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JOSÉ DENIZARD MACEDO DE ALCÂNTARA — Nasceu na Cidade do Crato — Ceará. Doutor em Ciências Econômcas.
Membro do Instituto Histórico do Ceará e da Academia Cea
rense de Letras. Professor do Magistério do Exército e da Universidade Federal do Ceará. Autor de inúmeras monogra
fias e estudos sobre História, Geografia, Economia, Educação, Filosofia etc. É, atualmente, Secretário de Cultura, Desporto e Promoção Social do Estado do Ceará.
JOSÉ DENIZARD MACEDO DE ALCÂNTARA Avenida Heráclito Graça, 750 — Fone: 231-5665 FORTALEZA - CEARA - 60000
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No dia 2 de dezembro de 1825, nasceu, no Paço de São / Cristóvão, no Rio de Janeiro, o Imperador Pedro II, quando o pai, D. Pedro I, havia dominado com mão de ferro a crise de agitação política decorrente da dissolução da Assembléia Cons
tituinte, reprimira o prurido separatista da Confederação do Equador — herança da descentralização colonial que amea
çava a unidade brasileira — e, impondo pela outorga a Carta Constitucional de 25 de Março, encaminhava o país na senda da normalidade política e institucional.
Filho do Bragança heróico e decidido, que nos propor
cionara a independência, e da boníssima e culta imperatriz Dona Leopoldina, Arquiduqueza d’ Áustria, nele haveriam de / predominar os traços físicos e morais da família materna, dos Habsburgos e Lorenas, ao invés do sangue quente dos Braganças e Bourbons da linhagem paterna. O amor à cul
tura, o temperamento plácido e discreto, o prognatismo acen
tuado, a fisionomia patriarcal, as barbas venerandas, tudo revela a ascendência plasmada às margens do Danúbio.
Não pretendo balancear os altos e baixos da personalidade gigantesca, pois muitos já o fizeram com mais autoridade.
Limito-me a evocar as facetas que sempre me impressionaram vivamente na vida do grande soberano e excelso brasileiro.
Caçula da dinastia imperial, tendo a precedê-lo as irmãs Maria da Glória, que seria Rainha de Portugal no esbulho que o pai fez ao mano Miguel, Januária, Francisca e Paula Ma- riana, a última não conseguiu desabrochar morrendo adoles
cente, quando o Imperador Pedro I parte para o exílio em conseqüência da abdicação e do movimento de 7 de abril, ocupará, então, uma posição singular na constelação familiar e nos quadros da vida pública brasileira.
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Tornara-se Imperador com pouco mais de quatro anos de idade, passando a receber aquela educação verdadeiramente sobre-humana que Gide e Ristz apontavam na vida de Stuart Mill, o fisósofo e economista inglês do século passado. Horários rígidos, numerosos preceptores, tutores austeros como José Bonifácio e o Marquês de Itanhaém, o silêncio sombrio dos corredores do Paço, a prestação anual do rendimento de apren
dizagem ao Parlamento do Império, tudo cercava o infante amizade pessoal que o vinculou profundamente a Luiz Pereira do Couto Ferraz, futuro Visconde do Bom Retiro, a quem fez renunciar a carreira política para não perder a amizade au
gusta, evitando assim falatórios de possíveis favoritismos.
l/j órfão de pai e mãe, a partir dos cinco anos nunca rece
beu outro tratramento que não fosse o solene e sonante Vossa Majestade Imperial, dos tutores, dos Ministros, dos criados da Paço, das irmãs, de todos que se aproximavam da criança, fossem embaixadores das maiores potências ou humilde es
cravo da Casa Imperial. É de notar-se a profunda influência dessa aura de respeito e veneração no plasmar de sua perso
nalidade e do seu caráter.
Atravessava o país o período demagógico e atribulado da Regência, espécie de república antecipada pela natureza ele
tiva do poder supremo. Como observou Gustavo Barroso, quan
to mais as perturbações e agitações varriam o país de norte encarnação dos anseios nacionais inquietados pela política-54
gem da época. De órfão da dinastia tomava-se assim o órfão anos para governar o Brasil, assumindo as funções supremas.
Pode parecer absurdo, mas a Maioridade foi uma jogada das posições, argutamente os grupos liberais passaram a pre
gar a maioridade antecipada, do agrado geral, para dar assim o tombo nos adversários. Exemplo frisante de manobra polí
tica que tornava monarquistas exaltados republicanos de on
tem: é o caso de remanescentes de 1817, como Alencar, e, de 1824, como Manoel Carvalho Pais de Andrade, o ex-presidente da esmagada Confederação do Equador. O último, ao pene
trar na casa do primeiro para a reunião dos conspiradores maioristas, foi logo declarando: “ Já participei de conspira
ções para botar reis abaixo; esta é a primeira que entro para botar um rei no trono” .
Esperavam os liberais que, vitorioso o movimento, o jo
vem imperador iria chamá-los para constituir o Ministério.
Não contavam, porém, com a sagacidade do menino imperial que, de fato, convocou-os ao governo para afastá-los seis meses após, ao sentir que pretendiam tutelar o imperante como se ainda fosse criança. Retomam o poder os conservadores e o desespero liberal desencandeará movimentos revolucionários em Minas e São Paulo, a frustada tentativa da sublevação
outros cabecilhas cearenses, pernambucanos e até maranhen
ses, os primeiros dominados pela energia do Barão de Caxias, restauradas a paz e a ordem. Último eco dessas agitações re- genciais e do início do Segundo Império seria a revolta Praieira de 1848, no Recife. Os tempos tinham mudado, não havia mais lugar para badernas, começavam os quarenta anos de paz
liar, a sobriedade social, a lhaneza do trato iriam constituir um espelho para o povo brasileiro. Como disse o historiador fran
cês Pierre Gaxotte de Luiz XIV em relação à França, o Brasil durante quase cinqüenta anos revê-se em Pedro II, “ porque é razoável, moderado, exato, metódico, senhor de si, e porque os seus sentimentos são nobres, a sua vida gloriosa e bem distribuída”. A influência imperial chegava aos pormenores de mínima importância: olhem as velhas fotografias do sé
culo passado onde os nossos avós procuram imitar as barbas imperiais.
Marcava-lhe o sentimento arraigado amor à dignidade nacional, imensa brasilidade que por vezes poderia parecer a mais alta expressão de orgulho pátrio, incapaz de transigir com a sua habitual tolerância no que tocasse aos brios brasi
leiros. Seu comportamento na questão Christie, rompendo relações com a toda poderosa Grã-Bretanha, e, na guerra no Paraguai, cujo ditador Lopez havia invadido brutalmente as províncias brasileiras de Mato Grosso e Rio Grande do Sul, e digno para os sentimentos nacionais, altamente conspur
cados pelo ditador paraguaio.
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Pois bem, foi a guerra do Paraguai que o ievou a uma atitude extrema e única. Estranhamente cônscio da preemi- nência do poder civil, avesso que era aos caudilhismos sula- mericanos, usando raramente o seu uniforme de marechal ou de almirante, preferia sempre que possível a sobre-casaca pre
ta, o que não deixaria de chocar os arquiduques parentes na Uruguaiana: singelo uniforme de Coronel de Voluntários da Pátria, o quepe de oficial-general, seguido por dois chefes de Estado, o Presidente argentino Mitre e o uruguaio Flores, galo
pando tranqüilamente a 300 passos das linhas inimigas, à espera que o comando paraguaio aceitasse a rendição ou so
fresse o impacto de 27.000 homens, que, sôfregos, aguardavam impacientes que os clarins e as cornetas dessem o toque de mais possibilitada pela memória prodigiosa herdada dos ante
passados, levaram o soberano ao encanecimento total, quando ainda não tinha 50 anos, e a um processo diabético avassa-
três impactos: a questão religiosa, a questão militar e a ques
tão servil (a Abolição). Com efeito, são três fatores ponde
ráveis, mas é necessário juntar-se o feitio do caráter que a educação moldara no Imperador: tornara-se um liberal do seu tempo, o amigo de Renan e de Victor Hugo. E o liberal sofre congenitamente da impossibilidade de resistir, é impo
tente para lutar quando dele a salvação nacional pede me
didas de força pelo clássico temor de passar por reacionário ou apodado de violento, ditatorial e despótico.
A educação liberal que os mestres e estadistas com que convivera haviam inoculado no espírito imperial, explicam certas tolices atribuídas a Pedro II, reveladoras de um homem que não emprestava muita fé e confiança na instituição mo Não é que lhe faltasse o sentimento de dignidade do cargo que ocupava. Prova disto é o enfado diante de quaisquer ten
tativas de familiaridade ou de intimidade presunçosa. Conta
va-me Renato Braga o depoimento de um ancião que o co
nhecera: quando as pessoas se aproximavam em demasia ou procuravam tocá-lo recuava um pouco. Entretanto, era homem simples, dando audiências populares uma vez por semana.
Alguém o viu certa vez recebendo dezenas de lavadeiras do Rio de Janeiro que iam reclamar da Coroa uma resolução da Câmara Municipal considerada prejudicial a lavagem de rou
pa nos córregos que cortavam a capital do Império, com as
caminhos do reino”, responde pelo seu povo diante de Deus e da História. Luiz XIV, no seu “Manual do perfeito soberano” , que escreveu para a educação dos filhos, procurava fazer-lhes sentir a majestade de sua condição, a fim de que cumprissem
“ os seus deveres com serenidade e amor” . Faltava a Pedro II a estima, o apego à majestade de sua condição imperial, in
dispensável elemento psicológico na defesa da instituição m o
nárquica.
Foi Fenelon quem procurou nos tempos modernos alterar o cadinho em que se forjavam as educações principescas. uma condição tão perigosa... é uma servidão que acabrunha” . Entenda-se, agora, porque Luiz XVI, o infeliz guilhotinado de 1793, ao receber a notícia da morte do avô e sua ascenção ao trono, exclama: “ Que fardo!” e, ao ser coroado, afirma:
“ Incomoda-me!” . A educação de Fenelon criava reis a quem repugnava o uso da autoridade, condenados à guilhotina ou ao exílio, impotentes espiritualmente diante uma conturbação com profundidade ideológica, prontos a fazer a desgraça de
giosa, guiava-o seqüela de outros tantos princípios liberais, o regalismo pombalino e josefista, que o liberalismo herdou do despotismo esclarecido. Na questão militar, não empunhou as decisões necessárias e inteligentes; certamente que muito se cuidou do Exército após a guerra do Paraguai, ao contrá
rio do que se diz, mas não se cuidou daquelas medidas que 59
poderiam ter reforçado a lealdade e a fidelidade das forças armadas ao Império. Mais acuidade, o soberano revela na maneira como conduziu a questão servil: era o abolicionista número 1 do país, logo que se tornou Imperador concedeu alforria aos quarenta e poucos escravos que herdara; foi quem instigou os projetos abolicionistas aos ministros. Mas teve sem
pre o bom senso de aceitar que a Abolição deveria ser feita gradualmente como vinha sendo conduzida e daí a reação ao receber a notícia de que a filha Isabel, regendo o Império na sua ausência, decidira a abolição total, não entrevendo as gra
ves conseqüências econômicas e políticas do seu idealismo: “ se lá estivesse, as coisas teriam passado de maneira diferente” .
tar dinheiro consigo, tornara-o pouco sensível aos reclamos da vida econômica e de sua significação política, o que aliás era comum aos estadistas do tempo: daí a pouca sensibilidade com que tratou Mauá na gigantesca antecipação que o ínclito gaúcho promovia do nosso desenvolvimento econômico e da sua expansão imperial pelo inundo afora.
Imune ao espírito de luta pela sua causa política, recu
mais o tio Miguel, que seguido o impulso hereditário de ou
tras fontes, e isto teria gerado rumos diferentes à história polí
tica do Brasil. Sua austeridade e honestidade inabaláveis po
diam gerar respeito, a seriedade dos seus atos inspirava ad
miração, os complexos moralistas de pequeno burguês pode
riam modelar uma sociedade sisuda, mas nunca criariam as dedicações entusiásticas e espontâneas que as horas de luta exigem e que são indispensáveis ao líder, ao caudilho, sobre
tudo nos momentos decisivos e graves.
A ausência de uma consciência monárquica em Pedro II explica porque o monarquismo brasileiro na República foi sempre tecido de um sentimentalismo pessoal de afeto e ami
zade ao Imperador, nunca, porém, da convicção racionalmen
te estabelecida da superioridade e da grandeza da monarquia, posição que poucos tiveram no Império, talvez um Cairu, um Braz Florentino, um Thomaz Pompeu, aquela crença maur- rasiana na instituição e não na dinastia que fez a muito de nós no mundo atual monarquistas sem rei.
Mesmo assim, não tenho dúvida em afirmar, com Hélio Viana, com todos os defeitos balanceados, ainda foi Pedro II a maior figura da nossa história, o maior dos brasileiros.
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