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A escassez de religiosos não demorou a refletir na administração da ordem. Mediante a carência de monges para cuidar dos bens localizados nas áreas “rústicas”, o então Capítulo Geral da Congregação Beneditina 23 BETTENCOURT, Estevão, Dom. A reestruturação dos Mosteiros Beneditinos do Brasil em fins do

século XIX. In: ALMEIDA, Emanuel (Org.). Coletânea Tomo II: 400 anos Mosteiro de São Bento Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. [S.l.]: “Lúmen Christi”, 1991. p. 9-10.

24 LUNA, Joaquim G. de, Dom. Os monges beneditinos no Brasil: esbôço histórico. Rio de Janeiro: Lu-

do Brasil optou por vendê-las. A justificativa também estava embasada pelo alto custo da manutenção das fazendas e as muitas ameaças de inva- sões, feitas por produtores leigos, além da infidelidade dos procuradores das abadias. Com essa disposição, o intento dos capitulares era reduzir as

“rendas incertas e falíveis a um produto certo ou ao menos aproximado”:25

Considerando o Capitulo Geral como vantajoso ao bem espiritual e tem- poral do Mosteiro, a venda de algumas terras, e fazendas, convertendo o seu produto em Patrimônio mais sólido na Cidade, que, tornando-se de mais fácil Administração não só nos poupe os poucos monges que temos, como nos livre de uma infinidade de pleitos, que é preciso sustentar para rechaçar as contínuas invasões dos ambiciosos. Manda principiando pe- las mais remotas ao N. R.mo P. M. G. que obtida a licença da Assembleia

Provincial [...], ponha a venda o mais breve que lhe for possível todas as terras e Fazendas [...] Manda porém em virtude de Santa obediência que este dinheiro seja imediatamente recolhido ao cofre donde não o poderá tirar algum Prelado a não ser para pagamento de dívidas, ou melhoramen- to do Patrimônio em casas na Cidade.26

Uma análise pautada apenas nas Atas Capitulares permitiria afirmar que a falta de monges contribuiu para a diminuição da produção das fa- zendas beneditinas. Assim, a “troca” de parte desse patrimônio para a aquisição de prédios urbanos pareceria mais lucrativa, já que os custos se- riam menores e o retorno garantido. Entretanto, cartas apresentadas por Ramiz Galvão permitem considerar que as disposições administrativas dessa Congregação, principalmente a partir de 1830, eram contrárias às determinações do governo Imperial. As ações governamentais do século XIX, consideradas pelos religiosos como “meticulosas”, não objetivaram apenas o controle das organizações, mas a apropriação dos seus bens. Em 1833 o Governo pediu, por meio de um aviso, que as ordens religiosas in- teirassem o conselho imperial da sua atual situação. O abade do Mosteiro do Rio de Janeiro, frei José Polycarpo e Santa Gertrudes, respondeu ao conselheiro Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho, em 23 de setembro do mesmo ano. Nesse período a comunidade beneditina da Corte imperial possuía a maior produtividade da Ordem no Brasil, superior à da abadia de Salvador. Para a decepção de todos, em 8 de agosto de 1834, o Ministro da Justiça apresentou uma nova proposta à assembléia, dessa vez, su- gerindo a transferência imediata dos bens monásticos em benefício da nação. Mediante a essa determinação, caberia ao Governo

[...] dar a cada religioso uma pensão anual e dois escravos para serviço: prometia breve de perpétua secularização aos que o quisessem, asilo aos

25 AMSB/RJ. códice 1143, fl 4. 26 AMSB/RJ. códice 1143, fl. 33v.

religiosos valetudinários e mentecaptos, emprego em benefícios ou cadei- ra de ensino público aos secularizados idôneos. [...] Ficavam para a manu- tenção do culto divino os vasos, utensílios e mais preparatórios que havia nas igrejas; [...] Quanto aos conventos, que em virtude desta lei revertiam aos domínios da nação, seriam aplicados pelo governo a objetos de utilida- de pública, segundo julgasse mais conveniente.27

A pesquisadora Maria Rachel Fróes da Fonseca dos Santos, em sua dis- sertação, considerou que a alienação dos bens das ordens religiosas ape- nas aconteceria a partir de uma situação própria da instituição, como a necessidade de liquidar dívidas, de se desfazer de prédios devido ao seu mau estado de conservação e ainda, para ajudar outros (homens ou de- mais instituições) que a necessitem. No caso da Congregação Beneditina Brasileira, uma ordem regular, deveria ter a permissão do abade do mos- teiro e do Capítulo Geral, pois “os bens da Igreja, tanto do clero secular quanto do regular, constituem realmente uma verdadeira propriedade,

não sendo, então, de domínio da comunidade.”28 Quanto à doação de es-

cravos para os religiosos vale mencionar que essa prática integrou-se ao cotidiano dos monges beneditinos desde a chegada da Ordem no Brasil, tendo sido utilizados índios e africanos. Entretanto, até o final do século XVIII, os poucos registros que tratam do assunto indicam que os escravos atuavam mais nas fazendas e na horta (área que cercava o edifício e tam- bém servia para o plantio) do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro do

que na capela-mor e nos claustros.29

D. Mateus Ramalho Rocha, em sua obra já apresentada, O Mosteiro de

São Bento do Rio de Janeiro 1590/1990, fez uma análise mais detalhada

dos escravos da Ordem. Utilizando-se dos Estados e do Livro do Tombo, constituído de diversas escrituras, inventários e várias notas de compra e venda, o autor intentou uma breve quantificação.

27 GALVÃO, Benjamim F. R. Aponctamentos históricos sobre a Ordem Benedictina em Geral e em parti-

cular sobre o Mosteiro de N. S. do Monserrate da Ordem do Patriarcha S. Bento d’esta cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Typ. de G. Leuzinger & Filhos, 1879. p. 95.

28 SANTOS, Maria Rachel Fróes da Fonseca. Contestação e defesa: a Congregação Beneditina Brasileira

no Rio de Janeiro (1830-1870). Dissertação (Mestrado)–Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1986. p. 94.

29 A documentação mencionada, localizada no AMSB/RJ, refere-se a: Estados 1 e 2; códice 1161.

Dietário do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, 1589-1792; MACEDO, Dioclécio Leite de (Org.). Segundo Livro do Tombo, 1688-1793. Rio de Janeiro: Mosteiro de São Bento, 1981; códice 1148. Livro das Atas do Conselho do Mosteiro do Rio de Janeiro, 1700-1835.

Tabela 1 – Escravos adquiridos pela Ordem de São Bento do Rio de Janeiro (1623-1870)

Ano Número de escravos

1623 200 1652 250 1657 300 1666 321 1763 487 1787 901 1800 1.176 1830 1.097 1832 1.217 1870 918

Fonte: ROCHA, Mateus Ramalho. O Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro 1590/1990. Rio de Janeiro: Studio HMF, 1991. p. 83.

O crescente aumento do número de escravos, apresentado por Ramalho, permitiu construir a hipótese de que essa mão de obra passou a ser inserida na administração do universo monástico beneditino no Rio de Janeiro, sendo uti- lizada para suprir a carência de noviços em certas atividades. No entanto, a fal- ta de uma descrição referente à distribuição desses escravos nas propriedades não a sustenta. Entre os anos de 1763 e 1787, quando foi instituído o aviso de proibição de ingresso de noviços nos conventos brasileiros e, dois anos antes da criação da Junta do Exame do Estado Atual e Melhoramento Temporal das Ordens Regulares, houve um aumento de aproximadamente 50% no número de escravos. Já nos últimos anos, de 1862 a 1870, houve uma queda de 24% na mão de obra, correspondendo a uma época na qual a maioria das fazendas já se encontrava desativada, assunto que será tratado mais adiante,

O Livro de Provimentos possibilitou saber o número de escravos empre- gados por ano em cada propriedade monástica, por sexo e idade. O resultado da análise desse documento apontou dados distintos dos apresentados por Rocha. Primeiramente, o aumento do número de escravos mostra-se significa- tivo apenas no período que antecede a instituição da Congregação Beneditina Brasileira: comparado a 1819, o ano de 1822 apresentou um aumento de 250% da mão de obra, fato que não se repetiu posteriormente, pois em média, até 1832, as novas aquisições não passaram de 5% por triênio. A fase que determi- na uma diminuição dos cativos iniciou-se em 1835, não havendo queda maior do que 10% do total. Nesse período, havia 532 escravos, aproximadamente 10% a menos do que no triênio anterior, 1832, quando os religiosos contaram com 588 “peças de serviço”. Esses acontecimentos podem estar relacionados à concessão gradativa de alforrias. (Tabela 2)

O acréscimo de escravos desencadeou medidas que interferiram na admi- nistração do espaço e das propriedades beneditinas. Estas passaram a ser no- tadas ao longo das reuniões capitulares, cuja preocupação com os cativos que serviam à religião mostraram-se constantes. Os religiosos atentaram para os

procedimentos de como lidar com a mão de obra cativa, sendo muitas vezes recomendado que fosse oferecida aos escravos instrução primária, religião e até assistência médica. Assim, os monges acreditavam que neutralizavam as agitações ou organizações que caracterizavam os escravos considerados in- corrigíveis. Apesar da Ordem sempre ter possuído escravos, a urgência para com os procedimentos disciplinares dessa mão de obra foi maior nos Capítulos instituídos a partir de 1829. Naquele período, os mosteiros brasileiros já se constituíam como uma Congregação, adquirindo uma liberdade para resolver as suas próprias questões. Quanto a isso, havia a necessidade de suprir as ca- rências existentes em algumas funções que garantiriam a manutenção do con- vento e também das suas propriedades.