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PARTE II: ELABORANDO A CONSTITUIÇAO BRASILEIRA DE

4.1.1 Da Primeira República à Revolução de 1930

liderado pelos Estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba, que culmina com a deposição, no dia 24 daquele mês, do presidente Washington Luís e com o bloqueio da posse do eleito Júlio Prestes. Como se sabe, os Estados dissidentes haviam lançado, no ano anterior, a Aliança Liberal, que sustentava a candidatura presidencial de Getúlio Vargas contra o candidato indicado pela oligarquia paulista, em desrespeito à alternância que vinha sendo observada anteriormente (chamada “política do café-com-leite”). Levantando suspeitas de fraude eleitoral e em meio a uma crise econômica e política, potencializada pelo assassinato de João Pessoa, candidato à vice-presidência pela chapa de Vargas, os dissidentes dão início a uma revolta que enfrenta pouca resistência por parte do governo federal, e que se vê bem sucedida em pouco tempo. No dia 3 de novembro, Vargas substitui-se no poder à Junta Provisória de Governo, ocupando a chefia do chamado Governo Provisório.

É preciso dar um passo atrás, para compreender a ruptura que a Revolução de 1930 representou. De modo geral, a Primeira República é marcada por uma economia eminentemente agrário-exportadora, organizada a partir de latifúndios produtores, o que se reflete sobremaneira na organização política do país. É de Victor Nunes Leal a análise clássica sobre a correlação entre propriedade de terras, poder privado, e poder político local, o coronelismo3. As lideranças políticas regionais controlavam os votos, a partir da ampla jurisdição e poder que detinham sobre seus dependentes e sobre a população local, que havia sido incluída no processo político com a proclamação da República e o fim do critério censitário – bem entendido que se trata da população masculina e alfabetizada. A partir dessa espécie de moeda de troca, que é o voto, as lideranças barganhavam com o governo estadual vantagens e conveniências para a manutenção de seu poder, bem como represálias aos seus adversários, fundando compromissos políticos que se renovavam com o passar do tempo4. Dessa forma, o poder público republicano e o poder privado, que se compõe em acordos entre as oligarquias rurais, fortalecem-se lado a lado, comprometendo-se também na composição do poder central. Por certo, a descrição do funcionamento desse sistema é complexa, e não cabe

3 Vide LEAL, 1997 (1948), a quem nos reportamos para a descrição clássica do sistema de compromissos

políticos e econômicos durante a Primeira República.

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aqui, bastando reter, apenas, a descentralização política como eixo principal, a definição dos governos a partir de acordos entre as oligarquias locais e a predominância dos interesses privados dos latifundiários na determinação política da nação5.

Do ponto de vista econômico, a principal atividade era a exportação de produtos agrícolas, cultivando-se café, açúcar, borracha e fumo. O café ocupava lugar de destaque, e “a burguesia cafeeira detém em última análise o poder, por intermédio do eixo São Paulo–Minas, reunindo as duas oligarquias mais poderosas, a partir da eleição de Prudente de Moraes (1894)”6. As oligarquias preponderantes, paulista e mineira, alternam- se no poder central, no que ficou conhecido como “política do café-com-leite”, garantindo com isso incentivos à produção cafeeira, e acomodando, ao mesmo tempo, oligarquias de segunda grandeza e os chamados Estados satélites7. Ela se estabiliza com a chamada política dos governadores, montada por Campos Sales, empossado presidente em 1898, a partir da qual se estabelecem relações de igualdade entre os Estados dominantes e a União. “Extraindo sua força, em última instância, da grande propriedade agrária, ela exprime entretanto menos o ‘coronel’ do interior, vinculado apenas ao meio rural, do que os interesses de conjunto de classe, condensando os grupos produtores, comerciais e financeiros ligados ao café”8.

A composição de forças permite uma simbiose entre interesses econômicos privados e políticas econômicas governamentais, especialmente focadas na garantia da economia cafeeira. A queda de preços do café no mercado internacional forçava desde há muito a intervenção do governo para assegurar ao setor a viabilidade do negócio, com práticas de controle cambial e até mesmo compra, estoque e destruição de parcelas da produção, passando por endividamento externo. Criaram-se, para tanto, entidades públicas diretamente responsáveis pelas políticas governamentais destinadas à economia cafeeira, como o Instituto de Defesa Permanente do Café (IDPC, 1922), o Instituto Paulista de Defesa do Café (IPDC, 1924), posteriormente chamado Instituto do Café do Estado de São Paulo (1926). Diga-se, desde logo, que a intervenção frequente do governo para disciplinar preços e oferta de café é uma prática de difícil conciliação teórica com as premissas do laissez faire econômico consolidadas na Carta de 1891, contradição

5 Para um balanço historiográfico do período, até o final dos anos 1980, ver GOMES e FERREIRA, 1989. 6 FAUSTO, 2005 (1970), p. 120.

7 FERREIRA e PINTO, 2006, p. 5. 8 FAUSTO, 2005 (1970), p. 121.

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do liberalismo brasileiro9 que não deixará de ser apontada na Constituinte de 1933/34, como se verá.

O arranjo possui nuances e interpretações extensas e variadas, que deixaremos de fora, mas aproveitando a descrição apenas para caracterizar a prevalência política na sociedade brasileira da Primeira República de grupos de produtores agrícolas, agrupados em oligarquias regionais, ou melhor, estaduais, que, além de deter poder econômico privado, controlavam o poder político até mesmo para a manutenção de suas posições. Dentre elas, destacavam-se as grandes oligarquias, especialmente mineira e paulista, que estão na base da composição de forças políticas do período, que lograva, ainda que de forma instável, manter o controle do poder central e dos poderes estaduais, por meio do controle do eleitorado pelos coronéis (o conhecido “voto de cabresto”) valendo-se de compra de votos, arregimentação de eleitores e mesmo de fraudes eleitorais, bastante frequentes.

Vale lembrar que grande parte da população brasileira, cerca de 70% em 192010, vinculava-se a ocupações agrárias, e os trabalhadores viviam em “condições que não se afastavam muito dos tempos da escravidão”11, com baixos salários e relações de trabalho precárias. A taxa de alfabetização, em 1920, era de 24,5%, e apenas Distrito Federal e Rio Grande do Sul superavam os 30% – a título comparativo, é útil mencionar que a França, no mesmo período, tinha 89% de sua população de 10 anos ou mais alfabetizada12. Os analfabetos estavam excluídos da participação eleitoral, resultando em um corpo eleitoral muito restrito – não chegava a 8% da população, sendo o comparecimento eleitoral efetivo durante a Primeira República inferior a 3%, à exceção das eleições de 1930. Mesmo os aptos a exercerem direitos políticos estavam sujeitos ao poder político dos coronéis. “Era generalizado o receio de sair às ruas em dias de eleição devido à violência dos capangas a serviço dos candidatos”13. Antes disso, as oligarquias em geral compunham-se para a indicação de candidatos (até porque arregimentar eleitores e comprar votos tornava as eleições caras) o que resultava em eleitos com mais de 70% dos votos na maioria das eleições presidenciais. “De qualquer modo, a conclusão que se pode

9 Conforme aponta Wanderley Guilherme dos Santos, “as relações de trabalho no setor agrícola da

economia jamais chegaram a se aproximar das condições da acumulação laissez-fairiana clássica”, fato que

aponta como “arquiconhecido”, in SANTOS, 1979, p. 71. Do mesmo modo, as relações entre produção privada e poder público também não mantiveram a independência pregada pelo liberalismo econômico, na medida em que o crescimento da economia brasileira sempre dependeu das políticas de governo.

10 Dados em CARVALHO, 2003, p. 102. 11 CARVALHO, 2003, p. 101.

12 Dados em CARVALHO, 2003, p. 100. 13 CARVALHO, 2003, p. 105.

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tirar dos dados apresentados era que o eleitorado, o povo das eleições, o povo político oficial, por si só, era incapaz de constituir qualquer ameaça ao sistema”14, conclui José Murilo de Carvalho. Sem dúvida, as camadas populares não podem ser vistas como uma ameaça de efetiva subversão da ordem pela via eleitoral, mas com isso não se quer dizer que pudessem ser tidas em posição de absoluta passividade. Se não são sujeito na ação que levou à Revolução de 1930, não deixavam de figurar como uma pressão latente sobre o status quo oligárquico, que via-se na necessidade de lidar com a “questão social”15.

Por outro lado, já nos anos 1920 não é desprezível a formação de uma burguesia industrial urbana. Sobretudo localizada em São Paulo e no Rio de Janeiro, o setor industrial compunha-se de unidades de pequeno porte voltadas à produção de bens de consumo para os trabalhadores, sendo predominantes os ramos têxteis e de alimentos. Como aponta Boris Fausto, “a indústria se caracteriza, nessa época, pela dependência do setor agrário-exportador, pela insignificância dos ramos básicos, pela baixa capitalização, pelo grau incipiente da concentração”16. Apesar da existência de pontos de tensão entre o setor agrário e o industrial, que organizava-se em associações e começava a pressionar por incentivos à dinamização do setor (sobretudo erigindo medidas protecionistas de restrição às importações), predomina a complementaridade básica entre eles, e a incapacidade dos industriais de apresentar um projeto alternativo de

14 CARVALHO, 2003, p. 107.

15 Nesse sentido, a ressalva de Weffort: “já no processo de abertura da crise da oligarquia, seria necessário

dar atenção ao fato de que a ausência das massas na insurreição não pode ser entendida como indicadora de uma passividade global de seu comportamento. Elas se encontram ausentes da ação, mas presentes para qualquer das duas facções em conflito, como uma pressão permanente sobre o status quo oligárquico. Suas lutas, que se estenderam por todas as primeiras décadas do século, embora não tenham conduzido a claras projeções de transformações políticas, parecem ter sido suficientes para apresentar-se às minorias dominantes como um problema real e, até certo ponto, como uma ameaça”, in WEFFORT, 1989, p. 75.

16 FAUSTO, 2005 (1970), p. 37. Vide pp. 36/69 para sua caracterização e análise do setor industrial do

período. No mesmo sentido, afirma Robert Rowland: “As possibilidades de que se desenvolvesse, no Brasil,

um setor industrial orgânico e relativamente autônomo foram liquidadas (se é que existiram) pela política econômica livre-cambista adotada depois da Independência. A indústria surgiu a partir do último quartel do século XIX no âmbito de uma economia agroexportadora consolidada, a ela complementar e subordinada. A forma de integração do Brasil dentro da economia mundial, como exportador de produtos primários e importador de produtos manufaturados, determinou a interdependência estrutural entre o setor exportador e a indústria. Produzia-se localmente só o que não era importado (...). Como consequência, não se formou um setor industrial orgânico e os industriais não se constituíram em grupo de pressão autônomo e coeso, preferindo solicitar favores, individualmente, dos cafeicultores que detinham o poder político. Por causa da interdependência estrutural entre a indústria e o setor agroexportador as possibilidades de acumulação de capital na indústria dependiam mais da ação do Estado na elevação dos custos da concorrência estrangeira do que da sua intervenção no mercado da força de trabalho. Isto, mais o fato de que, como imigrantes, muitos industriais estavam marginalizados dentro do sistema político, fez com que até pelo menos 1930 eles se comportassem como agregados políticos dos cafeicultores”, in ROWLAND, 1974, pp. 11/12. Para uma

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desenvolvimento do país17, refutando-se a tese dualista, que vê na divergência entre os setores o impulso da Revolução de 193018. Com isso, o setor industrial posicionava-se, ao mesmo tempo, como dependente do setor agrário, mas também como crítico das visões anti-industrialistas, que não raro se manifestavam, inclusive na Constituinte de 1933/34, ansiosas por afirmar a “vocação agrária nacional”.

A existência de um setor industrial nascente tem como decorrência direta a formação de uma classe operária urbana, praticamente o único extrato das camadas populares que se encontra mais ou menos organizado no final da Primeira República. Mas estava longe de ser majoritário – conforme dados do recenseamento de 1920, 13% das ocupações nacionais estava ligada à indústria, com absoluto predomínio dos Estados e cidades maiores, sobretudo São Paulo e Distrito Federal19. Zélia Lopes da Silva20 descreve as condições de vida precárias desses trabalhadores nas cidades, homens, mulheres e crianças, cumprindo longas jornadas de trabalho e recebendo salários diferenciados (indicando a inexistência de critérios claros usados pelos empresários para a fixação de salários e as consequentes desigualdades, na base da reivindicação do movimento sindical por paridade e de salário mínimo) e progressivamente deteriorados. Assim, organizam-se e promovem greves, reivindicando uma legislação social eficaz – “seu ponto alto verificou- se nas greves de 1917-19 em São Paulo e no Rio de Janeiro. Em 1917 houve 45 greves na capital e 29 no interior do Estado de São Paulo”21, contando com a participação, reportada, de mais de 60 mil trabalhadores – que são sistematicamente reprimidas pelos governos. As greves têm como um dos efeitos potencializar a importância da organização do setor dos empregadores em associações de classe, como o já existente Centro Industrial do Brasil (CIB, 1904) e o posterior Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP, 1928). Despertam atenção também para a questão dos imigrantes, que não raro estão no centro dos conflitos, presença que, da mesma forma, é respondida com repressão por parte do governo, que já em 1921 editava a Lei de Expulsão de Estrangeiros. A lei permitia a expulsão sumária de imigrantes envolvidos em agitação social – vale notar que o impulso

17 Em artigo posterior, Fausto aceita parcialmente algumas das críticas à sua posição, admitindo que “os

estudos mais recentes demonstram que a articulação dos empresários, pelo menos a partir da década de 20, no terreno da organização do trabalho no interior das fábricas e na defesa de seus interesses específicos (proteção tarifária, taxa cambial etc) tinha alcance maior do que supunha” (FAUSTO, 1988, p. 11), mas

insiste em diferenciar capacidade de organização e intervenção política da burguesia industrial e capacidade de formular um projeto de hegemonia, elemento que entende que esta não possuía.

18 A referência aqui é Nelson Werneck Sodré, e sua obra Formação histórica do Brasil (1962). 19 Dados e análise em CARVALHO, 2003, p. 100.

20 Para uma descrição detalhada do perfil e da composição da classe operária brasileira, ver SILVA, 1990, pp.

20/43. Vide também CARVALHO, 2003, pp. 107/109.

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de controle da nacionalidade e de expulsão dos estrangeiros “indesejáveis” encontrará eco na Constituição de 1934. Tratando da organização popular, não se pode esquecer, ainda, que em 1922 era fundado o Partido Comunista Brasileiro (PCB) que, na maior parte do tempo na ilegalidade22, organizava-se para participar da disputa política institucional.

A questão da nacionalização da força de trabalho deve ser tratada, também, como um fator em si relevante para a sociedade da época. Conforme aponta Luiz Felipe de Alencastro23, o que acontece por volta de 1930 é a territorialização do mercado de trabalho nacional, que desvincula-se do padrão anterior, amplamente baseado na mão- de-obra imigrante. Com isso quer ressaltar o decrescente fluxo de imigrantes e o crescente fluxo de migrações internas, especialmente direcionadas ao Estado de São Paulo, o que determina a revisão da postura do poder público – o Estado de São Paulo elimina a subvenção oficial à imigração em 1927, por exemplo. A consequência disso é a necessidade de incorporação política e ideológica de uma massa de trabalhadores nacionais, um desafio que se apresentaria ao governo resultante da Revolução de 1930. “Enquanto o mercado de trabalho foi predominantemente alimentado pelo tráfico negreiro e pela imigração – enquanto a economia brasileira comia os trabalhadores crus –, o poder político encontrava-se em face de trabalhadores mantidos em situação de infracidadania. Nessas condições o discurso ideológico resumia-se praticamente ao diálogo entre as classes dirigentes (a burocracia imperial e republicana) e as classes dominantes (as oligarquias regionais). A partir do momento em que a reprodução ampliada da força de trabalho se territorializa – quando a economia passa a comer trabalhadores cozidos –, o discurso ideológico não pode mais evoluir intramuros no estreito espaço do poder. Doravante era preciso uma ‘linha de massa’, uma ideologia que encobrisse o sentido e a orientação do cotidiano, que justificasse as relações complexas unindo dominantes e dominados”24.

O movimento operário e a nova composição do mercado de trabalho, inclusive rural, que deixa de ser constituído por indivíduos mantidos em situação de infracidadania (escravos, e depois imigrantes), não são de forma alguma desprezíveis no cenário social e político da época. A avaliação de sua força política às vésperas de 1930 é ponto de divergência na historiografia, conforme já mencionado, mas as evidências parecem indicar que, apesar de não poderem ser considerados determinante para os eventos

22 O partido só teve funcionamento legal, nessa época, de março a junho de 1922 e de janeiro a agosto de

1927 (CARONE, 1974, p. 352).

23 Cf. ALENCASTRO, 1987a. 24 ALENCASTRO, 1987a, p. 20.

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que se seguiram, tampouco terem atuado como influência direta nos rumos do país com a Revolução, são um elemento importante para a compreensão do processo, sendo inadequado enxergar nas camadas populares apenas passividade. Sem dúvida esse novo cenário está na origem da nova perspectiva que será assumida em relação à questão social após 1930, que havia sido reveladoramente tratada por Washington Luís, Presidente da República entre 1926 e 1930, como “caso de polícia”. A questão social demandava um reposicionamento na agenda política nacional, e o movimento revolucionário buscaria dialogar com essa nova realidade.

Mas há outros elementos-chave para a análise da Revolução de 1930, e do Brasil que se seguiu. Após a Primeira Guerra Mundial, a insatisfação crescente com a condução e com as condições das Forças Armadas Brasileiras, bem como, de forma mais ampla, com o esquema oligárquico de revezamento de poder (que, segundo os tenentes, havia “transformado o país em vinte feudos cujos senhores eram escolhidos pela política dominante”25)levou os oficiais de patentes intermediárias – coronéis e sobretudo os tenentes, que tinham a sua promoção cada vez mais lenta, o que os tornava numerosos – a organizarem-se em um movimento, o tenentismo. Originalmente agrupados em torno de ideias difusas, vinculadas ao nacionalismo e à centralização política, com destaque para o papel dos militares na política e para um embrião de autoritarismo, o tenentismo é responsável por insurreições contra o governo durante os anos 192026 – cite-se a revolta dos Dezoito do Forte de Copacabana, de 5 de julho de 1922 (o primeiro 5 de julho), a revolta de 1924 (o chamado segundo 5 de julho) e a Coluna Prestes, entre 1924 e 1927.

O programa tenentista é bem pouco consistente, no início, articulado em torno de propostas como “a reforma da Constituição, a limitação da autonomia local, a moralização dos costumes políticos e a unificação da justiça e do ensino, assim como do regime eleitoral e do fisco”27. Valem-se da crítica à contradição entre a retórica liberal e as práticas eleitorais das oligarquias regionais, crítica essa que dialogava especialmente com

25 FERREIRA e PINTO, 2006, p. 12.

26 Conforme aponta José Murilo de Carvalho, a peculiaridade da história brasileira explica a possibilidade de

as Forças Armadas comportarem-se como oposição ao governo oligárquico: “Como a independência se fez

sem guerra civil, não surgiram no Brasil os caudilhos militares ligados à grande propriedade da terra. O Exército formou-se em ambiente político de predomínio civil (...). Em 1930, os jovens militares ainda eram uma força de oposição à elite civil. A experiência adquirida desde 1922, os contatos civis da oposição, deu a eles maior visão política, ideias mais claras sobre reformas políticas e, sobretudo, econômicas e sociais. Como em 1889, eram favoráveis a um governo forte que, usando a linguagem positivista, chamavam de ditadura republicana. Esse governo deveria ser usado para centralizar o poder, combater as oligarquias, reformar a sociedade, promover a industrialização, modernizar o país. Apesar de não ser democrático, o tenentismo era uma força renovadora”, in CARVALHO, 2001, p. 96/97.

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as camadas médias urbanas, para defender uma solução elitista, conduzida pelo Exército, que fosse capaz de livrar o país de sua velha política. “O ‘elitismo’ tenentista se revela, desde logo, na estratégia revolucionária: a insurreição desligada das classes populares, incapazes de superar a passividade e promover, por suas próprias mãos, a derrubada das oligarquias. Mas a intervenção da força armada visa também ‘prevenir excessos’”28, quase como em um programa de salvação nacional.

Apelando diretamente às camadas sociais urbanas médias, com suas críticas ao corrompido sistema eleitoral da Primeira República, a causa tenentista contava com sua simpatia, de onde não se pode inferir um vínculo ideológico absolutamente coeso29. “À medida em que, sobretudo nos seus níveis mais baixos [das camadas médias], começava a se manifestar uma consciência crítica, esta assumia formas jurídico- moralistas e opunha à prática política das oligarquias as fórmulas abstratas de uma

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