• Nenhum resultado encontrado

1 DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO

5.4 DA CONCESSÃO DO EFEITO SUSPENSIVO OU DEFERIMENTO DA

O recurso de agravo de instrumento não possui em regra, como consequência de sua propositura, o efeito suspensivo. O artigo 558, do Código de Processo Civil, entretanto, autorizou ao juízo a concessão de tal efeito

quando presentes alguns requisitos legais. É o que a doutrina denomina de efeito suspensivo ope judicis, “concedido pelo magistrado à luz da necessidade e das circunstâncias de cada caso concreto que lhe é apresentado para solução.”248

Anteriormente ao advento desta possibilidade, no entanto, já se aceitava a concessão de efeito suspensivo ao recurso de agravo de instrumento, ou mesmo da antecipação dos efeitos da tutela recursal. Estas medidas eram efetivadas por meio de ações próprias representadas pelo mandado de segurança e ações cautelares.

Rafael de Oliveira Guimarães249 explicitando a atipicidade destas medidas, então utilizadas, disserta:

As medidas cautelares com estes fins nada mais eram do que medidas cautelares satisfativas, indo de encontro ao antes preconizado (...), já que uma medida antecipatória nunca pode ser medida cautelar, pelo menos quando não haja dúvida quanto à satisfatividade, assim, não sendo o modo mais técnico o pleiteio por tal modo.

E quanto ao mandado de segurança para atribuir efeito suspensivo, o chamado remédio heroico, o mesmo não encontrava fundamento. Em sábias palavras, a Profa. Teresa Arruda Alvim Wambier preconiza que não há direito líquido e certo de se conferir efeito suspensivo para recurso que por expressa disposição de lei, não o tem. O mandado de segurança era utilizado, deste modo, por ser o único meio de proteger a situação de risco, uma dita admissibilidade residual, que acabou sendo aceita pelo E. STJ.

Em conformidade com o artigo 558, do Código de Processo Civil, faz- se necessário a presença de alguns requisitos para concessão destas medidas: “O relator poderá, a requerimento do agravante nos casos de prisão

248 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de Direito Processual Civil. Recursos. Processos e incidentes nos tribunais. Sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões judiciais. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 109.

249 GUIMARÃES, Rafael de Oliveira. Sobre as decisões monocráticas nos tribunais. O manejo dos agravos interno e regimental. Dissertação para obtenção do título de Mestre. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2008. p. 136-137.

civil, adjudicação, remição de bens, levantamento de dinheiro sem caução idônea e em outros casos dos quais possa resultar lesão grave e de difícil reparação, sendo relevante a fundamentação suspender o cumprimento da decisão até o pronunciamento definitivo da turma ou câmara.”

O primeiro questionamento que se insurge é o de que todas as vezes que houver perigo de lesão grave e de difícil reparação, em conformidade com o artigo 522 do Código de Processo Civil, a forma do agravo deve ser por instrumento. Sendo assim, todas as vezes que se falar em agravo de instrumento estar-se-á diante de caso de necessária concessão de efeito suspensivo? E se o juízo entender não se tratar da hipótese de concessão de efeito suspensivo deve-se converter o agravo para retido?

Fredie Didier Junior e Leonardo Carneiro da Cunha 250 ao se posicionarem sobre a questão aduzem:

Se o relator não vislumbrar presente essa circunstância, estará dizendo, ipso facto, que não é caso de agravo de instrumento, salvo se entender que existe o “perigão” (apto a determinar o efeito suspensivo) e o “periguinho” (elemento do tipo para o simples cabimento do agravo de instrumento). Negar o efeito suspensivo (em razão da falta do perigo) e não converter o agravo de instrumento em agravo retido é postura, a princípio, contraditória, salvo se o relator, de logo, por questão de economia processual, negar monocraticamente, provimento ao recurso, se perceber que é manifestamente improcedente (art. 557, caput, do CPC). Se o recurso é manifestamente inviável, mesmo não havendo urgência, o relator deve julgá-lo e não convertê-lo em retido.

Mas é possível negar efeito suspensivo ao agravo de instrumento pela falta de fundamento relevante (art. 558, caput, do CPC), embora existente o perigo.

Não é possível, no entanto, fazer-se uma fusão das expressões “lesão grave e de difícil reparação” de ambos os artigos processuais. Ora, se essa fosse a intenção do legislador ele teria atribuído expressamente efeito suspensivo a todo e qualquer agravo de instrumento. A norma resumir-se-ia a

250 DIDIER, Fredie Jr., CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. Meios de impugnação às decisões judiciais e processos nos tribunais. Volume III. Salvador: JusPodium, 2011. p. 147.

tratar das hipóteses de agravo retido (sem, evidentemente efeito suspensivo) e agravo de instrumento com efeito suspensivo.

O perigo de “lesão grave e de difícil reparação” a justificar o agravo de instrumento leva em consideração o tempo de trâmite procedimental até prolação da sentença. Já o perigo de “lesão grave e de difícil reparação” relativo à concessão do efeito suspensivo leva em consideração o tempo do trâmite recursal. É possível, assim, admitir haver “periguinho” e “perigão” como tratado por Fredie Didier Junior e Leonardo Carneiro da Cunha.

Cassio Scarpinella Bueno251 assim, também, se posiciona:

O que é correto destacar é que as situações descritas no inciso III do art. 527 reclamam, nos casos de periculum in mora, o proferimento de uma decisão ainda mais rápida e, por isso mesmo, mais rarefeita (“cognição superficial”; v. n. 9 do Capítulo i da Parte III do vol. 1) do relator. Trata-se de uma urgência que se sobrepõe à que exige o processamento imediato do agravo, que “vem antes” dela. Uma “urgência- urgentíssima”, para fazer uso da expressão que pretende apenas ser didática.

Ainda mais, não se pode deixar de mencionar que existem hipóteses em que a lei afasta o requisito de “lesão grave e de difícil reparação”, para fins de aceitação do agravo na sua forma de instrumento. A redação do artigo 522, do Código de Processo Civil, justifica o recurso, também, “nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida”.

Conforme já descrito no item 4.2.2 deste trabalho, existem hipóteses em que a simples impossibilidade de processamento do agravo, na sua forma retida, autoriza a utilização da forma de instrumento, bem como casos em que a proposição retida nos autos seria imprestável aos fins almejados252.

251 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de Direito Processual Civil. Recursos. Processos e incidentes nos tribunais. Sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões judiciais. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 206.

252 Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha descrevem situação que bem demonstra

essa hipótese: “Do mesmo modo, denegado, por exemplo, pedido de denunciação da lide, não exsurge, em princípio, uma situação de grave lesão ou de difícil reparação, devendo a decisão

Em outras palavras, para que haja uma observância aos delineamentos do modelo constitucional de processo civil, faz-se necessário atribuir ao jurisdicionado mecanismos que viabilizem a tutela jurisdicional pleiteada. Prever hipótese de agravo retido, quando somente haverá efetiva tutela em se tratando de agravo de instrumento, implica em hipótese de inconstitucionalidade que deve resultar na concepção de norma não escrita (em claro confronto com as disposições constitucionais).

Não há razões, portanto, para afirmar que todas as vezes que não se restar concedido efeito suspensivo ao agravo de instrumento, deve o relator, convertê-lo para forma retida.

A constatação da existência do requisito “lesão grave e de difícil reparação”, para fins de efeito suspensivo, decorre do que a doutrina denomina de exercício do “poder geral de cautela” que pode e deve ser realizado ao longo de todo o processo, pelo titular do poder jurisdicional.253 É preciso que se mostre presente o fumus boni iuris e o periculum in mora justificando o exercício desta atividade.

A redação do inciso III, do artigo 527, do Código de Processo Civil, no entanto, trouxe uma extensão muito maior ao que se entende por atribuição de efeito suspensivo ao recurso. Por vezes, essa concessão consiste em muito mais do que a simples suspensão dos efeitos da decisão recorrida. Ela equivale à própria antecipação dos efeitos da tutela recursal pleiteada. Essa possibilidade é facilmente visualizada na hipótese em que se atribui efeito suspensivo a recurso de decisão que deixou de conceder efeito suspensivo aos embargos à execução. A concessão do efeito suspensivo ao recurso coincide,

ser combatida por agravo retido. É, porém, firme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, mesmo cabível a intervenção de terceiro, não se deve anular todo o processo no qual haja sentença proferida, eis que atentaria contra economia processual. Logo, o agravo retido estaria, certamente, fadado ao insucesso, não garantindo qualquer utilidade à parte agravante. Nesse caso, embora não haja urgência, não sendo a insatisfação da parte submetida desde logo ao conhecimento do tribunal, será mantida a falta de intervenção do terceiro, não lhe conferindo qualquer utilidade o agravo retido. (DIDIER, Fredie Jr., CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. Meios de impugnação às decisões judiciais e processos nos tribunais. Volume III. Salvador: JusPodium, 2011. p. 149-150.)

253 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de Direito Processual Civil. Recursos. Processos e incidentes nos tribunais. Sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões judiciais. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 129.

efetivamente, com a “provisória” atribuição de efeito suspensivo aos embargos à execução interpostos pela parte.254

Por vezes, ainda, a simples imputação do efeito suspensivo não tem o condão de evitar a consumação do prejuízo resultante da decisão recorrida. Nestas hipóteses faz-se mister a antecipação dos efeitos da tutela recursal para que haja uma efetiva prestação da tutela jurisdicional.

Em brilhante voto, o então Desembargador e hoje Ministro Teori Albino Zavascki, bem explicitou:

O art. 558 do CPC nada mais constitui que um desdobramento do mecanismo de antecipação da tutela. Por isso mesmo, a extensão de seu conteúdo há de ser dimensionada tendo em vista a finalidade do provimento, que outra não é se não a de evitar a consumação de dano ao direito. O desiderato do legislador ao editor tal dispositivo foi indubitavelmente, o de conferir ao relator a faculdade de antecipar os efeitos do futuro e provável juízo de provimento do agravo e, com isso, assegurar utilidade dessa decisão, que estaria comprometida em uma providência oposta à que decorre da decisão agravada.255

Em relação ao disposto no trecho acima, há que se fazer uma ressalva. A antecipação dos efeitos da tutela (final ou recursal) não consiste em uma mera faculdade do juiz. “Nada há de discricionário na decisão através da qual o magistrado concede, ou não concede, a antecipação dos efeitos da tutela pleiteada ou de parte deles”256. Trata-se de um dever que está intimamente ligado ao princípio da inafastabilidade do controle da jurisdição, que exige do Estado uma tutela jurisdicional eficiente frente à proibição da autotutela.

254

“Sob certo ponto de vista, com o efeito suspensivo também se pretende a antecipação dos efeitos da tutela recursal, já que se pretende, com a obtenção de tal efeito, impedir que a decisão recorrida produza efeitos, e que este estado de não produção de efeitos perdure, após o julgamento do recurso.” (MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recursos e ações autônomas de impugnação. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2011. p. 118.) 255 TRF4, MS 960431418/RS. 2ª Turma. Relator Teori Albino Zavascki. Julgado em 20/06/1996.

RT 731/446.

256 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Da liberdade do juiz na concessão de liminares e a tutela antecipada. In. Aspectos polêmicos da antecipação de tutela (483-570). Coordenação de WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p.531.

O artigo 527, III, do Código de Processo Civil, não traz em seu bojo quaisquer requisitos específicos à concessão dessa antecipação. A doutrina se posicionou, assim, no sentido de que devem restar presentes aqueles previstos no artigo 273, do Código de Processo Civil, considerando esta concessão um mero “desdobramento do instituto previsto no art. 273 do CPC”257.

Teresa Arruda Alvim Wambier258 relaciona estes requisitos a própria necessidade de cumprimento ao princípio constitucional da isonomia.

Este pedido pode, assim, ser formulado em atenção aos parâmetros estabelecidos no art. 273 – uma vez que o art. 527, inci. III, nada dispôs a respeito dos requisitos para a concessão de tal antecipação -, pois o que se pede é, na verdade, a antecipação dos efeitos da tutela recursal. Assim não poderia deixar de ser, até por causa do princípio constitucional da isonomia. Afinal, a parte que não obtém a providência pleiteada não pode ficar em situação de desvantagem em relação àquela que recorre de decisão que concedeu a providência a seu ex- adverso. Esta poderia obter o efeito suspensivo da decisão que concedeu a medida à outra parte, mas a que a pediu, não tendo obtido, teria de esperar até o julgamento do recurso. Esta disparidade de tratamento não se harmoniza com o sistema do código e o correto é considerar-se que a parte possa obter providência equivalente, ainda que com base em outro dispositivo legal, o que nos parece absolutamente circunstancial e secundário.

Há que se ressalvar, entretanto, que o objeto da antecipação da tutela recursal por muitas vezes não coincide com o objeto da antecipação da tutela jurisdicional final, de maneira que os requisitos do artigo 273 devem mostrar-se presentes, neste momento, num âmbito estritamente recursal.

A decisão relativa à antecipação dos efeitos da tutela recursal consiste, claramente, em decisão de caráter meritório e, assim, atípica segundo a classificação adotada por este trabalho. Se o juiz natural recursal é o Tribunal, em seu órgão colegiado, o que a lei possibilitou, mais uma vez, foi uma delegação, ainda que parcial, da competência atribuída ao órgão colegiado ao

257 MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recursos e ações autônomas deiImpugnação. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2011. p. 119.

258 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC Brasileiro. 4ª edição revista, ampliada

juízo monocrático, numa tentativa real e eficiente de atender as necessidades de toda e qualquer tutela de urgência.

6 DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 527, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

O parágrafo único do artigo 527, do Código de Processo Civil, dispõe expressamente: “A decisão liminar, proferida nos casos dos incisos II e III do

caput deste artigo, somente é passível de reforma no momento do julgamento

do agravo, salvo se o próprio relator a reconsiderar.”

Muitos doutrinadores traçam esta questão como a irrecorribilidade das decisões de relatores que deferem ou indeferem o efeito suspensivo ou a tutela antecipada recursal ou, ainda, convertem o agravo retido em agravo de instrumento.

Embora o artigo não traga especificamente uma situação de irrecorribilidade, visto que sua redação afirme que poderá haver revisão destas decisões “no momento do julgamento do agravo salvo se o relator a reconsiderar”, tal disposição mostra-se inefetiva a tutela dos direitos dos interessados, resultando, assim, em inconstitucionalidade.

As alterações que se submeteu o recurso de agravo durante as reformas processuais de 1995, 2001 e 2005, tiveram a clara tentativa de acelerar a prestação da tutela jurisdicional, desafogando o Poder Judiciário.

A professora Teresa Arruda Alvim Wambier259 discorreu sobre esta tentativa em artigo publicado na Revista Magister:

Em fins de 2005, a Lei nº 11.187 trouxe novas alterações à sistemática do agravo. A nós fica a impressão, como acima afirmamos, de que após essas sucessivas mudanças (de 1995,

259 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O novo recurso de agravo, na perspectiva do amplo acesso à justiça, garantido pela Constituição Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil nº 22. Jan-Fev/2008.

de 2001 e de 2005) estamos diante da experiência de “ensaio e erro” na busca de um modelo de agravo que seja capaz de darconta, ao mesmo tempo, da demanda recursal crescente, fruto, dentre tantos motivos, de alterações outras (...) e da falta de investimento público no Poder Judiciário, que não está aparelhado, tanto do ponto de vista físico (instalações, tecnologia etc.), quanto sob o aspecto humano (...). Falta, enfim, resposta eficiente do Poder Judiciário ao veemente clamor vertiginosos do número de pretensões deduzidas em juízo. (...)

Então, a alteração da lei, ainda que se possa constatar a existência da intenção expressa, no sentido de dotar o sistema de maior grau de efetividade, nada mais das do que “remendá- lo”, de molde a obter um pouco mais de rendimento da estrutura judiciária posta a serviço da sociedade, sem que qualquer esforço efetivo se tenha feito no sentido de aparelhar o Poder Judiciário. J. E. Carreira Alvim e Luciana Gontijo Alvim Cabral comentando a nova sistemática do agravo afirmam que a eventual irrecorribilidade das decisões interlocutórias não teria por si só, o condão de tornar o processo mais célere, até porque, sustentam, com absoluta razão, que “a morosidade decorre mais da própria estrutura judiciária do que do formalismo processual”.

Cassio Scarpinella Bueno aduz que em prol desta celeridade, o legislador mitigou valores importantes como o duplo grau de jurisdição e a colegialidade dos Tribunais.

É correto o entendimento que acabou por prevalecer na doutrina e jurisprudência de que não agride o “modelo constitucional do processo civil” a circunstância de a lei, rente à concretização de outros valores constitucionais do processo – celeridade, por exemplo -, dispor que, no âmbito dos Tribunais, decida-se de forma isolada (monocraticamente), desde que a lei preveja mecanismo adequado de contraste desta decisão perante o órgão colegiado, que, para ir direto ao ponto, é o “juiz natural” do julgamento dos recursos no nosso sistema.260

Aqui vale fazer a ressalva de que, ao se levar em consideração os apontamentos feitos por este estudo no Capítulo 2, de que na verdade a

260 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de Direito Processual Civil. Recursos. Processos e incidentes nos tribunais. Sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões judiciais. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 212.

colegialidade não implica necessariamente no juiz natural recursal, não há que se falar em nenhum despautério em previsões legislativas que deleguem ou fracionem a competência recursal ao órgão monocrático, em cumprimento ao duplo grau de jurisdição.

Não há dúvidas, de que como regra geral, a Constituição juntamente com o artigo 555, do Código de Processo Civil, intencionou o colegiado como juiz competente para o julgamento dos recursos. No entanto, a Carta Magna não previu expressamente esta necessidade. Pela interpretação sistemática de seu texto previu-se que a competência recursal pertenceria ao Tribunal que, em regra, é organizado em órgãos colegiados não sendo, contudo, vedado a criação de outros órgãos pelo próprio tribunal.

É cediça a lição segundo a qual somente se considera juiz natural o órgão judiciário cujo poder de julgar derive de fontes constitucionais. Em razão disso, o princípio do juiz natural “vincula a garantia a uma ordem taxativa, e constitucional, de competências.” Karl Heinz Schwab explica que “o princípio do juiz natural exige não só uma disciplina legal da via judicial, da competência funcional, material e territorial do Tribunal, mas também uma regra sobre a qual órgão judicante (Câmara, Turma, Senado) e qual juiz, em cada um desses órgãos individualmente considerados, devem exercer a suas atividades.” “E, desse modo, firma-se, explicitamente a exigência de pré-constituição do órgão jurisdicional competente, entendendo-se este como o agente do Poder Judiciário, política, financeiramente e juridicamente independente, cuja competência esteja previamente delimitada pela legislação em vigor.”261

Se o relator, como por vezes é previsto no próprio Regimento Interno dos Tribunais, conforme competência legislativa organizacional atribuída pelo artigo 96, I, da Constituição Federal, é órgão do Tribunal e a lei previamente atribui a ele competência para apreciação de determinadas matérias, como admitir que há violação à garantia constitucional do juiz natural, quando obedecida a dupla faceta desta garantia (prévia existência do órgão

261 CARVALHO, Fabiano. Pedido de reconsideração e juízo de retratação. Revista de

responsável pelo julgamento e obediência a competência expressamente imposta pelo texto da lei)?

E mais. Ainda que se possa falar na imprestabilidade da disposição que autoriza a revisão das decisões - que deferem ou indeferem o efeito suspensivo ou a tutela antecipada recursal ou convertem o agravo retido em agravo de instrumento - no momento do julgamento do próprio agravo, o texto da norma não excluiu no órgão colegiado a apreciação das razões, afastando, mais uma vez a supressão ou expressa desobediência ao primado da colegialidade.

6.1 DA IRRECORRIBILIDADE DO INCISO II - DA CONVERSÃO DO