violência refere- se ao elevado índice de atos violentos no contexto escolar. Relembrando que estou considerando os vários tipos de violência, conforme foi definido nos parágrafos anteriores, não apenas restrito aos atos de violência física. Em decorrência disto, os educadores começam a ampliar o seu grau de consciência a respeito da necessidade de estabelecer parcerias com os vários atores integrantes do cenário escolar para que juntos possam construir alternativas específicas para o enfrentamento da violência, que não está apenas dentro ou fora da escola (MATOS; NASCIMENTO, 2006).

Devo salientar também que o número de pesquisadores brasileiros dedicados ao estudo do fenômeno da violência vem crescendo. Segundo a avaliação de Gonçalves e Sposito (2001), a produção de conhecimento acerca dessa problemática, em virtude de sua complexidade, ainda é incipiente, e somente nos últimos anos tem mobilizado, de forma mais nítida, os investigadores de instituições de ensino superior e organizações não governamentais.

A tarefa de desnaturalização dos conceitos de paz e de violência e, consequentemente, a implementação da cultura de paz, é um trabalho que segue o caminho educativo devendo passar necessariamente pela escola. Ao mesmo tempo, a desnaturalização das “representações” de paz e violência conduz-me a entendê-las como noções que devem ser incluídas num processo educativo, pois são conceitos aprendidos. Se paz e violência são conceitos passíveis de um processo de ensino e aprendizagem, os educadores devem se ocupar diretamente de seu processo de problematização.

Refletir sobre a desnaturalização dos conceitos de paz e violência é tarefa que requer esforço, tendo em vista que muitas práticas violentas são disseminadas, cotidianamente, em especial pelos meios de comunicação. O mesmo não ocorre quanto à divulgação da paz, que precisa ser ensinada e apreendida socialmente. É fundamental, então, “criarmos” a paz a partir de nossos desejos e ações (MATOS; NASCIMENTO, 2006, p. 27).

É válido então discutir quais caminhos podemos construir para criarmos a paz e tratarmos a violência sob um novo ângulo. Segundo Milani (2003), há três formas de enfrentamento da violência. A primeira é através da repressão. A segunda aponta a estrutura social e econômica como a solução para todos os problemas; a terceira diz respeito à implementação de uma cultura de paz.

De acordo com o que foi exposto sobre os conceitos de paz e violência, entendo como importante especificar melhor algumas reflexões sobre o conceito de cultura e paz, para que sua visibilidade seja mais nítida.

Hoje em dia, tenho pleno conhecimento de que a cultura bélica é ainda muito presente. Esta gira em torno do poder que pode ser traduzido por vontade de dominação do outro, da natureza, dos povos e dos mercados. Esse contexto traduz valores que se articulam estruturalmente para consolidar a cultura da violência que nos desumaniza a todos. A esse movimento há de se opor a cultura de paz. Sua promoção é tarefa de todos (BOFF, 2006a).

O autor sugere ainda, como encaminhamento para se promover a cultura de paz, o cultivo da memória e do exemplo de figuras que representam o cuidado e a vivência da dimensão generosa que nos habita, como Madre Tereza de Calcutá, Gandhi, Dom Helder Câmara, Irmã Dulce de Salvador, Dalai Lama, Luther King e outros.

Milani (2003) afirma que construir tal cultura significa promover as transformações necessárias e indispensáveis para que a paz se torne o princípio regente de todas as relações humanas e sociais.

Promover a Cultura de Paz significa e pressupõe trabalhar de forma integrada em prol das grandes mudanças ansiadas pela maioria da humanidade – justiça social, igualdade entre os sexos, eliminação do racismo, tolerância religiosa, respeito às minorias, educação universal, equilíbrio ecológico e liberdade política. A Cultura de Paz é um elo que interliga e abrange todos esses ideais num único processo de transformação pessoal e social (MILANI, 2003, p. 31).

Como assinalado pelo autor, a paz pode ser entendida de forma ampla, assumindo a função de interligação dos principais elementos pensados ao se refletir sobre o que se almeja alcançar num processo de transformação necessário, com o qual a educação para a paz se compromete. Explorarei a seguir as diversas formas de entendimento do conceito em estudo.