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2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS PARÂMETROS URBANÍSTICOS DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

2.2 O I DEÁRIO R EFORMISTA DOS A NOS 1920

Nos anos 1920, a economia brasileira não era exclusivamente baseada na cafeicultura. O setor industrial já tinha relevância, com destaque para a indústria têxtil.

Ao longo dessa década, o país viveu momentos de instabilidade alternados com momentos de estabilidade econômica, consequentes da oscilação da atividade exportadora do café no mercado mundial, produto que, ora era valorizado, ora não era.

Este tempo também foi marcado por crises políticas no plano de disputas intraoligárquicas pela participação no poder da República, entre a aliança São Paulo-Minas Gerais e as demais federações. O movimento tenentista, não organizador do povo, foi a principal expressão de descontentamento com a “Política do Café com Leite”, que deu início a uma tendência por reformas autoritárias. Por outro lado, as associações de trabalhadores, que estavam em crescente organização desde o início do século, passaram a sofrer duras repressões.

Já no fim dos anos 1920, ideias reformistas representadas pelos partidos democráticos ganharam destaque, apoiados pelas classes médias urbanas, que sempre mantiveram sua atuação “no sentido de compor com as classes dominantes”,8 nunca revolucionárias. Essa nova classe média, constituída por profissionais liberais que surgiram pelas demandas da recente vida urbana, era tipicamente associada em torno de suas classes, e residia em sua maioria nos inovadores bairros de Copacabana e Ipanema. Os médicos, jornalistas, engenheiros, advogados e outros, organizados, representavam o crescimento do saber técnico-científico. Em contraponto, os subúrbios cresciam como residência do operariado, em ocupação potencializada pelo desenvolvimento das linhas de trem e pelo aumento do número de estações, no fim do século anterior.

No plano cultural, a Semana de Arte Moderna de 1922 marcou a construção da ideia de modernidade brasileira. O significado de ser moderno era ser civilizado, cosmopolita. A cidade passou a ser relacionada à modernidade, novo polo de ideias.

8PINHEIRO, In FAUSTO (Org.), 1990, p.36, apud STUCKENBRUCK, 1996, p.45.

No contexto da comemoração dos 100 anos de Independência, intervenções relevantes aconteceram na cidade do Rio de Janeiro para a montagem de pavilhões que expressassem a brasilidade, um país que se encontrou, e também de outros países que viessem fazer suas exposições. Dentre essas obras estava o desmonte do Morro do Castelo.9 Mas essa intervenção veio reforçada por um discurso higienista respaldado pela ciência, alimentado pela ideia de um homem capaz de dominar a natureza e intervir na paisagem e em intenções de liberar solo disponível para a expansão do capital, em crescente materialização no espaço urbano. Segundo Stuckenbruck (1996, p.87), “por que não abrir no lugar do morro avenidas, ruas, praças, expandindo o Centro da Cidade e criando novos espaços para a reprodução do capital, principalmente imobiliário?”. As questões geradas em torno das obras do Morro do Castelo trouxeram novamente os temas da urbanização e embelezamento da cidade, que estavam em silêncio desde Pereira Passos.

Nesse mesmo período, a cidade do Rio se complexificou em sua estrutura econômica. A industrialização cresceu, atrelada ao capital comercial, rumo aos subúrbios, enquanto o Centro da Cidade já havia se tornado local de negócios, sede do poder administrativo e local de atividade portuária. O vertiginoso crescimento populacional era um dos fatores que mais assombrava a administração da cidade.

O poder político tinha como desafio controlar uma cidade em crescente complexificação e estratificação, pela expansão de sua malha urbana, crescimento de sua população e surgimento de novas classes sociais.

A gestão do prefeito Alaor Prata (1922-1926) não foi expressiva quanto a intervenções urbanas, chegando a paralisar muitas obras, mas foi relevante na área da administração pública. Várias comissões foram criadas para tratar de situações críticas, como transporte, carta cadastral, e outras relativas ao Código de Obras, o qual foi elaborado pela primeira vez em 1925, e alguns pontos destacados na Tabela

9A gestão de Carlos de Sampaio, de 1920 a 1922, “representa a época em que as preocupações com o valor de troca do solo urbano passam a figurar explicitamente nos planos municipais” (ABREU, 1988, p.78, apud STUCKENBRUCK, 1996, p. 64). O prefeito defendia a retirada do morro desde o fim do século anterior, chegando a criar a Cia. do Arrasamento do Morro do Castelo.

04 a seguir. Assim, foi considerada uma administração relevante no plano da legislação urbanística.

Tabela 04: Conteúdo voltado à instituição de parâmetros – Código de Obras de 1925

N. LEGISLAÇÃO CONTEÚDO

25 Decreto Criou o regulamento para construções, reconstruções, modificações e acréscimos no Distrito Federal;

Dividiu a cidade em quatro zonas: central, urbana, suburbana e rural;

Estabeleceu, na Zona Central, a altura máxima para edificações no alinhamento de duas vezes a largura da via. No restante da cidade o limite continuava sendo de 1,5 vez a largura da via;

Fixou altura mínima de pé-direito em 3,00 m.

Fonte: Autor, com base em BORGES, 2007, ANEXO D, p. 208.

Essa nova legislação acompanhava a evolução dos sistemas construtivos à época, o inédito concreto armado. A união do novo potencial construtivo oferecido pelo concreto armado e a demanda por um centro de negócios mais desenvolvido resultou na densificação e verticalização do Centro do Rio. A nova altura mínima do pé-direito tornou possível a construção de prédios com mais de 20 andares, de acordo com a largura da via.

Destaca-se na literatura a fundamental importância desse período para a formação dos urbanistas enquanto classe.

O prefeito seguinte do Distrito Federal, Antônio Prado Junior (1926-1930), que seria o responsável pelo grande plano de remodelação, era de uma família paulista que pouco conhecia o Rio de Janeiro, possuindo apenas o conhecimento das demandas da cidade em torno da remodelação da cidade através do que era constantemente veiculado pela imprensa. Na época, muito se lamentava a falta de um plano completo para a capital em expansão, como nota-se nas palavras do engenheiro Armando de Araújo Godoy:

“Para conseguir tão elevado desideratum cumpre fazer vir um urbanista de nome, com luzes indispensáveis e independência necessária para

traçar e conceber um plano completo de remodelação, compreendendo todas as faces do nosso problema urbano” (GODOY, 1943, p.39, apud STUCKENBRUCK, 1996, p. 63)

A infraestrutura da cidade era decrépita, dada a expansão e densificação da área urbana sem adequação às novas demandas populacionais. Havia amplo consenso em torno da ideia de reforma geral no Rio de Janeiro, sendo atribuído ao profissional urbanista a capacidade de solucionar, por meio do planejamento, os problemas da cidade “que passa a ser vista como um fator de progresso, não mais como um mal em si mesmo (...)” (STUCKENBRUCK, 1996, p.72). Nesse contexto, passa a fazer parte da nossa realidade Alfred Humbert-Donat Agache (1875-1959).

Agache foi um arquiteto francês diplomado pela École des Beaux-Arts de Paris em 1905. Foi fundador da Sociedade Francesa de Urbanistas, tendo sido secretário-geral até o período entreguerras. Alguns até lhe atribuem a criação do vocábulo urbanismo.10

Naquela época, o saber técnico com que engenheiros e arquitetos contavam gerava respaldo das elites urbanas e reforçavam a atuação desses profissionais junto ao poder público. As duas categorias, mesmo que considerando discursos diferentes, se debruçavam sobre o debate acerca da intervenção na cidade. Percebe-se nas falas trazida por historiadores que o discurso dos engenheiros era permeado por um conteúdo social, em aproximação com o termo urbanismo. Por outro lado, os arquitetos estavam mais preocupados com os temas da preservação do patrimônio nacional e a exaltação da beleza arquitetônica.

Era consenso que o “caos” e a “desordem” estavam instalados, gerando, em consequência, o que se chama de uma cidade desfigurada, seja nos subúrbios, favelas ou no centro. Deve-se destacar aqui que, desde a segunda metade da década de 1920, os moradores dos subúrbios se organizavam em associações a fim de promover suas reivindicações, e a favelização se tornava um assunto cada vez mais falado na cidade. De acordo com Michael L. Conniff, autor de Política Urbana no Brasil - a Ascensão do Populismo - 1925-1945, a população favelada cresceu de 1920 a 1933 em 500%. Uma intensa campanha era feita contra as favelas, discurso sendo

10Disponível em: http://planourbano.rio.rj.gov.br/. Acesso em: 13/06/2018.

incorporado inclusive por Agache, que, apesar de apresentar justificativas higienistas de salubridade, mantinha grande preocupação com os bairros ao pé dos morros, considerados como penalizados pela presença dos moradores e da estética indesejável.

Após sua chegada, em junho de 1927, Agache promoveu conferências sobre o urbanismo, com ênfase nos problemas da cidade do Rio de Janeiro, o que ajudou a consolidar a instituição da disciplina no Brasil. A imprensa veiculava cada um de seus movimentos e também cedia lugar para as vozes dos subúrbios, que reivindicavam que as intervenções urbanísticas não deveriam se realizar apenas no sentido do embelezamento da cidade, mas de prover infraestrutura para os bairros suburbanos e habitação para o proletariado. Ao serem divulgados os primeiros resultados do plano, veio à tona a acusação de que Agache e seu escritório teriam plagiado um projeto anterior. De fato, foram consultados e analisados cinco projetos, anteriores ao estudo do Plano Agache. Os arquitetos Cortez & Bruhns fizeram um projeto em 192111 para a ponta do Calabouço, região resultada do desmonte do morro do Castelo, e propuseram uma remodelação do saco da Glória que muito se assemelha à proposta de Agache para a Porta do Brasil. Esta similaridade é apresentada na Figura 03 a seguir:

Fonte: Autor, usando as imagens de: Agache, 1930, p. 162 e Revista da Semana, 1928, ed. 49, p. 21

11Revista da Semana, 1921, 16 ed., p. 23.

Figura 03: Planta do projeto de Agache para o Saco da Glória e Ponta do Calabouço. Abaixo, proposta da mesma intervenção por Cortez & Bruhns.

O mal-estar gerado por tal acusação provocou, segundo Stuckenbruck (1996), tensões entre os técnicos que pensavam a cidade, muitos defensores de que o Brasil tinha capacidade técnica de realizar o plano sem assistência estrangeira, e abalou a relação entre Agache e a Prefeitura. Ao longo de 1929, o urbanista pouco dava satisfações sobre o andamento do Plano, que só era atualizado aos brasileiros por meio das publicações realizadas pelas revistas francesas.

Após sucessivas descontinuidades na administração pública, característica típica do sistema político brasileiro, era reivindicado um plano que fosse capaz de manter sua validade ao longo do tempo. Os primeiros resultados apresentados por Agache deixavam a desejar, chegando ao ponto de seu projeto ser altamente condenado no IV Congresso Internacional de Arquitetura, em 1930, qualificado por vários arquitetos por “ter adotado soluções simplistas e ‘cenográficas’ para os sérios problemas da cidade”.12

Após todos esses processos, o projeto foi entregue no final de 1930, e seu conteúdo será examinado a seguir.