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DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS NA ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

3 O EDUCANDO JOVEM E ADULTO CONSIDERADO A PARTIR DE

3.3 DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS NA ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

A Alfabetização de jovens e adultos possui caracteres diversos que envolvem interesses de ordem pessoal, política, social e econômica de um país, exigindo, portanto, maiores e melhores investimentos. Em relação à questão de ordem pessoal, lembramos de mulheres e homens, jovens e adultos num sentimento concreto de sua desvalorização na sociedade, sendo colocados à margem do mundo letrado. Sobre essa questão Kalman (2000, In UNESCO-CEAAL-CREFAL-INEA, p.71)ressalta que,

Apesar de ter existido grandes “investimentos” em várias épocas em toda a América Latina com o objetivo de alimentar as ofertas educacionais para crianças e jovens em idade escolar adequada, existe ainda um número relevante de pessoas que nunca entraram na escola e os que entraram abandonaram antes de finalizar a educação obrigatória. Uma das conseqüências dessa realidade é o número altíssimo de jovens com mais de 15 anos, que não sabem ler nem escrever.

Essa realidade demonstra um grande número de pessoas jovens e adultas, necessitando de maior atenção e interesse por parte de todos os envolvidos diretamente ou indiretamente na educação dessa modalidade de ensino, a União, os Estados, Municípios, as escolas (como um todo), os(as) educadores(as). Pois, como assinala Kalman (In UNESCO-CEAAL-CREFAL- INEA, 2000, p. 72) na V Conferência Internacional de Educação de Adultos – V CONFINTEIA - “os modelos tradicionais de alfabetização e educação de adultos [...] são ultrapassados e ineficazes, para atender à demanda educacional da população adulta. E, que [...] se estabeleça novas estratégias que re-valorizem a EJA”.

A V CONFINTEIA dedicou-se especialmente a analisar a alfabetização enquanto fenômeno social e individual. Destacando-se também nesse processo o exame das práticas existentes, das fundamentações teóricas e dos novos rumos que se desejam e precisam tomar em relação à situação da EJA.

Assim, é relevante desenvolver serviços educativos de qualidade para atenderem jovens e adultos que por motivos sociais, culturais e econômicos, foram obrigados a abandonar a escola antes do tempo ou nem sequer tiveram a oportunidade de ingressar nela. Entrar no século XXI com esta realidade, como diz Rivero (1989) citado por Kalman (op.cit. 2000, p. 72-73) “representa uma violação ao princípio de igualdade entre os seres humanos e ao direito fundamental da educação, reconhecido como condição para o cumprimento de outros direitos”.

Por isso, é urgente desenvolver uma prática alfabetizadora inteligente, que possibilite despertar e ampliar no educando sua capacidade atuante contribuindo com sua formação de sujeito consciente e sensível, transformador de sua realidade. Como diz Freire (1980, p. 41) “[...] procurávamos uma metodologia que fosse um instrumento do educando, e não somente do educador, e que identificasse [...] o conteúdo da aprendizagem com o processo mesmo de aprender”. Pois não é fácil lidar com jovens e adultos no espaço escolar, a professora Raquel de Queiroz diz

Driblar o analfabetismo não é nada fácil, é preciso ter muito amor, muita força de

vontade e criatividade. Então, como podemos atender as necessidades dos alunos,

ao alfabetizar. Primeiro teremos que trabalhar com a realidade do aluno, e dá a ele oportunidade de mostrar suas idéias e opiniões próprias e experiências no seu

Este depoimento traz consigo uma grande reflexão, destacando categorias como: amor, força de vontade, criatividade que determinam uma relação de muito comprometimento entre o(a) educador(a) e o educando da alfabetização de jovens e adultos, considerando, sobretudo, uma prática pedagógica que respeite as expressões, idéias, sentimentos e visão de mundo do educando. É sem dúvida uma prática desafiadora.

O reconhecimento do(a) educador(a) em perceber que, trabalhar com jovens e adultos no momento atual, integrando a linguagem formal da escola com suas práticas sociais, é um grande desafio, é, em parte, a confirmação da conscientização de sua prática. Sobre esta questão Freire (1992, p. 79) assinala que,

[...] quem procura curso de alfabetização de adultos quer aprender a escrever e a ler sentenças, frases, palavras, quer alfabetizar-se. A leitura e a escrita das palavras, contudo, passa pela leitura de mundo. Ler o mundo é um ato anterior à leitura da palavra. O ensino da leitura e da escrita da palavra a que falte o exercício crítico da leitura e da releitura do mundo é, científica, política e pedagogicamente, capenga.

A partir desta reflexão podemos dizer que, este tipo de ação educativa valoriza a leitura de mundo e promove as pessoas à condição de sujeito. E, é, exatamente neste sentindo que a alfabetização de jovens e adultos ganha força e tem sua eficácia. Sobre essa questão Freire afirma que (1980, p. 34), “para ser válida [...] toda ação educativa deve necessariamente estar precedida de uma reflexão sobre o homem e de uma análise do meio de vida concreto, do homem concreto a quem queremos educar (ou melhor dito: a quem queremos ajudar a educar-se)”.

Dessa forma, o(a) educador(a) é um facilitador(a) da aprendizagem do educando que, usando a sua inteligência aberta, intuitiva, criativa e curiosa, colabora com o educando, no desenvolvimento de sua consciência crítica no contexto em que vive. Como ressalta Freire (op. cit. p. 35) referindo-se ao educando, “quanto mais refletir sobre sua realidade concreta, mais emerge, plenamente consciente, comprometido, pronto a intervir na realidade para mudá-la”.

Diante desta reflexão surge um questionamento: mas quando o educando da alfabetização de jovens e adultos estará pronto para esta intervenção? Quando consciente o ser humano frente a sua realidade, integra-se a ela e constrói uma relação, não apenas de adaptação, mas de transformação, agindo e interagindo num movimento inteligente de sua prática social. É, neste processo de interação que ele vai desafiando seus próprios limites,

tornando-se sujeito ativo de si mesmo e da sociedade na qual está inserido, como assinala Freire (op. cit. 37)

no ato mesmo de responder aos desafios que lhe apresenta seu contexto de vida, o homem se cria, se realiza como sujeito, porque essa resposta exige dele reflexão, crítica, invenção, eleição, decisão, organização [...] todas essas coisas pelas quais se cria a pessoa e que fazem dela um ser não somente ‘adaptado’ à realidade e aos outros, mais ‘integrado’.

É nesta direção que o(a) educador(a) da alfabetização de jovens e adultos, consciente de sua função de alfabetizar, poderá por meio de sua prática, ajudar a promover no educando, a formação de uma consciência crítica, desenvolvendo a sua condição de sujeito participativo de seu contexto. Como assinala Freire (op. cit. p. 36), “na medida em que o homem, integrado ao seu contexto, reflete sobre esse contexto e se compromete, constrói a si mesmo e chega a ser sujeito”.

A partir dessas acepções, surge um outro questionamento, os(as) educadores(as) alfabetizadores(as) de jovens e adultos estão preparados para essa prática alfabetizadora? Nos últimos tempos tem-se constatado, através do Ministério da Educação e Cultura bem como de pesquisadores em EJA como, PAIVA (1987), MOURA (2004), SOARES (2003), RIBEIRO (1999), dentre outros, uma grande preocupação com o fazer alfabetizador nessa modalidade de ensino. Essa preocupação exige dos(as) educadores(as) envolvidos na alfabetização de jovens e adultos a rever de forma mais profunda e responsável sua ação pedagógica, numa busca desafiadora de uma prática educativa que possibilite o aprender do educando, numa dimensão reveladora de si mesmo e do mundo que o cerca. Constantino e Takahashi (2006) recentemente na Folha de São Paulo9 ressalta:

Para especialistas, o maior problema dos supletivos é a falta de preparo dos

professores para lidar com um público mais velho e que trabalha. O próprio MEC reconhece que é preciso avançar nesse ponto. ‘Há espaço para um acompanhamento mais detalhado’, afirmou à Folha o diretor do Departamento de

educação de Jovens e Adultos do ministério, Timothy Ireland [...]

‘O formato da escola para jovens e adultos não atende às necessidades básicas de aprendizagem’, disse Stela Piconez, docente da USP que coordena o Núcleo de

Estudos sobre EJA e de Formação permanente de professores da universidade. Piconez afirma que a modalidade deveria ser desenhada para um perfil de aluno

que é mais velho e que já trabalha. ‘Os temas não são relacionados ao cotidiano do trabalho, e a grade prevê cinco aulas diárias, o que é impossível para alguém

que já trabalhou oito horas no dia’. (grifos nossos)

9

CONSTATINO, Luciano e TAKAHASHI, Fábio. < Supletivo cresceu 60%; cursos não são avaliados. Folha de São Paulo, Cotidiano. “Disponível em” 22 de agosto de 2006 >: Acesso em 30 de agosto de 2006.

A citação acima exposta confirma dois aspectos: primeiro, a carência de um trabalho educativo voltado especialmente para jovens e adultos reconhecendo, dentre outros fatores, a necessidade de uma prática educativa que atenda com mais eficiência esse grupo de estudantes trabalhadores. E, segundo, uma produção didática que esteja relacionado com o dia-a-dia desse educando. Esta reflexão significa, também que a preocupação com uma prática inteligente na alfabetização de jovens e adultos, é de forma relevante, uma preocupação nacional, de setores e sujeitos que aspiram por melhores resultados nessa modalidade de ensino.

Nesse sentido, a professora entrevistada Maria Quitéria, também reconhecendo a importância da necessidade de um trabalho direcionado para jovens e adultos, nos faz entender que é preciso realizar atividades diferentes que, reconheça a realidade social do educando, ela assinala, “meus alunos todos são trabalhadores, e são muitas as dificuldades por conta do cansaço, temos que alfabetizar de forma que não seja rotineiro, nem cansativo, dando aula, levando em conta a realidade deles”.(grifo nosso)

Ante o exposto, verificamos que o fazer pedagógico na alfabetização de jovens e adultos, voltado para a cotidianidade do educando, entendida por meio de sua oralidade está sendo ponto de sérias reflexões e pesquisas, como as realizadas por educadores(as) e pesquisadores(as) (ver p. 56 ) nos últimos anos do século XX e XXI. Estas pesquisas revelam profissionais que pensam e, sobretudo, agem na busca de uma prática educativa que atenda às necessidades da população jovem e adulta que, ainda hoje, se encontra a margem do mundo letrado. Isto significa dentre outras coisas que, esse grupo de educandos jovens e adultos, fica fora das exigências de qualificação do trabalho formal na sociedade contemporânea.

É preciso assim, pensar em técnicas, estratégias e habilidades educativas que atendam as reais necessidades do educando jovem e adulto no atual momento histórico.