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Da medida da pena de prisão e da suspensão da sua execução

C- Da medida da pena de prisão e da suspensão da sua execução

Considera o recorrente que a pena imposta de 3 anos de prisão é excessiva e desadequada, dado serem diminutas as necessidades de prevenção especial, pugnando pela aplicação da pena correspondente ao limite mínimo da moldura penal (ou seja, de 2 anos ou de 2 anos e 8 meses se o crime for agravado).

De harmonia com o disposto nos artigos 70º e 71º do Código Penal a escolha e a medida da pena, ou seja, a determinação das consequências do facto

punível, é feita dentro dos limites da lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo ainda atender-se a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o mesmo.

Ora, dentro da moldura penal abstracta, as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime depõem a favor ou contra o agente são,

designadamente:

- O grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente);

- A intensidade do dolo ou negligência;

- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

- As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

- A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

- A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

Deste modo, o juiz conforme a natureza do facto punível, a sua gravidade e a forma de execução, aplicando o direito, escolhe uma das várias possibilidades legalmente previstas.

Em caso algum, porém, a pena poderá ultrapassar a medida de culpa do

agente, concretamente revelada, correspondendo o limite superior da pena ao máximo grau de culpa e, o limite mínimo aquele abaixo do qual se não

respeitam as expectativas da comunidade (art. 40º, n.º 2 do C.Penal).

Acresce que “… O Código Penal deve constituir o repositório dos valores fundamentais da comunidade. As molduras penais, mais não são, afinal, do que a tradução dessa hierarquia de valores, onde reside a legitimação do direito penal” – ponto 2 do Preâmbulo do DL 48/95, de 15 de Março.

Como salientámos, não pode apenas atender-se à culpa e à sua medida, impôs o legislador que a determinação concreta da pena seja feita também em

função da prevenção. O que no entender do Prof. Figueiredo Dias “(…) é perfeitamente compreensível e justificável; através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências da prevenção, dá-se lugar à necessidade

comunitária de punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em

consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente – limita de forma inultrapassável as exigências de prevenção” (cfr. Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime – Notícias editorial – pág. 215).

O Tribunal a quo na determinação da medida concreta da pena aplicada ao arguido ponderou o seguinte:

«-As exigências de prevenção geral, que são relevantes atenta a natureza do crime em causa e ao facto deste ilícito ser de elevada frequência no contexto em que teve lugar, havendo, por isso, de tutelar as expectativas da

comunidade na manutenção da validade do ordenamento jurídico;

-O grau de ilicitude médio, atendendo ao bem jurídico violado, às

circunstâncias em que o foi e às suas consequências (cfr. factos 1. a 19.);

-O dolo direto (cfr. factos 25. a 30.);

-O contexto socioeconómico do arguido (cfr. factos 31. a 39.);

-Os antecedentes criminais do arguido, onde assume particular relevância a circunstância deste ter sido condenado, por decisão transitada em julgado em 5.03.2013, pela prática entre 11.09.1993 e 14.06.2012, de 2 crimes de

violência doméstica, p. e p. pelos artigos 152º, n.º1, als. a) e d) e 2 do C.P., na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período,

acompanhada de regime de prova e com a sujeição do arguido se sujeitar a tratamento médico contra a dependência do álcool (cfr. factos 5. e 40.).

Sopesando estes fatores e chamando à colação o grau de culpa do arguido, que consideramos situar-se a um nível significativo, atento o dolo direto com que atuou e o modo como em concreto o fez, sendo particularmente

reveladores os seus antecedentes criminais, parece-nos adequado proporcional e justa a pena de 3 (três) anos de prisão.»

Como resulta da transcrição efectuada, a decisão recorrida sopesou todos aqueles factores com influência na medida concreta da pena.

Em conformidade, correspondendo à conduta do arguido a moldura penal abstracta de 2 anos e 8 meses a 6 anos e 8 meses de prisão, face ao

circunstancialismo fáctico apurado, afigura-se-nos que bem andou o tribunal recorrido ao impor-lhe a pena de 3 anos de prisão.

*

Pugnando pela suspensão da execução da pena de prisão, alega o recorrente:

“ - O Tribunal a quo entendeu que a factualidade provada não permite

qualquer juízo de prognose favorável no sentido que o arguido irá cessar a sua conduta.

- Fundamentou - a inexistência de juízo de prognose favorável no facto de a anterior condenação - pena prisão suspensa na sua execução - ter sido inconsequente e, por outro lado que a "actual não coabitação do casal em nada infirma esta conclusão ou contende com a mesma, sendo o arguido pai de filhos (um deles ainda menor) em conjunto com a assistente, pelo que a sua convivência não está, de forma alguma, afastada (antes pelo contrário).

- as condutas do arguido posterior à data que os factos lhe são imputados tem uma configuração distinta face às condutas que lhe são imputadas no período que se encontra no âmbito do presente processo, pelo que dando o Tribunal

como provados tais factos deve dar como provado que a conduta do arguido se alterou significativamente, porquanto isso mesmo resultou provado, como visto, da audiência de julgamento.

- Os factos dados como provados nos pontos 34 a 38 impunham a suspensão da execução da pena de prisão.

- O comportamento do arguido após a data em que alegadamente foram praticados os factos alterou-se, dado que não consome bebidas alcoólicas.

Este aspecto é, aliás, de suma importância, porquanto é transversal à acusação e ao Acórdão que os alegados comportamentos do arguido eram desencadeados por situações de embriaguez.

- Para além disso, não tem contacto com a Assistente, uma vez que se encontra emigrado e quando regressa a Portugal fica numa casa que arrendou, onde reside com o seu filho mais velho e recebe o seu filho mais novo, que é distante do local onde reside a Assistente.

- Deste modo, o Tribunal deveria entender que o comportamento do arguido alterou-se, além de estar inserido social e familiarmente, sendo próximo dos seus filhos nomeadamente, o seu filho mais novo que é menor - que com a aplicação da pena de prisão efectiva ficarão privados de conviver com o seu pai o que comprometerá o seu desenvolvimento sadio, especialmente do filho C... .

- A personalidade do arguido demonstra no presente uma ausência de susceptibilidade conflituosa, estando harmoniosamente integrado familiar e socialmente, bem como profissionalmente, factores que potenciam uma forma de estar e de ser adequada aos padrões normais da sã convivência.”

Na verdade, ponderou o Tribunal de 1ª instância sobre a possibilidade da suspensão da execução da pena de prisão aplicada, tendo concluído que a factualidade dada como provada não permite qualquer juízo de prognose no sentido de que o arguido, no futuro, irá cessar a sua reiterada conduta.

Para tal foi relevante a anterior condenação do arguido no âmbito do processo n.º 44/12.0GCSEI, pela prática (factos ocorridos até 25-7-2012) de dois crimes de violência doméstica (sendo as vítimas, a sua mulher e a filha H... ), na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, acompanhada de regime de prova e com a obrigação de o arguido se sujeitar a tratamento médico contra a dependência do álcool – sentença

transitada em julgado em 5-3-2013.

Mais considerou o Tribunal que:

«Atentando á personalidade reiteradamente manifestada pelo arguido,

inexistem quaisquer deveres, regras de conduta ou regime de prova (estando a questão de qualquer tratamento ou sensibilização afastada pelo seu anterior comportamento), ou mesmo penas acessórias (cujo propósito não é em rigor aqui chamado á colação para os fins ora em apreço), capazes de fazer face às exigências de prevenção especial que no caso vertente se fazem sentir.

Acrescente-se que a atual não coabitação do casal em nada infirma esta

conclusão ou contende com a mesma, sendo o arguido pai de filhos (um deles ainda menor) em conjunto com a assistente a sua convivência não está, de forma alguma, afastada (antes pelo contrário).

O facto do arguido se mostrar inserido profissionalmente e o seu historial de vida (nos termos provados de 32. a 39.) não é de molde a afastar as sobreditas exigências, sendo que o dolo manifestado e o grau de ilicitude que se reputou aos ilícitos em questão, conjugado com a total ausência de arrependimento e de auto crítica por parte do arguido, não nos permite concluir de outra forma do que pela efetiva privação da sua liberdade.

Nesse sentido, entendemos que a censura e ameaça de prisão efetiva são evidentemente insuficientes (ainda que conjugadas com os sobreditos

elementos acessórios) para levar o arguido a consciencializar-se da gravidade da sua conduta e abster-se, de futuro, da mesma.

O passado já o comprovou à saciedade.»

De acordo com o preceituado no artigo 50º do Código Penal, o tribunal afirma a prognose social favorável em que assenta o instituto da suspensão da

execução da pena, se conclui que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, devendo, para tal, atender à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.

E só deve decretar a suspensão da execução quando concluir, face a esses elementos que essa é a medida adequada a afastar o delinquente da

criminalidade. O Tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa (neste sentido o Ac. do STJ de 11-01-2001, proc. n.º3095/00-5).

Perante o citado normativo os julgadores não podem estribar-se em condições acerca da culpa do arguido, mas somente reportar-se às finalidades

preventivas da punição. A suspensão terá de assegurar as finalidades da

prevenção geral e as necessidades de prevenção especial ou de reintegração.

Em suma, é necessário que, por um lado se faça uma prognose social favorável quanto ao arguido no sentido de que, perante a factualidade apurada se

conclui que o mesmo aproveitará a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, não voltando, com elevado grau de certeza, a delinquir e, por outro lado, que a suspensão cumpra as exigências de reprovação do crime servindo para satisfazer a confiança da comunidade nas normas jurídicas violadas.

A suspensão da execução da pena, não é uma medida de clemência, nem pode ser encarada como tal. É uma forma de cumprimento de uma pena

funcionando como medida de substituição que não determinando a perda da liberdade física condiciona a vida daqueles a quem é aplicada durante todo o período em que é fixada.

No caso vertente, como se pode observar no acórdão recorrido o tribunal a quo justificou a não suspensão da execução da pena, resultando claro porque não acreditou em tal oportunidade de ressocialização do arguido.

Todavia, entendemos que alterações significativas se verificam.

E, sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, o juiz tem o dever de suspender a execução da pena: esta é uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico. Para este efeito, é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição (cfr. Ac. STJ de 14-6-2007, Proc. n.º 07P1423, in www.dgsi.pt).

Bem sabemos que, no que respeita ao crime de violência doméstica são

elevadas as exigências de prevenção geral, pela frequência da sua prática, na maioria das vezes no seio familiar, perturbando a paz, a segurança e a vida daqueles que vivem ou se relacionam com o agressor, para além do forte alarme social que causa.

No caso sub judice o arguido não assumiu a sua apurada conduta, o que revela não ter interiorizado a ilicitude dos factos que cometeu, ou então, o

conhecimento da consequência dos mesmos uma vez que foram praticados no

período da suspensão da execução da pena em que fora condenado pela prática do mesmo ilícito penal.

Acontece que, resulta dos autos:

- o arguido não consome bebidas alcoólicas há cerca de 2 anos (o seu comportamento agressivo estava associado ao consumo do álcool);

- está a trabalhar na Alemanha, na construção civil, e vem a Portugal nas férias ou nas datas festivas;

- mantém bom relacionamentos com os filhos E... e C... ;

- o filho E... está a residir com o pai (em Portugal), numa casa arrendada por este;

- desde que emigrou para a Alemanha em Outubro de 2014, e soube que a assistente tinha saído de casa (para uma casa abrigo em Penafiel), não mais a contactou. Entretanto, encontraram-se no médico (mas não falaram) e no Tribunal (em 21-12-2015, aquando da Regulação das Responsabilidades Parentais relativa ao filho menor C... – fls. 435);

- em 28-1-2016 (data da audiência de julgamento nestes autos) estava a decorrer o processo de divórcio (desconhecendo-se se entretanto já foi decretado).

Foi muito grave a conduta do arguido; conduta que reiterou no período da suspensão da anterior condenação, também por violência doméstica.

Mas, face às alterações na vida do arguido assinaladas, pese embora a gravidade e reiteração da sua conduta, que frisamos, encontrando-se o arguido inserido em termos sociais, laboral e familiar, deverá ser-lhe dada uma última oportunidade, confiando que o arguido ainda é merecedor da mesma e, não mais importunará a assistente (aliás, serão graves as

consequências se o fizer, tendo em conta a anterior condenação e a dos presentes autos).

Termos em que, procede, nesta parte, o recurso.

*****

III- DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:

- Conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência:

a) Ainda que sem qualquer relevância, tendo em conta o crime praticado pelo arguido, procede-se à modificação da decisão recorrida (vide fls. 36 deste acórdão), nos seguintes termos:

Os pontos 8. e 13. passam a ter a seguinte redacção:

8. Assim, por diversas vezes, nesse período, em datas que não se logrou apurar, com uma frequência quase diária, na residência do casal, e na

presença dos filhos de ambos, o arguido disse, dirigindo-se à ofendida: “puta”,

“vaca” e “canhão”.

13. Em Setembro de 2014, o arguido chegou à residência do casal,

aparentando ter ingerido bebidas alcoólicas em excesso, e, sem qualquer motivo aparente, dirigiu-se à ofendida dizendo: “puta”, “canhão, “vaca, “tens uma avó que tem um filho de cada homem e tu és igual”.

E, quanto aos Factos não provados, acrescenta-se uma al. s), com a seguinte redacção:

s) nas circunstâncias referidas nos pontos 8. e 13. dados como provados, o arguido disse, dirigindo-se à ofendida: “andas a dar a cona” e “cabra”.

b) Suspende-se a execução da pena de 3 anos de prisão aplicada ao arguido A... , por igual período.

c) Mantém-se, no mais, o acórdão recorrido.

Sem tributação (artigo 513º, n.º 1 do CPP, na redacção dada pelo DL n.º 34/2008, de 26.02).

*****

Coimbra, 14 de Setembro de 2016 (Elisa Sales - relatora)

(Paulo Valério - adjunto)

[1] - Conclusões sem qualquer concisão, ao arrepio do que determina o n.º 1 do artigo 412º do CPP. Não mencionámos as transcrições que o recorrente fez constar nas conclusões.

[2] - in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, pág. 332.

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