Os encontros foram dirigidos pelos dois instrumentos, grupo focal e enfoque narrativo, mesmo quando havia uma proposta para iniciar o debate.
1º encontro: apresentação da pesquisa e entrega do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido;
2º encontro: Grupo focal - tema sobre o que significa e o que é maus-tratos;
3º encontro: Narrativa Livre sobre as vivências de violência conjugal. Neste encontro, ao final, foram disponibilizadas pastas contendo um caderno, uma caneta, folhetos informativos sobre violência contra mulheres e sobre a Lei Maria da Penha e indicação de filmes. Esse material foi disponibilizado com o intuito de criar condições para que elas pudessem escrever suas próprias histórias e ter acesso a campanhas que sinalizam o problema da violência contra mulheres, tecendo a rede de apoio.
4º encontro: Grupo Focal a partir da história fictícia (Anexo III). Essa história foi construída a partir da interação nos dois primeiros encontros, cujo objetivo foi favorecer a identificação das suas vivências e, principalmente, auxiliar no processo de nomeação da violência sofrida. Palavras como “vagabunda”, “cachorra”, “você não merece viver”, entre outras, foram sendo nomeadas como violência psicológica.
Neste mesmo dia levamos um livro em quadrinhos sobre a história de Rosalind12, uma mulher que foi vítima de violência conjugal. As perguntas norteadoras nesta intervenção foram: Como nomear as nossas vivências e como essa nomeação pode servir para nos re- apropriarmos e transformamos a nossa história individual? Como um homem pode ser interpretado como representante de uma ordem?
Antes da dinâmica, uma das margaridas levou um artigo, recortado de um jornal de Brasília, que falava justamente sobre o tema da violência doméstica. Essa atitude simboliza a interação do grupo e a atenção dada aos encontros.
Ao final da dinâmica, tinha uma cartolina sobre a mesa, e essa mesma Margarida fez um desenho e relatou que se tratava da sua própria casa antes e depois do casamento. A primeira casa, disse ela, era triste, e agora, “que estou separada”, é colorida. Desenhou na primeira casa: ela, o marido e a filha e o filho e na segunda, ela e as crianças.
5º encontro: foram trabalhadas as representações sobre o que é feminino e masculino e mulher e homem na cultura. E ainda, questões raciais e as imagens de mulheres negras difundidas pela mídia e pela sociedade.
Apresentamos um cartaz elaborado por um coletivo de mulheres da Argentina, chamado “mujeres publicas”13. O cartaz apresenta três fotografias de mulheres, todas
identificadas pelo nome de três embarcações coloniais: La Santa Maria, La Niña e La Pinta (Anexo B). As margaridas discorreram sobre o que viram nas imagens. Ainda neste dia foram disponibilizadas máquinas fotográficas para que elas pudessem registrar suas próprias imagens. O objetivo dessa ação foi oferecer um instrumento que viabilizasse a construção ou re-construção de imagens da sua beleza, de seus corpos e do seu cotidiano.
Antes da dinâmica do cartaz foram apresentadas revistas de grande circulação nacional, como “Criativa” e “Caras”. A pergunta norteadora da dinâmica era: como são veiculados os corpos femininos pela mídia, onde estão as representações das mulheres gordas e negras, as do cotidiano? Como foi construída a imagem da negritude no Brasil?
12 “Mas ele diz que me ama: graphic novel de uma relação violenta”. (PENFOLD, 2006). 13 <http://www.mujerespublicas.com.ar/>, acesso em 13/08/2008.
Ao final do encontro uma das margaridas elaborou e nos entregou uma mensagem: “sou uma só, mas sou uma. Não posso realizar tudo, mas posso fazer alguma coisa. E por ser
incapaz de realizar tudo, não vou recusar o pouco que posso fazer”. Ela levou essa
mensagem impressa e entregou para cada uma das participantes dizendo o seguinte: “você
lendo isso aí, ganha forças”.
6º encontro: Oficina de Wendo. O conteúdo dessa atividade não será descrito, pois se trata de uma arte marcial de autodefesa feminista exclusiva para participantes mulheres, que tem como um de seus princípios a não-divulgação. Esse treinamento foi muito importante para a apropriação do olhar e para a construção de um espaço de limite entre elas e um possível agressor.
7º encontro: Narrativa Livre – relato das experiências conjugais, principalmente os casos de agressões físicas e psicológicas;
8º encontro: Oficina com tema livre escolhido pelas Margaridas. Foi convidada uma especialista em Sexualidade. As principais dúvidas que permearam o encontro foram penetração anal, prazer e masturbação. Essas indagações evidenciam a busca pelo corpo e pelo prazer. No entanto, essas percepções ainda estão profundamente apegadas ao modelo hegemônico heterossexual e de oferta do prazer ao companheiro;
9º encontro: O encontro ocorreu fora do Hospital para consolidação de espaços de compartilhamento mais consistentes e afetivos. Neste dia fomos recebidas, para um almoço, na casa das responsáveis pela oficina de Wendo e da pessoa responsável pelas oficinas de texto e produção de imagens;
10º encontro: Encerramento do grupo de pesquisa que ocorreu com o convite de uma das Margaridas para um almoço em sua casa.
Cabe ressaltar que organizamos um modelo estruturado em etapas para manter o foco da investigação e criar uma lógica que pudesse ser submetida à re-avaliação final, pelas próprias Margaridas, sempre ao final do encontro, tratando-se, pois, de uma construção conjunta e compartilhada. Segue o roteiro:
Acolhimento: nos primeiros minutos perguntava-se sobre as atividades realizadas no dia ou durante a semana.
Contextualização do encontro anterior: retomavam-se as reflexões que foram produzidas a partir da discussão em grupo. Essa dinâmica foi planejada com o objetivo de aproximar-se do modelo de paisagem de consciência, proposto por Michael White.
Abertura para expressão de um tema: elas levavam a demanda e cada integrante do grupo falava de acordo com a sua necessidade sobre determinado assunto, muitas levavam
mensagens e/ou artigos de jornais. O principal interesse dessa maleabilidade de temas era romper com a hierarquia entre pesquisadora e entrevistadas, de forma que elas pudessem narrar o que lhes fosse importante.
Problematização dos temas: mediações a partir de uma perspectiva feminista, com o intuito de identificar e apresentar ao grupo reflexões sobre temas tratados de forma engessada, estereotipada ou unívoca;
Organização das falas: auxiliamos na condução do foco, elegendo um tema que tenha despertado interesse de todo o grupo e elaborar e discutir a partir desse assunto;
Re-significação das narrativas: questionar sobre os papéis socialmente instituídos, buscando uma reflexão conjunta sobre outras formas de apropriação do espaço público e outras formas de se relacionar com as pessoas e consigo, seja nas relações afetivas ou nas de trabalho;
Avaliação da experiência: sempre ao final, perguntava-se como tinha sido a experiência e em seguida procedia-se ao fechamento do encontro.
É importante salientar que apenas seis encontros foram gravados. Os quatro encontros não gravados referem-se ao primeiro contato para apresentação da pesquisa, oficina de
Wendo, oficina sobre sexualidade- encontro de tema livre, encontro fora do contexto do
hospital: encerramento.
A idéia de criar um espaço de escuta diferenciado, acolhedor, reflexivo e de cuidado com as mulheres que aceitaram contribuir com a pesquisa foi uma tentativa de produzir um caminho alternativo para o contato com as “sujeitas de pesquisa”. A partir desse compromisso ético, foi criada a proposta de um grupo focal associado ao método de enfoque narrativo, tendo em vista a densidade das falas e a necessidade de romper com o silêncio e narrar as vivências.
Todas as participantes que necessitaram de atendimento individual no decorrer e depois da pesquisa tiveram esse espaço de escuta garantido pela psicóloga do Programa Margarida e por mim. Ao longo da pesquisa atendi três participantes, na sala do Programa Margarida, totalizando oito atendimentos individuais. A demanda de atendimento individual se deu principalmente no início da pesquisa, quando algumas delas ainda não estavam confortáveis para expor suas experiências em grupo. Os atendimentos posteriores se referiram ao contato com a dor despertada ou reeditada a partir da experiência de compartilhamento.