• Nenhum resultado encontrado

Dialogando com os conceitos de Kingdon e Hall

No documento ANA LÚCIA DE OLIVEIRA MONTEIRO (páginas 63-70)

Capítulo 2. METODOLOGIA DA PESQUISA

2.2. Dialogando com os conceitos de Kingdon e Hall

Após a apresentação das categorias estruturantes desta análise, é preciso explicitar as bases conceituais que nortearam a pesquisa, centrando o foco no objeto proposto, que é o processo de formulação das políticas para o estabelecimento do Trabalho Decente no país.

Os processos de formulação de políticas públicas requerem a existência de um problema reconhecido, que sejam tomadas decisões com respeito às ações a serem seguidas, que sejam executadas estas decisões e é preciso avaliá-las como atividade necessária para o reconhecimento dos resultados que estão sendo obtidos.

A investigação aqui apresentada está centrada na formação da agenda e dos processos que culminaram na incorporação dos conceitos e diretrizes do Trabalho Decente

pelos atores governamentais, na busca por instituir uma política pública abrangente no campo do trabalho e emprego.

O referencial teórico adotado é o modelo das correntes múltiplas, formulado por Kingdon (1995) e complementado pelo modelo dos três “is” de Hall (2000). O modelo das correntes múltiplas se propõe a explicar a correlação entre intenções e ações, enfatizando o momento da formação da agenda e os processos decisórios que o antecedem. Segundo Kingdon (1995) este modelo foi instituído com o objetivo de revelar as condições necessárias para que um tema, antes restrito a um determinado segmento, se torne público e passe a integrar a agenda governamental, provocando mudanças nas políticas públicas estabelecidas ou por se estabelecer.

Este modelo sugere que é necessário não somente conhecer os mecanismos que (re) produzem a cada momento os movimentos políticos e sociais, mas também a própria dinâmica interna dos aparatos públicos governamentais que repõem, de maneira similar, as formas autoritárias e excludentes na formulação do conteúdo e gestão das políticas públicas (SEIBEL, 2011).

Seibel (2011) relata que as etapas de constituição de políticas públicas, ou seja, da elaboração da agenda pública, passam pelas seguintes fases:

a) Explicitação das demandas públicas, quando um assunto perde seu caráter particular e atinge a condição de um fenômeno público;

b) Visibilidade pública; seja nas redes informais de comunicação ou nos fóruns públicos. Aqui se forma a opinião pública;

c) Reconhecimento político, através dos esforços para a conquista do tema em questão;

d) Formulação propriamente dita das políticas públicas, que significa o processo de decisão sobre a gestão das demandas, a forma e os atores institucionais envolvidos.

Kingdon (1995) menciona três correntes básicas que fazem parte da definição da agenda:

A dos problemas, onde os problemas estão sendo definidos;

A da política, que segue os grandes movimentos ou problemas nacionais; A das políticas, caracterizada pela geração de idéias e alternativas.

Assim, as duas primeiras correntes conduzem à definição do problema e a terceira, à geração de alternativas. A gestão, por sua parte, aparece articulada de forma implícita com a corrente de geração de alternativas, já que os executores fazem parte dos atores centrais da geração de alternativas.

Kingdon (1995) se concentra em compreender os principais processos pré- decisionais à implementação de uma política social: o estabelecimento da agenda e a especificação de alternativas. Como exposto anteriormente, a agenda governamental consiste em uma lista de temas que os atores governamentais estão discutindo em um determinado momento. O processo de especificação de alternativas é aquele em que, dentro de um conjunto de alternativas possíveis, algumas opções são efetivamente selecionadas.

Neste caso, ocorre a identificação de três etapas inter-relacionadas – problemas, políticas e política. Os atores sociais reconhecem os problemas, produzem propostas de formulação das políticas públicas e agem através de movimentos sociais, sejam eles de caráter eleitoral ou de grupos de pressão. Cada participante do processo pode, em princípio, estar envolvido em cada um dos três processos – reconhecimento dos problemas, formulação das propostas e ação política.

No método desenvolvido para a análise de políticas públicas estruturadas, Kingdon (1995) considera que o estabelecimento de agenda pública e a especificação de alternativas no âmbito governamental, para a resolução de problemas, implicam determinados aspectos que variam desde a especificação de alternativas para a agenda até os participantes envolvidos, passando pelos processos que vão determinar se distinto tema vai fazer parte, ou não, dos planos oficiais de governo.

Os processos para a formação de uma agenda pública, a elaboração e o confronto de alternativas por parte dos membros dos distintos grupos de atores, assim como os processos de escolha e decisão por parte desses agentes vão resultar na definição dos caminhos que irão levar, ao fim, ao desenho e à formulação de políticas públicas.

Ainda segundo Kingdon (1995), os processos pré-decisionais e a decisão final de uma determinada política ou programa costumam ser complexos e longos. Em teoria, a primeira fase compreende a formação da agenda pública (a introdução do tema ou das demandas na agenda social e posteriormente pública), a produção e o confronto de alternativas por parte dos diferentes grupos de atores e os processos de escolha e de apropriação por parte dos agentes. A segunda fase concerne à formulação e às definições

de estratégias de implementação, que se constituem, a princípio, pelas decisões tomadas a respeito das características, a dimensão temporal das ações, os atores a serem mobilizados, as metas a serem alcançadas, a abrangência das ações e os recursos disponíveis.

Assim, esta concepção do ciclo de um programa, composto por fases ou etapas de vida, adotado para fins de sistematização metodológica, viabiliza a análise de um processo de formulação de política pública dentro de um determinado contexto, e busca identificar as diversas fases que envolvem a inserção e a manutenção de determinado tema na agenda pública governamental.

Durante esse processo, há a identificação de três variáveis fundamentais: os problemas a serem solucionados, as ações que devem ser tomadas e a formulação da política em si. Os atores sociais que participam do processo conhecem e debatem o problema e elaboram propostas para enfrentamento a partir dos locais sociais onde estão inseridos, seja o ativismo social, partidária ou parlamentar, o movimento sindical, ou os grupos de pressão que atuam junto aos agentes públicos. Como o processo é dinâmico, a posição dos atores pode variar, sendo que essa variação também influencia a conformação da agenda governamental.

Como previamente afirmado, a agenda pública consiste na priorização de uma lista de temas, sendo que a especificação das alternativas conforma um conjunto de possibilidades, onde umas terão preferência em detrimento de outras a partir do diálogo – ou não-diálogo – que vai ocorrer na arena das negociações.

A primeira parte refere-se à identificação do problema e a forma como ele será definido será determinante para a formulação das propostas de soluções apresentadas pelos atores. Uma vez identificado e reconhecido como tal, segue-se a segunda fase, com a apresentação das diversas alternativas para solucioná-lo. É nesse momento no qual as ideias formuladas são apresentadas sob as formas de propostas ou ações. Dependendo da correlação de forças vigentes, umas ideias ou propostas ganham mais espaço do que outras. Segundo Kingdon (1995), esse é o terceiro momento, o da política, que será determinante para o tipo de intervenção a ser implementada.

É importante frisar que essa concepção de momentos de conformação de uma agenda é adotada como sistematização metodológica, pois não é possível separá-los já que o processo se dá de forma dinâmica e contínua, mudando a sua conformação de acordo com as discussões e os consensos que podem ir surgindo ao longo do caminho.

O debate sobre a definição da agenda pública foi repensado em virtude das transformações conjunturais sofridas nos últimos tempos. No Estado desenvolvimentista, cabia à tecnocracia governamental o papel quase exclusivo de definir as políticas públicas. No entanto, a emergência dos movimentos sociais na década de 1980, que assumiu a gestão das políticas públicas em várias áreas, em escala menor, mas com forte legitimidade popular, e o desdobramento da conjuntura mundial com a derrocada do Estado desenvolvimentista e a afirmação do Estado neoliberal, evidenciaram a necessidade de mudança nos processos de formulação e gestão das políticas públicas (CARVALHO et al, 2005).

O modelo de Kingdon (1995) é um modelo centrado na definição da agenda, onde se inserem, pela primeira vez, dois elementos chave – a definição do problema e a geração de alternativas. Estas atividades estão relacionadas, apesar de dominadas por diferentes atores, entre os quais se destacam o governo e outros não tão visíveis, mas igualmente importantes politicamente, já que decidem sobre a “agenda política” e a “agenda para decisão”. É importante ressaltar que, neste modelo, apesar de que ambas as atividades têm suas próprias correntes políticas, quando estas são confluentes dão lugar a políticas públicas sólidas e com melhores resultados.

Figura 1. Modelo de Kingdon, adaptação de Carvalho et al (2005), com base em Barzelay & Cortazar (2004)

No intuito de identificar as contradições que caracterizam o fenômeno sob estudo, observa-se que o modelo proposto por Kingdon necessita de um aporte metodológico para abarcar todos os elementos envolvidos no processo de articulação que propõe a implantação do Trabalho Decente no Brasil. O modelo de análise proposto por Hall (2002) adéqua-se perfeitamente à análise proposta, uma vez que permite o diálogo entre as

categorias analítico-metodológicas e também as categorias conceituais e teóricas que permeiam todo o estudo.

Com relação aos fundamentos políticos relativos à formulação de políticas públicas que proporciona a compreensão sobre os processos de formação de agenda e sua interação com as políticas nacionais, Hall (2002) concentra seu debate em torno de grupos que representam instituições e interesses, formulando sua teoria dos três “i”, onde o terceiro ‘i” representa as ideias e os valores incorporados pelos grupos nas discussões. O primeiro dos “i” definidos por Hall (2002) são as instituições, que englobam o conjunto relativamente estável de regras, práticas e procedimentos que definem o comportamento de determinados grupos de atores – comunidades, organizações, grupos de interesse, indivíduos e outros – em situações específicas. O segundo dos “i” estabelecidos por Hall (2002) são definidos por Carvalho et al (2005) como os interesses e as prioridades em defesa das quais os atores se movem durante as negociações, que resultam em conflitos e eventuais negociações, no processo de formação de consenso.

As ideias e valores que integram o terceiro “i” englobam as crenças, as ideologias e as identidades dos atores que participam dos processos. Com base em suas ideias, os atores formam seus paradigmas e visões de mundo que condicionam a interpretação das realidades e a construção de seus interesses (MENICUCCI e BRASIL, 2006). Faria (2003) ressalta que como os atores definem seus interesses baseando-se em suas próprias ideias, o plano das ideias serve como guia aos agentes para determinar suas preferências em um universo complexo.

Nessa perspectiva, Menicucci e Brasil (2006) reforçam que as instituições influenciam o grau em que novas ideias podem acessar as arenas políticas, funcionando como um regulador institucional da performance dos atores. Complementando, Novelli (2002) afirma que é preciso relacionar interesses, instituições e ideias para identificar a influência que as ideias exercem na política.

Como visto, esses três “i” apontam para a pluralidade de causas que interferem na ação pública, sendo necessário considerar, durante a análise, uma longa temporalidade para assegurar sua identificação, bem como observar a interação dos fatores (PALIER e SUREL, 2005).

Meniccuci e Brasil (2006) reiteram a necessidade de analisar o contexto institucional em que surgem e se desenvolvem as ideias e os interesses, considerando o

percurso histórico ao longo do processo de formação de agendas e formulação de políticas públicas.

Isso se deve ao fato de que a identificação de um problema e a escolha de alternativas depende não apenas das ideias e interesses vigentes, mas também das escolhas já feitas e das instituições estabelecidas no decorrer do tempo, denominadas por Menicucci e Brasil (2006) de legados de políticas.

Hall e Taylor (2003) defendem que as instituições exercem influência sobre as situações políticas por meio das ações de atores sociais estratégicos. Nessa perspectiva, são enfatizados os aspectos do comportamento humano que promovem o cálculo estratégico a partir do uso da razão. Desse modo, os indivíduos examinam todas as escolhas possíveis no que se refere ao conjunto de alternativas políticas, para então selecionar aquelas que representam o máximo benefício.

Também segundo Hall e Taylor (2003) os atores participam de diversas instituições, as quais prestam informações úteis, do ponto de vista estratégico, como também afetam a identidade e as preferências dos próprios atores.

Figura 2. Framework baseado em Hall (2002), adaptado por Carvalho et al (2005)

Nesse contexto, deve-se considerar a conjuntura como caracterizada pela interdependência, onde as dimensões de vulnerabilidade precisam ser consideradas para que seja possível entender as mudanças nas relações entre os atores.

A concepção de análise proposta por Kingdon (1995) e complementada pelo modelo de Hall (2002) rejeita a sequência de etapas proposta pela teoria do ciclo de políticas públicas, já que para Kingdon e Hall os problemas, as soluções, as decisões e as alternativas de políticas públicas são processos independentes, ainda que interligados por um fio comum, onde os processos são complexos e muitas vezes os consensos são temporários, até que se encontre uma nova gama de alternativas de soluções.

No documento ANA LÚCIA DE OLIVEIRA MONTEIRO (páginas 63-70)

Outline

Documentos relacionados