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O CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO SUL E SUDESTE

No documento EDUC A ÇÃO DO CAM PO E F (páginas 70-74)

O Programa Residência Agrária nas Regiões Sul/Sudeste:

O CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO SUL E SUDESTE

Embora o Curso de Especialização em Agricultura Familiar e Camponesa e Educação do Campo das regiões Sul-Sudeste fosse coorde- nado e executado pela UFPR, a elaboração da proposta curricular se deu de contribuição dos assentamentos rurais na diminuição da concentração

fundiária nas regiões.

A constatação de uma alta concentração da propriedade da terra pode ser vista também como conseqüência da incorporação do progresso técnico na produção agrícola, especialmente as tecnologias mecânicas de ganho de escala com o uso de tratores em áreas mais extensas, em culturas energéticas e de exportação.

Observou-se, no período 1970/2006, redução de aproximada- mente um quarto das áreas de pastagens, ampliação das áreas de lavouras em mais de 65% e das matas e fl orestas em cerca de 45%. Assim, a substi- tuição das áreas de pastagem veio, de um lado, pela expansão das áreas de matas e fl orestas, que passaram de 13,8 milhões para quase 20 milhões de ha, devido à aplicação do Código Florestal Brasileiro, particularmente na demarcação e conservação de Áreas de Proteção Permanente - APP, e, de outro lado, pelo crescimento das áreas exploradas com lavouras temporárias e permanentes (de 20,6 milhões para 34,2 milhões de ha), sobretudo a par- tir da segunda metade dos anos de 1990, com o crescimento das comodities e da lavoura de cana-de-açúcar para produção de álcool combustível.

A redução do pessoal ocupado na agricultura é outra característi- ca da modernização. Entre 1970 e 1980 registra-se um pequeno aumento (7% ou 552 mil) no número de pessoas ocupadas na agricultura, mas se alteram qualitativamente as relações de trabalho com predominância do empregado temporário sobre o permanente, sem registro formal e especial- mente dirigido para as tarefas de colheita de lavouras dinâmicas. A partir de 1980, consolidado o processo de industrialização da agricultura, a redução de pessoal é drástica; mais de 2,7 milhões de postos de trabalho agrícolas deixaram de existir nas regiões Sul-Sudeste no período.

Neste cenário de restrições sociais e econômicas ganha força o movimento social de luta pela terra. Segundo Fernandes (2007), entre 1988 a 2006 ocorreram, na região Sul-Sudeste, 2.747 ocupações de terras envolvendo 412.912 famílias, o que corresponde a mais de um terço das mobilizações ocorridas em todo o território nacional no período.

Em 2006 estavam implantados, nessas regiões, 1.412 assenta- mentos (18% do total do país), atendendo 81.939 famílias (9%) numa área de 64.552.767 hectares (3% das áreas desapropriadas para fi ns de Reforma Agrária no Brasil). Uma simples conta matemática mostra a defasagem entre a demanda social pela terra expressa pela mobilização de quase meio milhão de famílias acampadas (exatos 412.912 famílias) e a tímida ação do Estado assentando tão somente 82 mil famílias, ou seja 20% da demanda estimada (Ver INCRA, 2008).

conceituais e instrumentais e assim possam elaborar projetos de manei- ra crítica e criativa;

- Instrumentalizar os profi ssionais para gestão competente de ações, con- sultoria e avaliação de projetos de desenvolvimento rural;

- Debater sobre os conceitos e fundamentos da Educação do Campo, enquanto proposta educativa construída pelos sujeitos do campo em que o técnico é também educador e o campo considerado como espaço de produ- ção e de vida;

- Refl etir e propor questões que contribuam com a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural - PNATER e para o Programa de Assessoria Técnica, Social e Ambiental - ATES.

Percebe-se que, tanto o objetivo geral como os específi cos re- metem a três eixos principais: a questão da formação de educadores para atuarem na educação profi ssionalizante de jovens e adultos, segundo princípios da Educação do Campo; a formação de agentes de ATER/ ATES, com especifi cidade para atuação em áreas de assentamento e Agri- cultura Familiar; e a formação de técnicos com capacidade de atuar na transição agroecológica.

Para alcançar o tipo de formação almejada partiu-se do princípio que não se pode trabalhar a metodologia em separado da teoria e da rea- lidade na qual ela está inserida. Tendo em vista esta orientação, o Curso de Especialização em Agricultura Familiar e Camponesa e Educação do Campo das regiões Sudeste-Sul se desenvolveu segundo os princípios da metodologia participativa e da alternância, caracterizada por dois momen- tos: Tempo de Estudo e orientação de trabalhos de campo desenvolvidos nos centros de formação (Tempo Escola), e o Tempo de Estudo e de Trabalho desenvolvido na comunidade (Tempo Comunidade).

Adotadas estas defi nições básicas, as atividades componentes da estrutura curricular do Curso podem ser visualizados no Quadro 1: forma coletiva, onde cada uma das quatro Universidades acabou ofertando

o que tinha disponível (professores e temáticas trabalhadas na Universida- de). Nas discussões iniciais para a formatação da proposta foram explicitadas diferenças de entendimento sobre o perfi l do Curso a ser implementado. Para a UFPR o Curso deveria formar educadores em agroecologia para trabalho de ATER, para a UNICAMP deveria ser privilegiada uma forma- ção política de um agente mobilizador com ênfase na comunicação, já para a UFSM o perfi l deveria ser de um “agente para o desenvolvimento” capaz de pensar, elaborar e dar o apoio técnico necessário aos projetos de desen- volvimento dos assentados e agricultores familiares.

Sem uma discussão que aprofundasse essas diferentes percep- ções, o resultado fi nal foi uma “mistura” delas, ou seja, uma proposta mais genérica e ampla de especialização, com a intenção de conciliar uma forma- ção técnica com uma formação pedagógica e política. A incorporação das diferentes perspectivas defendidas pelas instituições pode ser verifi cada na defi nição dos diferentes eixos temáticos, ou nas diferentes “especializações”, já que cada eixo poderia constituir em si um curso de pós-graduação.

Em relação aos objetivos, o Curso de Especialização em Agri- cultura Familiar e Camponesa e Educação do Campo (Consultar MDA, 2004) se propunha a:

- Dar uma formação especializada a profi ssionais das Ciências Agrárias para o desenvolvimento de atividades de Assistência Técnica em áreas de Agricultura Familiar e Reforma Agrária com enfoque agroecológico (ob- jetivo geral).

- Diagnosticar e trazer os principais problemas vivenciados pelos assen- tados e agricultores familiares para os contextos de ensino e pesquisa das instituições envolvidas, contribuindo para sua resolução mediante cons- trução participativa de alternativas;

- Elevar a compreensão dos processos econômicos dos assentamentos em suas relações com o mercado e com as características camponesas valori- zando o conhecimento local;

- Promover práticas de manejo agrícola baseadas nos princípios da agro- ecologia;

- Discutir as matrizes tecnológicas nos processos produtivos, a fi m de compreender os princípios teóricos de sistemas produtivos agroecológicos; - Formar docentes para cursos profi ssionalizantes de nível técnico e de graduação na área de agroecologia;

- Proporcionar condições para que os profi ssionais, através da análise dos fatos que caracterizam o espaço rural, adquiram conhecimentos

Educação do Campo e Formação Profi ssional: a experiência do Programa Residência Agrária Capítulo 2 Matriz Regional

O eixo Sociedade e Desenvolvimento Rural Sustentável foi coordenado pela UFRRJ e tinha o objetivo de dar subsídios para in- terpretação dos processos sociais e estratégias do desenvolvimento rural. A carga horária do eixo foi de 48 horas (15% da formação comum), con- templando os seguintes conteúdos:

Economia, sociedade e Questão Agrária.

Agricultura Familiar, campesinato e capitalismo: restrições e viabilidades.

Desenvolvimento rural e sustentabilidade: paradigmas e dimensões.

Políticas Públicas em desenvolvimento rural sustentável (seminário).

O eixo Princípios e Fundamentos em Agroecologia foi coordenado pela UFPR, com os objetivos de: contribuir na formação de agentes de desenvolvimento rural sustentável, com capacidade de desen- volvimento do senso crítico, da compreensão e intervenção na transfor- mação da realidade local e regional, articulando aspectos sócio-econômi- cos, culturais, técnicos, políticos e ambientais; e promover um espaço de conscientização e instrumentalização para a formação de especialistas em agroecologia, de modo a contribuir na implementação de ações técnicas baseadas na ciência agroecológica. A carga horária do eixo foi de 64 horas (20% da formação comum) com os seguintes conteúdos:

As bases epistemológicas da agroecologia. Dimensões ecológicas de sistemas agrícolas. Fundamentos da agroecologia.

Agroecologia e a sustentabilidade. Relação solo ambiente.

Manejo agroecológico dos sistemas de produção. Produção agroecológica de animais.

Comercialização de produtos agroecológicos. Indicadores de sustentabilidade de agroecossistemas. Manejos agrofl orestais.

O eixo Planejamento e Gestão Participativa de Projetos

de Desenvolvimento Rural foi coordenado pela UFSM, com os obje- tivos de: proporcionar condições para que os profi ssionais, através da análise dos fatos que caracterizam o espaço rural e das estratégias do de- senvolvimento, adquiram conhecimentos conceituais e instrumentais, que lhes possibilitem elaborar projetos, de maneira consciente, crítica e

Atividades formativas no Tempo Escola

Na estrutura curricular prevista foram destinados dois terços do tempo para uma formação comum (participação nas etapas intensivas de conteúdo) e um terço para uma formação diferenciada e fl exível (onde as atividades podiam ser eleitas pelo aluno conforme seus interesses e temá- tica de pesquisa).

Para assegurar a alternância do Tempo Escola e Tempo Comu- nidade (ação-refl exão) os conteúdos foram ministrados em módulos (constituindo as 4 etapas intensivas de conteúdo) intercaladas nos perío- dos de Tempo Comunidade. Cada um dos módulos teve uma ênfase temática e foi desenvolvido em encontros que duraram cerca de 15 dias.

O currículo do Curso de Especialização foi pensado em eixos temáticos que pudessem ser trabalhados com conteúdos signifi cativos para o trabalho de campo. Os eixos que norteariam as ações pedagógicas do Curso fi caram assim constituídos: Sociedade e Desenvolvimento Rural

Sustentável; Princípios e Fundamentos em Agroecologia; Planejamento e Gestão

Participativa de Projetos de Desenvolvimento Rural; Cultura e Comunicação;

Educação do Campo e Metodologias Científi ca e de Ensino.

QUADRO 1: Atividades do Curso de Especialização “Agricultura Familiar e Camponesa e Educação do Campo”

Atividades Carga horária Créditos

Seminário de lançamento do Curso - 4 dias 4 Etapas intensivas de conteúdos - 40 dias Etapa de encerramento: avaliação geral e defesa das monografi as - 6 dias Disciplinas das pós-graduações das universidades

Atividades complementares - atividades de refl exão e troca, Grupo de Discussão - GD, jornadas, palestras, eventos, congressos, simpósios, conferências, etc.

Elaboração da Monografi a

Estudo dirigido (Tempo Comunidade com acompanhamento docente e compartilhamento de saberes). Tempo Comunidade de compromisso à pesquisa. Total 32 6 38 -- 320 -- 90 (obrigatórias) 70 (obrigatórias) -- 180 -- 660

Fonte: Curso de Especialização em Agricultura Familiar e Camponesa e Educação do Campo (Projeto Básico 2005, p.37)

Tempo Escola

Tempo Comunidade

480

capacitar os estudantes para implementação de ações dentro de uma pers- pectiva educativa-participativa. A carga horária do eixo foi de 64 horas (20 % da formação comum) com os seguintes conteúdos:

Educação do Campo. Metodologia de Ensino. Metodologia Científi ca.

Observa-se que, em termos gerais, previu-se uma seqüência temática que partiu de uma abordagem geral (contemplando teorias sobre sociedade e desenvolvimento) para o específi co (princípios de agroecolo- gia, planejamento de projetos e comunicação).

A formação fl exível do Tempo Escola

Conforme o Quadro 1, a proposta do Curso previu para a inte- gralização do Tempo Escola além das etapas intensivas de conteúdos, disciplinas dos programas de pós-graduação das Universidades integran- tes do Projeto (90 horas) e atividades complementares (70 horas). Em relação às disciplinas, o estudante, de acordo com orientações do Curso e dos professores, deveria cursar aquelas que melhor fundamentassem sua proposta de trabalho e pesquisa. Já as atividades complementares foram defi nidas segundo as possibilidades de cada Universidade, como jornadas, congressos, eventos, seminários, encontros, mesas redondas, fóruns, pro- dução de textos, atividades via internet, avaliação e planejamento. Repre- sentaram uma grande fl exibilidade do Curso, apresentando direciona- mentos múltiplos na relação entre seus participantes.

A criação de “espaços paralelos” de aprendizagem no Tempo Escola

Cabe ainda destacar o estabelecimento de espaços alternativos de formação no Tempo Escola (nas etapas de conteúdo intensivo), a par- tir da própria iniciativa dos alunos, que se organizaram em núcleos com o objetivo de formar uma “identidade de grupo”.

Essa iniciativa surgiu, em grande medida, devido à contestação e questionamentos dos estudantes na primeira etapa do Curso sobre a metodologia adotada pela Coordenação, bastante diferente daquela que os movimentos sociais têm desenvolvido em outros cursos em parcerias com as Universidades. Essa “revolta” dos alunos fez com que eles se or- ganizassem durante a segunda etapa do Tempo Escola para assegurar es- criativa; instrumentalizar os profi ssionais para gestão competente de

ações, consultoria e avaliação de projetos de desenvolvimento rural; e capacitar os profi ssionais para uso de diferentes alternativas metodológicas para diagnóstico de realidades rurais e elaboração de projetos de desenvol- vimento. A carga horária do eixo foi de 96 horas (30% da formação co- mum), contemplando os seguintes conteúdos:

Os métodos participativos e a ferramenta sistêmica na elabo- ração de projetos de desenvolvimento rural.

O Método da Análise Diagnóstica de Sistemas Agrários na elaboração de projetos em áreas de Agricultura Familiar.

O Método da Validação Progressiva (MVP) na elaboração de projetos em Coletivos Sociais.

A Análise de Cadeias Produtivas na formulação de projetos. Gestão, avaliação e monitoramento de projetos.

A Legislação Ambiental e os projetos de desenvolvimento rural.

O eixo Cultura e Comunicação foi coordenado pela UNICAMP e teve os seguintes propósitos: romper pré-conceitos e semear a troca de saberes a partir da produção de textos diversos – escritos, corporais, fotográ- fi cos e videográfi cos; e o desenvolvimento de uma postura crítica e uma maior compreensão do universo simbólico, de outras formas de expressão e das relações interpessoais, favorecendo o reconhecimento das riquezas e belezas do mundo e uma melhor percepção e compreensão da realidade que se apresenta. A carga horária desse eixo foi de 48 horas (15% da forma- ção comum) com os seguintes conteúdos:

Antropologia e cultura.

Antropologia e sociopsicodrama. Comunicação: linguagens e memórias.

Escritos biográfi cos e histórias pessoais: prática social de apre- sentação do mundo pessoal.

A comunicação como prática social – estética e política da produção e divulgação de memórias e histórias.

O corpo e a palavra.

Imagens Fotográfi cas: registros e documentos que adensam memórias e histórias.

A linguagem audiovisual: formas de se fi lmar a memória - I e II. O eixo Educação do Campo e Metodologias Científi ca e

Educação do Campo e Formação Profi ssional: a experiência do Programa Residência Agrária Capítulo 2 Matriz Regional

Avalia-se, nessa proposta, que o Tempo Comunidade é opor- tuno para que o estudante aprofunde o conhecimento da realidade que vai atuar, analise as condições de vida e de trabalho dos agricultores, per- ceba os problemas, os discuta de forma coletiva e proponha soluções. Este período tem como função a articulação das disciplinas com a realidade local através de ações, trabalhos, pesquisas e execução de projetos, podendo acontecer observações, registros em diários de campo e estudos de casos.

Previa-se que na comunidade seriam realizados estudos e pes- quisas que levassem a uma refl exão teórico - prática das questões perti- nentes ao campo para subsidiar as intervenções práticas. Estas atividades seriam orientadas e acompanhadas por professores universitários e técni- cos que desenvolvem ações de ATER/ATES nas diferentes áreas de atu- ação do Projeto.

Cabe destacar que o Tempo Comunidade esteve a cargo de cada Universidade, resultando em uma enorme heterogeneidade, desde situações onde os estudantes passaram a integrar o trabalho de ATES e estabeleciam moradia nos locais do Tempo Comunidade, até situações onde a vivência teve caráter de conjunto de visitas para conhecer diferen- tes situações do campo e construir relações com as comunidades ou or- ganizações do campo.

Outro componente essencial do Tempo Comunidade foi a realização do trabalho de pesquisa com vistas à elaboração da monografi a. Na concepção da Especialização, a pesquisa, que permeou todo o Curso, deveria ser organizada através dos princípios da Pesquisa - Ação no mo- vimento dialético do conhecimento de ação-refl exão-ação com aborda- gem qualitativa. Desta forma, considera-se as etapas da pesquisa científi ca: levantamento de problema dentro do tema escolhido (as linhas de pes- quisas do Curso), coleta de dados, formulação de hipóteses, experiência e problematização, sistematização e conclusão (momento em que se con- fi rma ou não a(s) hipótese(s), e por fi m, a devolução dos dados, resultados e conclusões para a comunidade.

No documento EDUC A ÇÃO DO CAM PO E F (páginas 70-74)

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