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1 DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO

5.3 DA CONVERSÃO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO EM AGRAVO

A Lei nº 10.352/2001 já permitia ao relator a conversão do agravo de instrumento em retido, sendo que desta decisão caberia o recurso de agravo, no prazo de cinco dias.

Cândido Rangel Dinamarco241 tratou de tal reforma legislativa, nos seguintes termos:

A conversão do agravo de instrumento em retido, autorizada pelo novo inc. II do art. 527 do Código de Processo Civil (red. Lei n. 10.352, de 26.12.2001), é uma inovação em relação ao direito vigente antes da segunda Reforma, no qual se negava, ou ao menos se punha em dúvida, a possibilidade de converter. A razão maior consistia nas dificuldades operacionais decorrentes da apresentação do primeiro deles ao tribunal, diretamente (art. 524), enquanto que o segundo se processa nos autos da causa e só vai ao tribunal com a apelação que venha a ser imposta (art. 523). O legislador de 2001, compreendendo bem que maiores benefícios traz à Justiça a conversão do que a extinção do agravo de instrumento nos casos em que somente o retido seja admissível (art. 523, §4º - supra, n. 110), incluiu entre os poderes do relator o de converter.

A Lei nº 11.187/2005 alterou o dispositivo legal e, além de excluir a possibilidade de recurso de referida decisão, tornou tal medida impositiva. “O regime anterior contemplava esta hipótese como mera possibilidade outorgada ao relator. Hoje, ao contrário, trata-se de imposição, que tem em vista reforçar a ideia de que o agravo deve, em princípio, ser apresentado na forma retida (a apenas excepcionalmente pela via de instrumento).”242

241 DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. São Paulo, Malheiros, 2003. p. 189. 242 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil: Processo de conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 542.

O espírito da reforma, segundo Cassio Scarpinella Bueno, deu-se porquanto a redação anterior transformou em letra morta o dispositivo legal, tendo em vista a viabilidade de interposição de agravo interno de referida decisão. “E já que havia previsão de (mais) um recurso nos casos em que se decidia pelo não cabimento do contraste imediato da decisão proferida na primeira instância, melhor que se julgasse, de uma vez, o agravo na sua forma de instrumento.”243

O inciso III, do artigo 527, dispôs expressamente que, em não se tratando das hipóteses em que a lei exige a interposição do agravo, pela forma de instrumento, deverá o relator realizar a conversão. Vale ressaltar, outrossim, que “a conversão só é cabível quando o decurso do tempo não deva prejudicar a capacidade de o recurso retido reparar plenamente o gravame.”244

É permitido ao relator, assim, de ofício, realizar uma adaptação procedimental do recurso, que afastaria um juízo de inadmissibilidade, resultante na negativa de seguimento, por força do disposto no inciso I, do mesmo artigo 527, do Código de Processo Civil. “Em vez de determinar o não- conhecimento do recurso, o legislador cria regra de aproveitamento do ato processual indevidamente praticado, em nítida aplicação do princípio da instrumentalidade das formas.”245

Em um primeiro momento a decisão mais evidente seria a inadmissibilidade do recurso por descabimento, que na forma do artigo 522, deveria ter sido proposto pela parte na forma retida. Se, no entanto: (i) obedeceu-se ao princípio da singularidade, vez que o artigo 496, do Código de Processo Civil, admite como espécie recursal apenas o agravo; (ii) se o sistema recursal brasileiro admite até mesmo a fungibilidade recursal, que muito mais que uma adaptação procedimental consiste no recebimento de um

243 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de Direito Processual Civil. Recursos. Processos e incidentes nos tribunais. Sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões judiciais. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 203.

244 CARNEIRO, Athos Gusmão. Recurso especial, agravos e agravo interno. Rio de Janeiro:

Forense, 2009. p. 196.

245 DIDIER, Fredie Jr., CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. Meios de impugnação às decisões judiciais e processos nos tribunais. Volume III. Salvador: JusPodium, 2011. p. 146.

recurso por outro; e, mais, (iii) a conversão não é capaz de trazer nenhum prejuízo às partes; a sua não realização implicaria, tão somente, na contramão dos rumos do modelo constitucional de direito processual civil.

O que se depreende, do até aqui exposto, é que a decisão que converte o agravo de instrumento em agravo retido consiste, claramente, em uma decisão relativa à própria admissibilidade recursal, atípica, portanto.

Ao tribunal é dado o poder de realizar o exame de admissibilidade do recurso de agravo. Conforme já exposto no Capítulo 2, deste trabalho, o juiz natural dos recursos é o órgão colegiado, de maneira que naturalmente ao colegiado é dado o juízo definitivo e irrecorrível da admissibilidade recursal. Aqui a lei teria transferido, ao menos momentaneamente, a competência do exercício de tal juízo ao relator do recurso.

Athos Gusmão Carneiro246 em sua obra, inclusive, afirma sobre a necessidade prática desta forma de delegação:

Por motivos principalmente de ordem prática, no juízo recursal normas legais ou regimentais vieram atribuir ao relator competência para liminarmente efetuar tal segunda perquirição, sem prejuízo de eventual reexame da matéria pelo colegiado, de ofício ou por provocação da parte interessada.

A exclusão, no entanto, do agravo inominado de referido dispositivo será, detalhadamente, tratada no próximo capítulo. Lá se demonstrará que as alterações resultantes no novo inciso III, do artigo 527, do Código de Processo Civil, em momento algum extirpou a possibilidade de revisão deste juízo de admissibilidade pelo órgão colegiado, mantendo o que a maioria da doutrina afirma ser a garantia constitucional do juiz natural.

Outra questão tratada pela Professora Teresa Arruda Alvim Wambier247 refere-se à impossibilidade de se admitir a concessão de efeito suspensivo ao agravo de instrumento convertido em agravo retido. Em suas palavras:

246 CARNEIRO, Athos Gusmão. Poderes do relator e agravo interno. Arts. 557, 544 e 545 do CPC. Revista de Processo. Volume 100. p. 9. out/2000.

Pensamos que, pelo menos em princípio, esta conversão inviabilizaria a concessão de efeito suspensivo. Esse efeito suspensivo e também o efeito ativo, a gente se refere ao art. 527, III, são efeitos com vocação para serem efêmeros, sob pena de acabarem por equivaler ao próprio julgamento do recurso, o que parece não ter sido a intenção do legislador, já que a decisão do art. 527, a esse propósito, é tomada com base no fumus boni iuris (= cognição não exauriente). Portanto, não teria sentido uma decisão que alterasse o status quo, concedendo o efeito suspensivo ou a providência positiva pleiteada, durar o tempo que levaria para o agravo retido ser julgado.

Esta conclusão relaciona-se diretamente à própria admissibilidade do recurso de agravo de instrumento. Ora, se houver a presença do requisito de urgência, a autorizar a concessão do efeito suspensivo, afastada, naturalmente, estará a possibilidade de aguardo do julgamento recursal, no momento da apelação, a caracterizar a admissibilidade do recurso de agravo retido.

Diante desta conclusão, uma nova questão deve ser tratada. Conforme acima explanado, ao relator é dado o poder, até mesmo como forma de viabilização da tutela jurisdicional, de converter o agravo de instrumento em agravo retido e, também, de conceder efeito suspensivo ao recurso ou antecipar os efeitos da tutela recursal. No entanto, a decisão do relator está sempre submetida à revisão do órgão colegiado, ainda que somente no momento do final julgamento do recurso. Sendo assim, se concedido o efeito suspensivo ao recurso pelo relator é possível que órgão colegiado converta o agravo de instrumento em agravo retido?

Ora, se a competência recursal é naturalmente do órgão colegiado, e a ele é dado o poder de realizar o final exame de admissibilidade recursal, não há porque negar a possibilidade deste também converter agravo de instrumento em agravo retido. Mas se, no entanto, a antecipação dos efeitos da tutela recursal, pelo relator, já tiver produzido efeitos concretos na situação das

247 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC Brasileiro. 4ª edição revista, ampliada

partes, ainda assim, o órgão colegiado poderá converter o agravo de instrumento em agravo retido?

Em tal hipótese faz-se necessário uma ponderação. Admitir a revogação da medida liminar restabelecendo a situação ao status quo anterior, para somente então realizar a conversão do agravo de instrumento de instrumento em agravo retido pode implicar na própria análise do mérito recursal para fins de admissibilidade do recurso, induzindo o próprio julgamento do agravo retido. Em outras palavras, se está a se tratar de antecipação da tutela recursal, o juízo realizado é de mérito, ainda que em cognição não exauriente, desta maneira o órgão colegiado teria que afastar o juízo de mérito pré-realizado e converter o agravo, ultrapassando a premissa básica da conversão que consiste na ausência de conhecimento do mérito do próprio recurso.

Pode-se afirmar, portanto, tratar-se de uma espécie de “anomalia” do sistema, em que se faz necessário um afastamento do juízo de mérito já realizado, para exercício de um juízo de admissibilidade que, no entanto, não gera a preclusão da questão recursal.

Conclusão razoável, nestas hipóteses, seria o afastamento da competência do órgão colegiado para exercício deste (específico) reexame da admissibilidade recursal, porquanto a sua aplicação vai de total desencontro aos mandamentos de eficiência e eficácia da tutela prestada aos jurisdicionados (aqui considerados recorrentes e recorridos).

5.4 DA CONCESSÃO DO EFEITO SUSPENSIVO OU DEFERIMENTO DA