• Nenhum resultado encontrado

Designativos de bairros formados a partir de hidrônimos

III. Os nomes indígenas da freguesia do Brás

III.2. A formação dos bairros e a atribuição de designativos indígenas originais por translação

III.2.1. Designativos de bairros formados a partir de hidrônimos

Em propriedades localizadas às margens de pequenos cursos d’água, declaradas nos Registros de Terras, percebe-se a tendência de indicação da designação da localidade a partir do hidrônimo: córrego denominado – Taquapininduba (RT 12B), deu origem ao Local: Taquapininduba (RTs 79 e 80); córrego, chamado – Ipotinga (RT 31) / córrego do – Putinga (RT 32), Local: Putinga, bairro da Mooca (RT 31).

94

O irregular traçado das ruas do bairro do Pari deve à antiga ocupação desorganizada das chácaras e, consequentemente, a abertura de caminhos em seus limites e, não apenas, à rápida transformação em bairro misto, industrial e residencial, ocorrida, especialmente, a partir da década de 1890.

Com terras na freguesia da Penha, na margem esquerda do córrego Tucuri (RTs 27 e 29) – afluente direito do Aricanduva –, e na freguesia do Brás, entre os córregos Rapadura e Água Funda – esquerda do Aricanduva –, declarou-se, como antiga designação, a localidade Tucuri, já substituída na década de 1850: Local: Parte na freguesia da Penha e parte na do Brás, chamado Bom Retiro (antes Tucuri) (RT 20).

Outros dois topônimos parecem seguir o mesmo processo denominativo: Local: Momboca (RT 74) e Bairro Tijucoçu, na Mooca (RT 38), apesar de não ter sido registrado qualquer elemento geográfico físico com igual designativo.

Verifica-se que apenas Tijucoçu apresenta predicamento, um indício de fixação de topônimos não oficiais, o qual, contudo, não dispensa a menção a outro referencial mais conhecido – Mooca. Estes designativos permanecem em esfera local, sendo substituídos aos primeiros sinais de urbanização da freguesia do Brás. Além disto, por serem pequenos afluentes, muitos deixaram de existir ainda no século XIX, aterrados ou canalizados pelos próprios chacareiros95.

Para cursos d’água maiores, com maior capacidade referencializadora, nota-se a tendência à apropriação do hidrônimo para designação das terras localizadas na cabeceira do curso d’água. O único registro que indicou o hidrônimo Taquapininduba, por exemplo, tem por nome de localidade Cabeceira do Uberaba (RT 12B).

As demais propriedades localizadas nas proximidades da cabeceira do rio chamado Uberaba (RT 126) / ribeirão chamado Verava (RT 89) foram: Local: Uberaba (RT 16) e Local: Uberaba, colocado junto ao morro do Rio Ipiranga (RT 33), sendo que a cabeceira de Uberaba (RT 16) encontrava-se no primeiro destes. Desta forma, a designação Cabeceira do Uberaba (RT 12B), com toponimização do elemento geográfico físico, parece antes atender à necessidade de reforçar a localização, em contraposição a outro curso d’água que limita a propriedade, do que a maneira usual de indicar terras localizadas nas proximidades das nascentes, por translação toponímica.

O designativo lugar chamado – Capão da Embira (RT 17) / Local: Capão Imbira (152B), localizado na cabeceira do córrego do Capão da Embira, do qual provêm o nome,

95

Não se pode negar, contudo, a antiguidade destes designativos indígenas, preservados em esfera local. Já que proibição oficial do bilingüismo é de 1750.

sem toponimização do elemento geográfico96, vem ao encontro desta afirmação. No Mapa Sara Brasil (1930), o [bairro] Capão da Embira encontra-se, aparentemente, distante do córrego Capão da Embira, visto que parte do trecho inicial do curso d’água não se encontra delineada, apenas o trecho próximo à nascente. Isto se deve, provavelmente, à canalização parcial do córrego ainda nas primeiras décadas do século XX97.

A designação Piquiri, como localidade, por sua vez, dentre aquelas provenientes de cursos d’água pouco extensos da freguesia do Brás, foi a primeira a ser documentada e a única que se fixou na região. Em carta de terra de 1710, encontra-se associada ao povoado do Tatuapé, na estrada da Penha:

Faço saber aos que esta minha carta de sesmaria virem que havendo respeito ao que por sua petição me enviaram a dizer Thomé Rodrigues da Silva, e Maria Leite moradores nesta villa de São Paulo que elles são filhos e netos de povoadores e tem seus sitios e casas de vivenda na paragem chamada Tatuapé e Piquiri termo desta villa sobre o rio Tietê Anhembii e com elles suplicantes partem as várzeas do dito rio, e algumas pontas que nunca foram pedidas nem dadas a nenhuma pessoa (...) e como a elles supplicantes lhes são necessarias as ditas varzeas e pontas. (CDT, 1710).

A localidade Piquiri era, na realidade, uma imensa várzea, especialmente até o terceiro quartel do século XIX. O córrego chamado Piquiri (RT 42), localizado ao lado direito do ribeirão Tatuapé, encontrava-se no início da zona mais alagadiça do Tietê a leste do planalto; tanto que, nas propriedades declaradas, mencionam-se a várzea denominada Piquiri (RT 124) e um brejo (RT 74), como limites.

A importância desta localidade e a manutenção do designativo Piquiri devem-se à proximidade com a parada do Tatuapé e ao pequeno porto do rio Tietê existente, igualmente denominado Piquiri. A utilização das estradas da freguesia do Brás por tropeiros e peregrinos, ainda no XVIII, precipitou a formação de povoados nas

96

O hidrônimo Cor. do Capão da Embira (Carta de Frederico F. Gonçalves, 1837), conforme indicado anteriormente, já registra processo de toponimização do elemento geográfico Capão. É a partir deste designativo, e não do fitônimo, que surge a designação do aglomerado humano formado. Neste sentido, convém notar que, em Local: Na cabeceira do Tatuapé, no capão da Embira (RT 19), o capão da Embira (fitônimo) é indicado nas proximidades da foz do córrego do Capão da Embira, e não na nascente, onde se encontra o aglomerado humano.

97

Posteriormente o córrego Capão da Embira foi totalmente canalizado. Corresponde, aproximadamente, ao traçado atual da avenida Vereador Abel Ferreira.

proximidades de rios. Estes novos aglomerados humanos, igualmente, foram designados a partir dos hidrônimos.

No seiscentismo, o desmantelamento dos aldeamentos, entre eles o de São Miguel, e a ocupação das terras por moradores brancos levaram à formação de bairros rurais contíguos a cursos d’água:

As concessões de terras a foreiros, pela Câmara, fornecem inúmeros exemplos: as terras são concedidas no ribeiro do Payva (Barueri), na paragem chamada Caocaia (uma em Guarulhos e outra em Barueri), no rio Maquirobii (São Miguel), na paragem chamada Jaguaporeruba (São Miguel), em Cahagoassu (São Miguel), no Jaragoá-mirim (Barueri), em Hibitiratim (Guarulhos), no rio de Taquera (São Miguel), na paragem chamada do rio de Goaiaó (São Miguel) etc. (Petrone: 1995, 226-7)

Percebe-se, portanto, que a tendência de se denominar aglomerados formados ao longo de caminhos pelo hidrônimo vem do princípio da ocupação do planalto. Convém notar que, apesar de dispersas e diminutas, muitas das localidades indicadas por Petrone resistiram, dando origem a bairros caipiras afastados do núcleo, assim como aquelas formadas ao longo dos caminhos da freguesia do Brás, especialmente as estradas da Penha e da Mooca.

A mudança de paragem de Tatuapé para bairro do Tatuapé revela a permanência da denominação, a despeito da evolução do aglomerado humano, em meados do século XIX. Nos Registros de Terras, todas as propriedades, em ambas as margens do ribeirão homônimo, são designadas a partir do hidrônimo.

As terras à beira da estrada da Penha, desde a capela de Nossa Senhora do Belém (RTs 6A e 104), a esquerda, até divisa do córrego Piquiri (RT 42), a direita, recebem por designação Bairro do Tatuapé ou Tatuapé, simplesmente, sem predicamento98. Próximo à nascente do ribeirão Tatuapé, declarou-se:

98

Tratam-se dos seguintes registros: Bairro do Tatuapé (RT 6A) [direito EP, esquerda rib. Tatuapé]; Tatuapé (RT 35) [direito EP, sem beirar a estrada, direita rib. Tatuapé]; Tatuapé (RT 36) [esquerdo EP, não margeia o rib. Tatuapé]; Bairro do Tatuapé (RT 42) [esquerdo EP, não margeia o rib. Tatuapé]; bairro do Tatuapé (RT 44) [direito da EP, não margeia o rib. Tatuapé]; Bairro do Tatuapé (RT 88) [direito EP, direita rib. Tatuapé];

* Na cabeceira do Tatuapé, no capão Embira (RT 19); * Nas vertentes do ribeirão Tatuapé (RT 87);

* Cabeceira do Tatuapé (RT 121A).

Em um registro sem demarcação das terras, indica-se Local: Ribeirão Tatuapé (RT 152A); o qual, cotejando com outro registro realizado pelo mesmo proprietário (RT 152B), intui-se que se localizava entre a foz e a nascente do curso d’água.

A referencialização do hidrônimo, desta forma, impõe-se nas proximidades da estrada da Penha, levando à toponimização do elemento geográfico cabeceira para as terras localizadas próximas à nascente e à estrada da Mooca. Para o pedaço de terras debaixo de fechos (RT 152A), a toponimização do termo geográfico em [bairro] Ribeirão Tatuapé deve-se por não se enquadrar como bairro do Tatuapé nem como [bairro] Cabeceira do Tatuapé.

No terceiro quartel do século XIX, o designativo Tatuapé mantém-se para esta extensa área. Novos mecanismos de diferenciação são identificados, como alem do Tatuapé (ACSP, LXI, 35) e alto do Tatuapé (ACSP, LXV, 146), ambos realizados para indicações à beira da estrada da Penha.

O loteamento das terras, especialmente nas primeiras décadas do século XX, leva à criação de diversas outras denominações, em geral indicadas pelos antigos proprietários a fim de evidenciar o espaço que se almejava vender99. Na Planta da Comissão Geographica e Geologica, de 1914, indica-se TATUAPÉ apenas para o trecho delineado entre o rio Tietê e a EFCB, em ambas as margens do ribeirão Tatuapé. A designação alto do Tatuapé ainda hoje se mantém na região, em esfera local e não oficial.

O hidrônimo Maranhão, por sua vez, gerou a localidade Maranhanha / Maranhão / Bairro do Pátio [Maranhão], correspondente à extensa área entre o rio Tietê (a norte) até além da estrada da Penha (a sul) e de proximidades do ribeirão Piquiri (a oeste) até o

Bairro do Tatuapé (RT 104) [direito da EP, não margeia o rib. Tatuapé]; Tatuapé (RT 106) [direito EP, sem

beirar a estrada, esquerda rib. Tatuapé]; Tatuapé (RT 138C) [esquerdo EP, não margeia o rib. Tatuapé]. 99

No Mapa Sara Brasil, de 1930, não consta o designativo Tatuapé. Encontram-se, contudo, diversos bairros ao longo do ribeirão Tatuapé: Villa Claudia, Villa Bertioga, Villa Azevedo, Villa Gomes Cardim, Villa Leme, entre outros.

ribeirão Aricanduva (a leste), provavelmente pertencentes a um proprietário em comum no século XVIII.

Na década de 1850, verifica-se que as terras do [bairro] Maranhanha, como apontado anteriormente, tinham sido vendidas por Carlos Abrão Bresser, imigrante alemão que só chegou a São Paulo no final da década de 1830. Já as do Bairro Pátio (RT 25), denominação surgida em decorrência do Pátio do Maranhão / Pátio da Penha (RT 131), encontram-se visivelmente divididas há muito tempo: além dos dois sítios que fazem frente ao pátio, parte do terreno às margens do ribeirão Aricanduva pertence a Melo Franco, já falecido em 1856.

A maior parte das propriedades que se declaram como localizadas no Bairro Maranhão está vinculada ao sítio Maranhão, pertencente à família de Gertrudes Dores Barbosa, já falecida em 1856 (RT 94). Convém notar que o sítio, ou pelo menos o núcleo principal, encontrava-se distante da cabeceira do ribeirão Maranhão, ressaltando a sua forte vinculação com a estrada da Penha.

A variação descrita, desta forma, tem por finalidade distinguir três conjuntos de propriedade, sendo o topônimo bairro Maranhão aquele que designa a região. Na Planta da Comissão Geographica e Geologica, o topônimo MARANHÃO remete apenas ao trecho entre o rio Tietê (norte) e a EFCB (sul), e os ribeirões Maranhão (oeste) e Aricanduva (leste).