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7 PARLAMENTO E JORNAIS: MEIOS DE PROPAGANDA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO DIREITO

2.3 O despertar dos direitos sociais

A assertiva machadiana contida em “Primas de Sapucaia!”, de que “tudo depende das circunstâncias, regra que tanto serve para o estilo como para a vida; palavra puxa palavra, uma ideia traz outra, e assim se faz um livro, um governo, uma revolução”, aplica-se

ajustadamente nas diversas interpretações sobre o contexto no qual emergiram os direitos sociais da modernidade.19

De ideia em ideia, entre argumentos convergentes e divergentes, desenvolveram-se diferentes noções de cidadania, retratadas em abordagens clássicas, como T. Marshall (1967) e J. M. Barbalet (1989), e pensamentos de autores brasileiros da contemporaneidade como Haroldo Abreu (2008), Carlos Nelson Coutinho (1997), Wanderley Guilherme dos Santos (1979) e José Murilo de Carvalho (2010), os quais situam os direitos sociais como um dos fios que – no tempo histórico – tecem a trama do capitalismo contemporâneo

Do pensamento marshallino pode se extrair uma primeira inferência: o despertar dos direitos sociais contribuiu para ressignificar a cidadania burguesa, dando-lhe mais substância à participação efetiva de cidadãos e cidadãs na vida comunitária. Enquanto os direitos civis – formados no século XVIII – estiveram associados aos direitos necessários à liberdade individual, útil às premissas do trabalho livre requerido pelo capitalismo emergente, os direitos políticos – conquistas do início do século XIX –, mesmo que ainda restritos ao privilégio atribuído aos homens de uma limitada classe econômica, criaram as possibilidades de participação ativa de indivíduos – livres e proprietários – no exercício do poder político, cuja expressão maior se concentrou na capacidade de votar e ser votado.

Até aqui, a ideia de cidadania civil e política, embora tenha preconizado um princípio de igualdade, estruturou-se, na verdade, em harmonia com a desigualdade de classe, útil à manutenção da ordem vigente. Afinal, argui T. Marshall (1967, p. 80), “[u]m direito de propriedade não é um direito de possuir propriedade, mas um direito de adquiri-la, caso possível, e de protegê-la, se se puder obtê-la”. Do mesmo modo, “[...] o preconceito de classe, expresso através da intimidação das classes inferiores pelas superiores, impediu o livre exercício do direito de voto por parte daqueles que o haviam adquirido recentemente”, contempla T. Marshall (1967, p. 81). Nessa linha, a cidadania pouco ou nada influenciou na construção da igualdade social.

Os direitos sociais compreendiam um mínimo e não faziam parte do conceito de cidadania. A finalidade comum das tentativas voluntárias e legais era diminuir o ônus da pobreza sem alterar o padrão de desigualdade do qual a pobreza era, obviamente, a consequência mais desagradável (T. MARSHALL, 1967, p. 88).

19 O conto “Primas de Sapucaia” integra um dos 18 contos que fazem a obra Histórias sem data, do escritor

Somente no final do século XIX, com o entusiasmo alimentado nos movimentos insurrecionais, a cidadania burguesa é posta em xeque e a própria sociedade industrial desnuda a insuficiência das formas institucionais e ideológicas utilizadas até então para a legitimação e manutenção da ordem capitalista que se consolidava naqueles anos iluminados.

É nesse contexto que, na ideia de T. Marshall, registram-se as primeiras movimentações em direção à edificação dos direitos sociais, que contribuíram, mais tarde, para as mudanças as quais culminaram no que se denomina igualdade de cidadania. Em seus argumentos, as inovações trazidas pela fase industrial do capitalismo, somadas aos serviços sociais implantados na Inglaterra, ao longo do século XX, revelam os aspectos contraditórios das ações adotadas na redução das diferenças de classes.

Sobre as mudanças decorrentes do capitalismo industrial, aponta que a elevação da renda nominal proporcionada pelo incremento salarial na sociedade, contribuindo para o crescimento de pequenas poupanças; a cobrança de impostos diretos progressivos, comprimindo a escala de renda líquida e a produção em massa, elevando o acesso ao consumo, constituíram-se fatores determinantes na transformação de muitas aspirações em realidade, ao menos em relação aos direitos sociais, que passaram a ser incorporados ao status de cidadania.

Quanto aos serviços sociais adotados, analisa seus aspectos contraditórios expressos na tentativa frustrada de compatibilização entre o princípio da igualdade e as regras do mercado e a redução da diferenciação de classes. Nos enunciados marshallinos, as diversas iniciativas – desde a instituição de garantia de mínimos sociais, concessão de benefícios em dinheiro, o seguro social, a condição dos “testes de meios” para o acesso a benefícios e a própria “Lei dos pobres” – acabaram se reconfigurando e remodelando um padrão de igualdade social, em algumas circunstâncias pautadas na universalização; em outras, na focalização, na discriminação e categorização hierarquizada de grupos usuários e não usuários.20

20 Os mínimos sociais assegurados pelo Estado, na abordagem de T. Marshall, estariam relacionados à oferta de

certos bens e serviços, como assistência médica, moradia, salário-mínimo, educação, previdência e assistência social. Os “testes de meios” estavam relacionados à comprovação das necessidades e ausência de renda para provê-las. A Lei dos Pobres, uma das primeiras manifestações do Estado inglês no trato da pobreza, foi criada na Idade Média e alterada ao longo dos tempos, assumindo contornos e matizes diferenciados na trajetória do desenvolvimento do capitalismo.

A ampliação dos serviços sociais não é, primordialmente, um meio de igualar as rendas. Em alguns casos pode fazê-lo, em outros não. A questão não é de muita importância; pertence a um setor diferente da política social. O que interessa é que haja um enriquecimento geral da substância concreta da vida civilizada, uma redução geral do risco e insegurança, uma igualação entre os mais e menos favorecidos em todos os níveis – entre o sadio e o doente, o empregado e o desempregado, o velho e o ativo, o solteiro e o pai de uma família grande. A igualação não se refere tanto a classes quanto a indivíduos componentes de uma população que é considerada, para esta finalidade, como se fosse uma classe. A igualdade de status é mais importante do que a igualdade de renda (MARSHALL, 1967, p. 94-95).

Essa é a controvérsia central no conceito de cidadania desenvolvido por T. Marshall: a tensão entre o princípio dos direitos iguais contido na cidadania moderna e a desigualdade intrínseca à ordem do capital. E, embora sejam tecidas algumas críticas atribuindo-se às suas teses de cidadania uma perspectiva linear e evolucionista do desenvolvimento dos direitos, seu pensamento é considerado um recurso teórico importante muito referenciado nos estudos sobre a natureza e os limites da cidadania na contemporaneidade, como destacado em Souki (2006), Saes (2000) e Trindade (2012).

A escolha – na presente tese – pelo modelo desenvolvido por T. Marshall se justifica basicamente a partir de três pontos na sua teia de ideias. O primeiro, pela aproximação das suas análises às condições objetivas de reprodução social, relacionadas com determinado padrão de vida – que denomina civilizado –, incluindo-se aí os bens consumidos e os serviços recebidos, acessível a todos. Nessa linha de pensamento, mesmo admitindo certa compatibilidade entre a igualdade contida nos direitos formais da cidadania e a desigualdade social de classes, o sociólogo britânico vê na cidadania moderna a imposição de determinados limites às regras competitivas do mercado.

No segundo, a dimensão pública do conceito de cidadania exposto em suas teses, o que inclui o papel executivo do Estado, sua obrigação na concretização dos direitos sociais e o espaço delimitado que as leis ocupam em suas argumentações. “A legislação, ao invés de ser o fator decisivo que faça com que a política entre em efeito imediato, adquire, cada vez mais, o caráter de uma declaração de política que, segundo se espera, entrará em vigor algum dia”, afirma Marshall (1967, p. 96).

Desse ponto de vista, serão considerados na construção dos argumentos a seguir os elementos normativos que colocam a assistência social brasileira no campo das políticas públicas – seja pela importância do status jurídico dos direitos sociais no estabelecimento das obrigações do Estado em relação à realização de ações ou medidas de proteção e fruição dos

direitos, seja pela natureza pública da institucionalização de diretrizes e princípios que submetem o campo privado da assistência social à esfera pública, como vem ocorrendo no País após a Constituição Federal de 1988.

Esse é mais um aspecto importante que pode ser extraído das construções de T. Marshall sobre a positivação dos direitos sociais: a perspectiva de construção da vida coletiva, a partir do detalhamento de um plano de vida comunitária, reconhecido e legitimado por todos, subordinando os direitos individuais aos direitos da coletividade.

Explicita-se aqui mais um conflito inerente à ordem social do capital, que certamente não será equilibrado pela mera instituição da lei, pois, como cantou em verso e prosa o brasileiro Carlos Drummond de Andrade, em 1945 – no poema Nosso Tempo –, “As leis não bastam. Os lírios não nascem das leis”.

“A expansão da cidadania no Estado moderno é, ao mesmo tempo, a marca de contraste das suas realizações e a base das suas limitações”, critica Barbalet (1989, p. 13). Todos são iguais perante a lei, mas a possibilidade prática de exercício dos direitos não está ao alcance de todos. É preciso organização popular e luta social permanente não só pela materialização dos direitos sociais historicamente conquistados, mas, principalmente, na mobilização para sua ampliação e conquista de novos de direitos.

Na ideia desenvolvida nos escritos de J. M. Barbalet (1989), a cidadania burguesa realmente apresenta limitações e alcances que denotam claramente profundos contrastes. De um lado, a proclamada igualdade formal entre as pessoas; de outro, a permissividade da ordem burguesa que permite e estimula a propriedade privada. Mesmo assim, reconhece – parafraseando Marx – que a cidadania democrática burguesa é “um grande passo em frente”.

Na sua visão, a importância política dos direitos é inegável.

Em primeiro lugar, porque há uma unidade dialógica entre direito e poder, na medida em que os direitos atribuem às pessoas capacidades ou oportunidades para um determinado exercício de poder compatível com seu status – seja pelos direitos legalmente constituídos, definidos e legitimados pelas autoridades públicas, ou mesmo pelos direitos criados no seu próprio exercício, tecidos no movimento reivindicatório e na luta social.

Em segundo, a natureza convencional do status expressa a dimensão ética dos direitos, na medida em que, regulando a vida social, estabelecem limites à ordem estabelecida e definem a linha de fronteira de segurança à própria existência social. Em terceiro, se os

direitos definem uma última fronteira, sua contravenção está sujeita a sanções, sendo permitido socialmente o uso da força para corrigir a situação de qualquer violação.

Ao analisar esses três aspectos associados à importância política dos direitos, J. M. Barbalet (1989), referenciando-se nas ideias de T. Marshall, explicita a influência, principalmente, dos direitos políticos e sociais na construção da igualdade de condições materiais. Afirma que, se os direitos civis asseguram capacidades relacionadas à igualdade de oportunidades, conduzindo à desigualdade de condições, diferentemente, os direitos políticos e sociais afiançam capacidades que favorecem a aquisição social de condições materiais, que de outro modo não seriam acessíveis. “Neste caso os direitos são uma via alternativa para os recursos sociais e as condições materiais”, argumenta J. M. Barbalet (1989, p. 35).

Do lado de cá, abaixo da Linha do Equador, aventurando-se na tarefa de analisar os nexos entre cidadania e modernidade, Coutinho (1997) identifica na modernidade uma estreita relação entre cidadania e democracia, alertando para a historicidade desses dois conceitos.

A democracia entendida como “[...] presença efetiva das condições sociais e institucionais que possibilitam ao conjunto dos cidadãos a participação ativa na formação do governo e, em consequência, no controle da vida social” –, analisa Coutinho (1997, p. 145), é a experiência mais notável de socialização da política. E um dos conceitos que mais bem exterioriza os processos de apropriação coletiva dos bens socialmente criados é a cidadania.

Cidadania é a capacidade conquistada por alguns indivíduos ou (no caso de uma democracia efetiva) por todos os indivíduos, de se apropriarem dos bens socialmente criados, de atualizarem todas as potencialidades de realização humana abertas pela vida social em cada contexto historicamente determinado (COUTINHO, 1997, p. 146).

Na atualização crítica do pensamento desenvolvido por Marshall, Carlos Nelson Coutinho enfatiza o caráter fundamentalmente histórico e a dimensão processual dos direitos e da cidadania, fenômenos sociais produzidos na dinâmica da luta de classes.

A cidadania não é dada aos indivíduos de uma vez para sempre, não é algo que vem de cima para baixo, mas é resultado de uma luta permanente, travada quase sempre a partir de baixo, das classes subalternas, implicando um processo histórico de longa duração (COUTINHO, 1997, p. 146).

Sem dúvida, a dimensão histórica dos direitos é uma referência analítica sobre a fundação do direito à assistência social no terreno dos recém-inaugurados direitos sociais no Brasil. Não se pode rejeitar a ideia de que o processo de construção e efetivação de direitos no Brasil traz as marcas do seu movimento histórico de formação social, econômica, política e cultural – o jeito brasileiro e ser e viver –, como será abordado mais detalhadamente no próximo capítulo.

Ainda sobre os direitos sociais, são relevantes as contribuições do pensamento desenvolvido por Abreu (2008) – extraído da leitura crítica das ideias de T. Marshall – sobre as condições históricas que impulsionaram a ampliação da cidadania e o peso que atribui à organização da classe trabalhadora na sua luta permanente por condições sociais objetivas de existência.

No ponto de vista do historiador brasileiro, é irrefutável a ideia de que o equacionamento da questão social e o desafio de democratização na modernidade acabaram por se constituir requisitos essenciais no processo do desenvolvimento do capital e na construção de um novo padrão de legitimação à ordem social estabelecida. Do mesmo modo, considera inegável a força centrífuga dos movimentos operários que, colocando-se como uma força social crítica ao processo de exploração no qual estavam submetidos, denunciaram o fracasso das promessas da modernidade com as próprias condições de sua existência.

É importante lembrar que as narrativas históricas sobre o período de amadurecimento do capitalismo ressaltam que o pano de fundo dos ideais revolucionários se assentou no impacto que a velha/nova questão social causou à ordem social e às suas estratégias de dominação, impondo-lhes reformas sociais e democráticas. A liberdade, igualdade e fraternidade, cantadas em verso e prosa como direitos humanos universais, possível de efetivação pela anunciada prosperidade, distanciaram-se cada vez mais da sua objetivação.

E, como nem tudo são flores e nem todos os dias são ensolarados, na contramaré da ordem burguesa em consolidação, as condições de existência de trabalhadores e trabalhadoras desnudaram o seu potencial explosivo como classe. “A alienação do trabalho social ao capital reproduzia-se como miséria, mal-estar e insegurança social, o que favorecia a crítica revolucionária da ordem burguesa”, confirma Abreu (2008, p. 158).

Os registros dos acontecimentos, no final do século XIX, que desaguaram no século XX, dão conta do aprofundamento do antagonismo de classes: de um lado, uma classe burguesa ávida pela lucratividade prometida pelo novo padrão de acumulação pautado na

racionalidade científica; de outro, uma classe trabalhadora em movimento, movida pelo anseio de emancipação social, mas contida pelas escassas, quase nenhuma, condições objetivas de superação das estratégias dirigentes que reordenavam as relações contratuais do novo tempo.

Abreu (2008) identifica, no acirramento do conflito de ideias revolucionárias, a reconfiguração do reino dos contratos privados, das crenças religiosas e da filantropia, transformados em arena política, lugar de conflitos sociais e construção de estratégias políticas. À classe dirigente restou enfrentar o desafio e buscar outros mecanismos que conduzissem à satisfação – mesmo que parcial ou simbólica – das necessidades originadas na reprodução social dos que – à custa do seu próprio trabalho – garantiam a sua sobrevivência e de sua família. Afinal, o emergente Estado nacional que havia ampliado suas funções podia também prover direitos reprodutivos da classe subalterna.

Essa dimensão pública da questão social fez com que “a vida como ela é” – parafraseando Nelson Rodrigues –, em seu cotidiano sócio-histórico como lócus privilegiado das múltiplas manifestações da questão social, com suas agruras e fantasias, ganhasse notoriedade pública. O indivíduo social passou a ser reconhecido em sua resistência e conformismo frente às condições materiais de opressão e exploração às quais está submetido no mundo da produção, bem como nas suas necessidades, desejos, buscas e frustrações, retratam Behring e Santos (2009).

As necessidades da classe trabalhadora e suas reivindicações mais imediatas foram retiradas do mundo privado e passaram a fazer parte da agenda política. Se o sentido para os liberais foi o de ceder alguns anéis para não perderem os dedos, institucionalizando mecanismos de regulação asseguradores da reprodução do trabalho, mesmo que preservada a sua posição de subalternidade na sua integração à ordem social e à complexidade política no contexto do capitalismo monopolista, paradoxalmente, para os movimentos operários, essas novas condições lhes dão outro sentido à luta contra as carências e privações a partir de então reconhecidas como parte da ordem, uma disputa instrumental e distributiva em seu interior (ABREU, 2008).

O projeto societário que se naturalizava como algo que estaria por vir ganhou historicidade. Vontades e desejos foram temporalizados. Liberais – partidários da supremacia do mercado sobre o bem comum; republicanos – defensores da submissão dos interesses privados à “vontade geral” e revolucionários constituíram-se forças sociais e sujeitos históricos da nova era.

Do ponto de vista histórico-crítico, para além da cidadania e da ordem jurídica, as relações sociais instituídas pela “era das revoluções” não correspondiam à dimensão libertária dos compromissos assumidos, deixando de materializá-los nas novas relações sociais praticadas pelos homens (ABREU, 2008, p. 89).

Sob esse ponto de vista, o intelectual marxista adiciona novos elementos no debate: as condições reais que possibilitam a efetivação dos direitos, para além da sua afirmação como estatuto jurídico, e o espaço que os conflitos ocupam no processo histórico de construção e efetivação dos direitos.

Em suas argumentações, mesmo que a cidadania moderna tenha se erguido no complexo privado, mercantil e hierarquizado das relações sociais – núcleo estruturado da ordem capitalista –, as fronteiras da sua plasticidade são definidas por circunstâncias históricas, podendo ir além das exigências do modo de produção capitalista. Dessa flexibilidade podem decorrer diferentes formas de participação, pactos sociais, provisões de bem-estar, múltiplos estatutos de cidadania e diferentes modalidades de intervenção política, envolvendo variados atores e projetos em disputa.

Nessa linha de pensamento, os direitos e sua condição objetiva de efetividade ganham centralidade em qualquer projeto alternativo de sociedade. Ressalta Abreu (2008, p. 345): “[...] para disputar a hegemonia no mundo moderno faz-se necessária a crítica do estatuto da cidadania vigente, de seu significado, de sua gênese, de seu desenvolvimento, bem como a explicitação das condições de sua superação”.

Mesmo identificando limites e restrições nas construções teórico-analíticas de T. Marshall, Abreu (2008) reitera o valor de seus estudos ao pensar a cidadania como processo regulador do pertencimento e da participação dos indivíduos e grupos na vida social e política. Mas, em suas interpretações, avança em direção à subversão desse estatuto de cidadania, preservando-se conquistas civilizadoras e democráticas historicamente instituídas, no sentido de que sua condição de existência se transforme concretamente em possibilidade efetiva de alcance de um patamar mais elevado de vida social.

Nessa ideia, lança luzes sobre a importância da organização de uma identidade coletiva dos cidadãos e cidadãs que não possuem os meios de materialização dos direitos, dos movimentos sociais, da organização dos trabalhadores, dos movimentos de massas e da luta

pela superação das carências alimentada pela esperança de uma vida plena de sentido e de realizações.

Como diz o ditado popular, “quem conta um conto, aumenta um ponto”. “O exercício de certos direitos, como a liberdade de pensamento e o voto, não gera automaticamente o gozo de outros, como a segurança e o emprego”, acrescenta José Murilo de Carvalho (2010, p. 8). Em suas análises, os caminhos que conduzem ao horizonte da cidadania plena não seguem uma linha reta: eles podem ser diversos e sinuosos, entrecortados por veredas e obstáculos. Por isso, adota o modelo desenvolvido por T. Marshall apenas como referência analítica para comparar os contrastes e possíveis semelhanças.

Mais um ponto que pode ser acrescido nesses contos está na ideia de Wanderley